De onde vem o que eu como: guerra entre Rússia e Ucrânia impacta amendoim brasileiro

Os dois países respondem por quase metade das vendas do alimento para o exterior. Produtores relatam que cargas que seriam embarcadas estão paradas, aguardando o desenrolar do conflito.

Por Paula Salati, g1


Cerca de 40% do amendoim nacional é exportado para a Rússia. — Foto: Fidias Cervantes

A guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia não preocupa o agro apenas pela dependência de fertilizantes. Ela começou também a impactar as exportações e um dos produtos afetados foi o amendoim do Brasil.

Os dois países do leste europeu são os destinos de quase metade deste produto brasileiro que vai para o exterior, gerando às empresas daqui cerca de US$ 344 milhões em vendas, no ano passado.

Os russos pagaram por 37,6% desse valor e a Ucrânia, 8,71%, de acordo com dados do Ministério da Agricultura.

Por outro lado, apesar da sua importância no comércio com esses dois países, o amendoim não está nem entre os 10 produtos mais exportados pelo Brasil. O valor da sua venda externa representa apenas 1% do que o país embarca de soja, por exemplo.

Metade de todo o amendoim produzido no Brasil é exportado e o restante fica no mercado interno.

Na Rússia e na Ucrânia, o amendoim é consumido tanto na forma de aperitivo como no preparo de doces. E as remessas do Brasil acontecem durante todo o ano.

"O amendoim estava em processo de embarque [para Rússia e Ucrânia], mas, com o início da guerra, o exportador segurou a carga", conta o presidente da Câmara Setorial do Amendoim do governo de São Paulo, Luiz Antônio Vizeu.

Os militares da Ucrânia fecharam os seus portos logo após a invasão russa na madrugada da última quinta-feira (24). Já as empresas de transporte marítimo estão suspendendo temporariamente o deslocamento de contêineres para a Rússia, após sanções ocidentais impostas a Moscou.

Uma delas é a gigante Maersk, que tomou a decisão nesta terça-feira (1), seguindo deliberações semelhantes da Ocean Network Express (ONE), com sede em Singapura, da Hapag Lloyd, da Alemanha, e do grupo de transporte marítimo MSC, com sede na Suíça.

Amendoim é leguminosa que se desenvolve debaixo da terra — Foto: Arte/g1

Carga parada e incertezas

No Brasil, a maior parte do amendoim sai pelo Porto de Santos, no litoral paulista, e uma fatia pequena por Paranaguá, no Paraná.

O comércio se concentra no Sudeste, pois o estado de SP produz cerca de 93% das 700 mil toneladas de amendoim colhidas no ano, pelo país.

Uma empresa do município de Tupã, uma das principais cidades produtoras e exportadoras de amendoim, disse à TV Tem de Bauru na última segunda-feira (28) que está com quase 100 contêineres indo para a Rússia e mais 30 parados em Istambul, que teriam como destino a Ucrânia.

Outros 20 contêineres deixaram de ser embarcados por causa do conflito. Veja na reportagem a seguir:

Conflito entre Ucrânia e Rússia prejudica exportações no centro-oeste paulista

Vizeu, da Câmara Setorial de SP, diz que ainda não sabe detalhar quantos contêineres com amendoim estão parados nos portos ou nas empresas brasileiras e nem quantos navios estão navegando.

"Mas o setor vai se reunir nesta quinta-feira (3) e, então, vamos saber quem está tendo problemas e o que vamos fazer. Todo esse acontecimento é uma grande incógnita para o setor, mas, com certeza, vai nos afetar de alguma forma, como no custo do frete e no preço [do amendoim]", acrescenta.

Leia também:

Até o ano passado, a leguminosa passava por um bom momento no mercado de grãos. O preço da saca de amendoim em 2020 era negociado, em média, a R$ 84,78 no país, valor que subiu para R$ 96,52 em 2021, mas que recuou a um patamar entre R$ 65 a R$ 70 reais este ano, devido a um aumento da oferta.

Um dos temores dos produtores é de que o conflito possa desvalorizar ainda mais a cotação. Além disso, as empresas que já fecharam contrato estão com receio de não serem pagas por causa de sanções, como as que bloquearam dinheiro de russos em bancos internacionais.

O g1 procurou a Associação Brasileira das Indústrias de Chocolates, Cacau e Amendoim (Abicab), que disse que não iria comentar os impactos da guerra.

Ganhando espaço no mundo

Amendoim é usado em doces e bolos — Foto: Reprodução/TV TEM

No mundo, o Brasil é o quinto maior exportador de amendoim, atrás de Índia, EUA, Argentina e China, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O "snack" brasileiro vem ganhando cada vez mais espaço pelo globo e chegou a ganhar impulso adicional em 2019 depois de uma queda na produção argentina.

"Há três anos, faltou amendoim dos argentinos e, então, a Rússia e outros países passaram a comprar cada vez mais o produto brasileiro", diz Vizeu.

Além disso, o aumento dos padrões de qualidade do petisco nacional, nos últimos anos, tem feito ele ser bem aceito em mercados bastante rígidos, como a União Europeia.

Selo de qualidade do amendoim

Um amendoim com um alto padrão de qualidade é aquele que é seguro em relação à presença de aflatoxinas. — Foto: Unsplash

Um amendoim com um alto padrão de qualidade é aquele que é seguro em relação à presença de aflatoxinas, substâncias produzidas por fungos do gênero Aspergillus, que se desenvolvem em ambiente úmido.

A aflatoxina, quando presente em quantidades elevadas nos alimentos, é bastante tóxica para humanos e animais, podendo provocar quadros sintomáticos como febre, dores e vômito, além de lesão hepática aguda que, em casos mais graves, pode ser fatal.

O amendoim se desenvolve debaixo da terra e, quando é arrancado do solo, possui 40% de umidade. A partir daí, o seu processo de secagem e armazenamento será fundamental para evitar o surgimento dos fungos, conta Renato Fechino, vice-presidente da associação das indústrias de chocolates, cacau e amendoim (Abicab).

Por causa desse problema, a entidade trabalhou junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para criar o Selo de Qualidade Certificada Pró-Amendoim. Todo produto com amendoim precisa estar com o selo abaixo para ser considerado seguro:

Selo de Qualidade Certificada Pró-Amendoim, da Associação Brasileira das Indústrias de Chocolates, Cacau e Amendoim (Abicab). — Foto: Reprodução

"A empresa, para obter esse selo, precisa manter um padrão de qualidade na produção e beneficiamento", diz Fechino.

A Abicab faz as coletas trimestralmente nos pontos de venda por todo país e envia os produtos para análise em um laboratório independente, aprovado pelo Inmetro. Caso identificado alguma não conformidade, a entidade informa os órgãos responsáveis.

Além disso, as companhias são auditadas duas vezes por ano em suas fábricas para verificar se elas estão secando e armazenando o amendoim corretamente.

"É um selo que não é garantido a partir do momento em que você ganha. A empresa vai continuar sendo auditada e pode perdê-lo a qualquer momento", acrescenta.

Cultivo do amendoim

Arranquio durante a colheita de amendoim. — Foto: Arquivo pessoal/Luiz Antonio Vizeu

O cultivo do amendoim no Brasil é mecanizado do plantio a pós-colheita, conta o presidente da Câmara Setorial do Amendoim de São Paulo, Luiz Antônio Vizeu.

A leguminosa é semeada de setembro a outubro e colhida entre março e abril. Seu plantio é feito, principalmente, em rotação com a cultura da cana-de-açúcar e, em menor medida, no período de reforma das pastagens.

Amendoim se desenvolve debaixo da terra. — Foto: Reprodução/TV TEM

O amendoim se desenvolve debaixo da terra e tem boa germinação sob temperaturas entre 32°C e 34°C. Além disso, precisa de solo arenoso e níveis moderados de água, pois o excesso pode matar a planta.

Amendoim movimenta R$ 2,8 bilhões no Brasil

Veja mais vídeos da indústria-riqueza do país

DE ONDE VEM O QUE EU COMO