Um produtor rural tem conseguido colher grandes quantidades de soja em Goiás apenas com técnicas da agricultura orgânica e sem uso de produtos químicos.
Em um primeiro momento, é difícil imaginar que a soja, principal item de exportação do Brasil, produzida quase que em escala industrial, possa ser mais sustentável. Rogério Vian viu que é possível, mas não é fácil.
Ele levou pelo menos 12 anos para conseguir transformar a lavoura convencional em uma livre de produtos químicos. Agora, os resultados agronômicos e financeiros passaram a compensar, diz o produtor de 44 anos.
“Os primeiros anos de orgânico foram horríveis. No primeiro ano, colhemos 28 sacas por hectare enquanto os outros colhiam mais de 60. Este ano eu já consegui área com 60 sacas por hectare. O orgânico é um nicho e eu estou pronto para ele”, diz.
Produtor de soja orgânica conta como é a atividade
Filho de agricultores, ele nasceu em Barra do Garças, em Mato Grosso, e vive há 40 anos em Mineiros, sudoeste de Goiás.
A transição de uma produção convencional, com uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, para uma atividade que conta com apenas produtos biológicos, como microrganismos, feromônios e insetos para o controle de pragas e doenças da lavoura, foi aos poucos.
“Eu não acordei um dia e decidi mudar tudo, foi um trabalho longo. Eu não critico quem faz a produção convencional e nem incentivo (outros produtores)”, conta.
Pressão ambiental ‘sem volta’
O ano de 2005 foi crucial para a mudança. A fazenda de Vian é vizinha do Parque Nacional das Emas e, naquele ano, houve uma série de restrições impostas pelo governo federal para os agricultores da região, especialmente em relação à aplicação de agrotóxicos.
“Eu pensei ‘isso não vai ter volta’, essa pressão ambiental é muito forte, eu tenho que mudar e fazer diferente”, lembra o produtor.
A partir disso, Vian começou a pesquisar e se espelhar em práticas adotadas em outras partes do Brasil e do mundo.
A primeira descoberta foi em 2006, quando conheceu uma técnica para tratamento de sementes, que é a aplicação de defensivos para proteger a planta do ataque de doenças no solo, usando apenas produtos biológicos.
“Eu fui experimentando, não fiz em toda área, mas o resultado foi excelente. A gente produziu mais do que na área que tinha tratamento químico. Outra recomendação foi substituir um adubo solúvel por um natural. Já são 7 anos utilizando pó de rocha e não uso nada químico”, conta.
Ano após ano, ele foi incorporando técnicas da agricultura orgânica na atividade. O cultivo 100% livre de produtos químicos só foi alcançado há 3 anos.
Como é feito
A produção orgânica não segue uma regra, o agricultor precisa entender as características da região dele e do solo, por exemplo. A partir disso é que ele vai traçar sua própria estratégia.
“É uma caixa de ferramenta, você escolhe o que vai usar. Quer usar pó de rocha na adubação? Homeopatia para controlar insetos? O produtor começa por onde ele quiser, só que o principal é o conhecimento”, explica Vian.
Tudo começa nas sementes: por lá os grãos são de soja comum, nada de transgênicos. Após isso, ele faz o tratamento biológico do que vai ser plantado, para proteger a planta que vai nascer do ataque de doenças do solo.
Antes e dias após o plantio, vem a parte mais trabalhosa: o controle de ervas daninhas. Em uma produção normal, o agricultor usaria herbicidas químicos para matar essas plantas.
Já na produção de Rogério é o uso da enxada rotativa que garante o controle da invasora. É um gasto extra que torna a produção orgânica viável.
“O controle é feito na enxada, de 30 a 40 funcionários capinando. Só não existe mais orgânico porque ainda não tem uma solução biológica para substituir o herbicida, senão todo mundo faria”, diz Vian.
Durante o período de crescimento das plantas, é hora de fazer o controle de insetos e de doenças, como a ferrugem.
A calda bordalesa, uma mistura de sulfato de cobre, cal e água utilizada há séculos na agricultura orgânica, garante parte da proteção. Outra parte é controlada por bactérias e microorganismos que Vian reproduz na própria fazenda.
“Nós fazemos também o Manejo Integrado de Pragas. Temos um monitor de lavoura, que entra a cada 3 dias para ver como estão as pragas e seus inimigos. Fazemos um acompanhamento ferrenho.”
Quando a soja chega ao ponto de colheita, uma certificadora de orgânicos analisa a lavoura e libera a retirada dos grãos. Depois de colhida, a soja é armazenada ou entregue aos compradores.
Custos e mercado
“Eu sempre falo que eu sou agricultor, técnico agrícola, engenheiro agrônomo e agricultor sustentável. Pratico um modelo ambientalmente correto, socialmente justo e com rentabilidade maior. Não é simplesmente produzir, você tem que produzir o melhor alimento para você, sua família e para os outros”, resume Vian.
Para muitos sojicultores, a impressão é a de que este tipo de produção custa mais caro, mas o produtor diz que não é bem assim.
Dados da Federação de Agricultura de Goiás (Faeg), estado de Vian, mostram que os gastos com insumos, como fertilizantes e pesticidas, é 114% maior do que o custo dos bioinsumos. Considerando todos os itens de produção, a soja com tratamento químico é 26% mais cara do que a orgânica.
“É um paradigma de que é mais caro fazer orgânico. No meu caso, ele é mais barato. Para se ter uma ideia, o custo da produção convencional é de R$ 3.500 por hectare. Na produção orgânica, o meu custo ficou em R$ 2.000 por hectare”, afirma.
Apesar de um primeiro ano com baixa produtividade, Rogério Vian percebeu que o retorno financeiro da soja orgânica era muito interessante.
“No primeiro ano, conseguimos mais no preço da saca de soja. É muito compensador, você gasta quase 50% menos e recebe cerca de 35% mais pela saca”, diz.
Depois disso, os dois anos seguintes foram com números próximos e, em algumas áreas, acima da média nacional, compensando ainda mais a aposta nesse tipo de produção.
Quem compra
Vian diz que tem sido “uma luta” desenvolver o mercado para a soja orgânica, mas, em relação ao primeiro ano, ele vem observando mais interesse das indústrias pelo produto.
“De 2 anos para cá, começaram a aparecer compradores, gente querendo te financiar. As empresas perceberam que as pessoas estão querendo alimentos mais saudáveis. Isso te garante preço, conseguimos fechar contratos melhores”, explica.
“O orgânico não cresce mais porque não há fomento por parte das empresas, não garantem compra e nem oferecem assistência. O produtor precisa ir atrás, mas, depois que você vai atrás, existe mercado.”
Grupo para ajudar outros agricultores
Se a demanda está crescendo, é sinal de que existe uma oportunidade para mais agricultores entrarem neste tipo de produção.
Pensando nisso, Rogério Vian e outros produtores rurais criaram o Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), que reúne agricultores e pesquisadores para troca de experiências e de técnicas.
“A adesão é fantástica. Nosso grupo começou no WhatsApp e, hoje, já realizamos 6 encontros de campo, 3 fóruns nacionais… já temos mais de 3 mil membros do Brasil inteiro”, conta.
A ideia é que produtores e agrônomos conversem, apresentem problemas e soluções para que outros possam descobrir novos métodos naturais de controle de pragas e doenças na lavoura.
“Queremos trabalhar com informação, a natureza está aí há bilhões de anos e precisamos aprender como ela funciona, equilibrar o sistema”, diz Vian.
Outro plano é, no futuro, viabilizar a criação de um selo de sustentabilidade que pague mais pelo produto, além de ter um canal para conversar diretamente com o consumidor e mostrar os benefícios que o produto orgânico tem.
Produtor organiza grupo para compartilhar experiências de agricultura orgânica
“Não tem volta. Nos países que têm mais dinheiro e mais instrução, a indústria está sendo cobrada pelos consumidores por alimentos mais saudáveis.”
"A gente ouve das empresas ‘temos dinheiro, o que a gente precisa é do produto’. Quem largar na frente tem uma grande oportunidade”, explica Rogério Vian.
Preservação e história
Como boa parte dos produtores rurais, Rogério Vian também é filho de agricultores. É considerado um “matucho”, já que nasceu em Mato Grosso, mas a família é natural do município de Colorado, no Rio Grande do Sul.
A família chegou junto com a expansão do Centro-Oeste, quando o governo militar à época queria ocupar o território brasileiro e oferecia terras baratas para que agricultores começassem a produzir.
“Na ida dos meus pais para lá (Mato Grosso), não tinham quase nada. Para piorar, o caminhão deles pegou fogo, destruiu tudo. Só ficaram com um trator sem pneu e a roupa do corpo”, relembra.
A mudança para Goiás ocorreu poucos anos depois. O motivo é que a mãe de Rogério pegou malária e a cidade de Mineiros era conhecida por ter um bom sistema de saúde. Com isso, os pais dele compraram uma propriedade e se mudaram para a região.
No começo, a produção da família era de arroz, uma tática comum para melhorar o solo para viabilizar o cultivo de outros alimentos. Depois, iniciou-se o plantio da soja, que é uma cultura mais rentável.
Nesse período, Rogério Vian fez colégio agrícola e cursou a faculdade de agronomia. Só depois é que começou a ajudar nos negócios da família para, em 2002, assumir a gestão agronômica da propriedade.
Sempre interessado em novidades, tentava convencer os pais a utilizarem técnicas mais modernas, mas havia resistência. Porém, aos poucos e às vezes escondido, Vian dava um jeito para aplicar suas ideias.
“Eu ia fazer meus testes escondidos, era difícil de convencer meu pai. Os pioneiros acabam pagando um preço maior porque tudo era no instinto, não havia pesquisa. Meu pai mesmo falava ‘vamos deixar os outros fazerem e depois, se der certo, a gente faz’”, lembra Rogério.
Com a morte dos pais, em 2004, ele assumiu todo o negócio. Desde de então, a sustentabilidade passou a ser o foco da propriedade.
Rogério tem uma área de 990 hectares, sendo que cerca de 400 são utilizados para a produção orgânica, outros 356 hectares são de matas, destinadas como áreas de proteção permanente e reserva legal. Já o restante é utilizado para o cultivo de cana-de-açúcar e eucalipto.
“Eu quero produzir um alimento que vá direto para a mesa do consumidor, isso pode agregar muito mais valor. O dinheiro também é importante, a sustentabilidade precisa ser econômica, social e ambiental.”