Depois de 18 anos de trabalho no antigo Lixão da Estrutural – na época, o maior depósito de lixo a céu aberto da América Latina –, a agente de reciclagem Lúcia Fernandes, de 44 anos, decidiu voltar a estudar e dar um novo rumo à sua vida.
No ano passado, quando o lixão foi fechado, a moradora do Distrito Federal trocou os dias em meio às montanhas de dejetos pela rotina em um galpão de reciclagem. De catadora, ela passou a presidente de uma cooperativa e, nesta sexta-feira (7), subiu ao palco junto com outros 120 colegas na formatura do curso de Agente de Recuperação de Resíduos.
"Quando olho para mim fazendo curso de primeiros socorros nos galpões, de empreendedorismo e reciclagem, fico emocionada. Hoje vivo outra realidade."
Foram 12 meses de dedicação, desafios e muito estudo. A formação é promovida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-DF), em parceria com o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e a Secretaria de Desenvolvimento Social.
Lúcia, que só frequentou a escola até a 3ª série do ensino fundamental, até então não tinha prática para escrever. Agora, se orgulha da conquista.
"Sei ler de tudo."
Nova rotina
Até 2017, era do material jogado fora pelos brasilienses que vinha a renda da família Fernandes. Lúcia criou os quatro filhos com a venda dos reciclados, e hoje se orgulha ao dizer que tem uma casa própria e que "nenhum filho seguiu o caminho do lixão".
Por quase duas décadas, ela dividiu o espaço com mais de 1 mil catadores, caminhões e caçambas de lixo.
Na época de trabalho a céu aberto, lembra a catadora, chegava a faturar 400 reais por semana. Hoje, nos galpões de triagem do governo do Distrito Federal, a renda caiu: o mesmo valor é obtido a cada 15 dias.
Apesar do salário menor, Lúcia diz que a nova rotina vale a pena. Hoje, vinculada à cooperativa de reciclagem, ela e os demais catadores recebem equipamentos de segurança e começaram a pagar a previdência social.
"A renda diminui bastante, mas vale a pena estar no galpão. Foi uma conquista grande para a gente que agora tem a possibilidade de ter um banheiro ao alcance, fazer cursos, usar um refeitório."
E os planos de aprendizagem de Lúcia não param.. A agente de reciclagem sonha em fazer um curso de informática. "Quero aprender a fazer planilhas, usar o Excel", diz.
"Meu sonho agora é fazer um curso de computação e aprender a mexer no básico. Não é luxo, é necessidade."
1 ano de estudo
O curso de Agente de Recuperação de Resíduos começou em junho de 2018 para capacitar os catadores que deixaram o trabalho no antigo Lixão da Estrutural. O local foi fechado em janeiro do ano passado.
Para encarar a nova rotina de trabalho dentro dos galpões de triagem, "uma realidade bem diferente de quando trabalhavam a céu aberto", contam, os catadores se organizaram em cooperativas e puderam se matricular em cursos de formação na área de meio ambiente.
Nesta edição do curso no Senai, os profissionais aprenderam noções de:
- cooperativismo,
- atitudes pessoais;
- segurança do trabalho e manutenção de equipamentos;
- gerenciamento de resíduos sólidos;
- noções de processos de produção;
- empreendedorismo
- gestão administrativa e financeira
Ao todo, foram 160 horas de formação, divididas em 12 meses. Neste período, os estudantes recebiam uma bolsa de R$ 360.
Fechamento do lixão
O fechamento do Lixão da Estrutural foi uma determinação do Tribunal de Justiça do DF em 2007, motivada por ação do Ministério Público. A medida atendeu, também, à Política Nacional de Resíduos Sólidos, publicada em 2010.
O lixão era considerado uma "irregularidade" pela Lei de Crimes Ambientais, de 1998, e pela Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981. O depósito fica ao lado do Parque Nacional de Brasília, uma unidade de conservação que se estende por mais de 40 hectares.
Atualmente, um ano após o encerramento das atividades, o local continua recebendo os entulhos provenientes da construção civil. Por dia, são despejadas, em média, cerca de 4,8 mil toneladas de material seco, considerados pelo SLU como "inerte", e, portanto, "sem prejuízo ao meio ambiente e lençol freático". Já o material orgânico é transportado para um aterro sanitário em Samambaia.
Leia mais notícias sobre a região no G1 DF.