Marca brasileira, Lecar vai iniciar produção de seu primeiro veículo híbrido na China; entenda o motivo

O g1 recebeu com exclusividade as primeiras imagens do carro usinado em isopor, uma das primeiras etapas de fabricação de um veículo. Protótipo está previsto para março ou abril de 2025.

Por Vinicius Montoia, André Fogaça, g1


Primeiras unidades do carro 459 serão produzidas na China

A Lecar, marca brasileira que pretende desenvolver o primeiro carro híbrido flex nacional, vai iniciar a produção do SUV híbrido 459 em solo chinês.

Em entrevista ao g1, o empresário Flávio Figueiredo Assis conta que sua fábrica em Sooretama (ES) só ficará pronta em 2026, mas a montadora pretende surpreender os clientes com a entrega antecipada do primeiro lote. Segundo Assis, já há fila de espera aberta com mais de 1 mil encomendas.

“Nossa promessa é ter os primeiros protótipos rodando no Brasil com ajuda chinesa entre março e abril de 2025. Carro na mão do dono será em agosto de 2026", conta o empresário.

“A gente estuda produzir esse carro, inicialmente na China e depois vir para montagem em CKD no Brasil e, depois disso, passaremos a ter a fabricação completamente nacional.”

Assis faz menção ao formato “white label”, termo que significa que um produto desenvolvido no exterior é comprado por uma empresa nacional, que apenas insere seu nome no produto.

Mas o empresário também dá a entender que pode adotar o formato OEM, muito comum em eletrônicos. Neste, a Lecar ofereceria para uma fabricante terceira todas as instruções de um carro 100% desenvolvido no Brasil. A única função da planta fabril é de “seguir a receita” e entregar um produto pronto.

Este tipo de fabricação permite uma maior velocidade de distribuição para os carros ou eletrônicos, sem que a Lecar precise firmar todos os contratos individuais para sua própria fábrica.

“Eles vão executar um projeto nosso. É o desejável? Não, mas a gente ganha velocidade e experiência. Essa é uma flexibilidade que a gente aprendeu com o Gurgel”, explica.

Lecar 459 já foi usinado em Caxias do Sul e está pronto para avaliação da engenharia

O 459 já começa a sair do papel

O g1 recebeu com exclusividade as primeiras imagens do carro usinado em isopor, feito em Caxias do Sul (RS). A usinagem no isopor é uma das etapas de fabricação de um veículo: é nesse instante que os engenheiros conseguem realizar adequações e ajustes.

"Na próxima fase, avançaremos para o desenolvimento das ferramentas de estamparia, painéis, acabamentos, encaixes e fixações, que demandam ajustes de alta precisão e não permitem alterações posteriores", diz Rodrigo Rumi, vice-presidente da Lecar.

O projeto do 459 começou a ser usinado em abril deste ano e foi finalizada nesta sexta-feira (6). O projeto será avaliado pelos 30 engenheiros da Lecar durante 15 dias. Depois, o protótipo de isopor de alta densidade será levado para o showroom da fabricante, em Barueri (SP).

Carro híbrido brasileiro está em fase de usinagem

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Lecar 459 usinado em isopor — Foto: Divulgação | Lecar

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Lecar 459 usinado em isopor — Foto: Divulgação | Lecar

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Lecar 459 usinado em isopor — Foto: Divulgação | Lecar

No momento em que essa reportagem era feita, o carro passava pelo processo de análise física do protótipo no isopor em escala real, avaliando aspectos de design, dimensões e aerodinâmica.

Segundo Rumi, o carro já passou pelo desenvolvimento do design e agora está no momento da modelagem 3D. Falta ainda a produção do mock-up (um protótipo com as mesmas dimensões do veículo que será produzido), a clínica com futuros clientes, o protótipo funcional e depois a homologação. Depois disso, começa a produção.

"Estamos muito satisfeitos com os resultados obtidos. O mock-up do Lecar 459 representa a materialização de um sonho. O mesmo processo foi iniciado com a Campo que, por compartilhar diversos itens [do 459], já está com seu desenvolvimento acelerado. Assim que finalizarmos a usinagem do 459, daremos início à usinagem da Campo", confirmou o executivo.

O que é a Lecar?

Flávio Figueiredo Assis é o CEO e proprietário da Lecar. O executivo promete entregar as primeiras unidades do 459 em agosoto de 2026 — Foto: g1

A Lecar nasceu em 2022, com a ideia de ser a primeira fabricante moderna de carros elétricos do Brasil. Assis não esconde que sua aspiração é ser uma versão brasileira do empresário Elon Musk, fundador da Tesla.

Até mesmo o primeiro projeto da Lecar, o modelo 459, é uma espécie de SUV cupê, baseado no Tesla Model Y. A própria Lecar, inclusive, deveria ser uma réplica nacional da Tesla, com carros 100% elétricos. Mas os planos mudaram conforme Assis percebeu a vocação do país para os motores híbridos.

“[A tecnologia 100% elétrica] mostrou suas falhas. A tecnologia híbrida flex é a melhor solução para o mercado brasileiro, e nós temos uma tecnologia imbatível”, afirma o executivo.

Com a troca para uma motorização híbrida, o 459 já tem detalhes conhecidos: motor 1.0 turbo, com potência combinada de 163 cv e 26 kgfm de torque. Tudo ao preço de R$ 147.900.

Além de produzir o primeiro 459 na China, a marca também pretende lançar sua primeira picape híbrida, chamada “Cyber Campo”. Qualquer semelhança com a Tesla Cybertuck não é mera coincidência.

Veja a íntegra da entrevista abaixo.

Dono da Lecar promete 1º carro híbrido brasileiro para 2026 e anuncia projeto de picape

A seguir, clique nos links para assistir aos cortes com os principais destaques da entrevista.

Elétrico virou híbrido

O que motivou a mudança de carro 100% elétrico para híbrido

No primeiro anúncio da fundação da Lecar, o carro brasileiro seria um sedã 100% elétrico. Em abril deste ano os planos mudaram: o 459 se tornou um SUV com motor híbrido pleno, em que a bateria é capaz de girar as rodas.

“A gente começou com o 100% elétrico. É uma tecnologia muito mais simples de fazer, por ser um tipo só de motor. Ele seria um carro com tiragem baixa, mas o cenário do mercado e os investidores apontaram para um modelo híbrido, unindo o melhor das duas tecnologias”, diz Assis.

Lecar 459 — Foto: Divulgação | Lecar

A autonomia do 459, segundo Assis, alcançará os 1.000 km com apenas um tanque de combustível e ele não adotará qualquer sistema de recarga baseado em pontos de energia.

Para Assis, a escolha por um carro híbrido pleno parte do problema da infraestrutura de recarga que o Brasil possui. Como o motorista não precisa se preocupar com uma tomada, seja de baixa ou alta capacidade, este tipo de solução eletrificada virou a aposta da Lecar.

Veja a ficha técnica do 459:

  • Motor: 1.0 turbo;
  • Combustível: flex;
  • Potência: 122 cv a 5.000 rpm;
  • Torque: 22 kgfm;
  • Potência combinada: 163 cv;
  • Torque combinado: 26 kgfm;
  • Aceleração de 0 a 100 km/h: 10,9 segundos;
  • Rodas: 18 polegadas;
  • Pneus: 225/50;
  • Preço: R$ 147.900.

Picape é o próximo carro

Lecar tem planos para produzir a primeira picape híbrida brasileira

A caminhonete Cyber Campo será produzida sob a mesma plataforma do 459, com mesma potência e torque, mas não terá o porte da Cybertruck de Musk. O tamanho será semelhante ao da Fiat Toro.

Ela terá o mesmo sistema híbrido, muitas das peças, partes e troca a parte traseira por uma caçamba. As semelhanças com a Toro estão por toda parte, sobretudo na silhueta monobloco.

“A gente tentou compartilhar o maior número de itens possível. Farol, lanternas, volante, painel e banco. A ideia é ter um carro confortável tanto para o trabalho, quanto para o passeio ao final de semana”, adiantou Assis.

Por outro lado, a Lecar desistiu do projeto do Pop, que seria um carro elétrico com dimensão próxima do BYD Dolphin Mini. De acordo com Assis, o projeto não faria mais sentido, uma vez que o veículo seria menor e seu preço seria muito parecido ao do 459.

Lecar aposta em engenharia reversa de um Tesla

Tesla é usado em engenharia reversa da Lecar

Um dos grandes desafios para qualquer indústria está na mão de obra especializada. Quando falamos de carros eletrificados, sejam eles 100% elétricos ou híbridos, existe um passo extra de conhecimento necessário para lidar com a produção.

Flávio acredita que este não é um desafio. Para o empresário, a saída de grandes marcas do Brasil, como Ford e Mercedes, fez com que muitos funcionários especializados estivessem disponíveis no mercado.

"Estes prestadores de serviços produzem carros de outras marcas. Ford foi embora, Mercedes também, então começou a sobrar mão de obra muito especializada no mercado. Para nós, essa disponibilidade ajudou muito", diz Assis.

Para a especialização em um carro elétrico, a Lecar comprou um carro da Tesla e disponibilizou para que seus engenheiros pudessem desmontar todo o conjunto e entender como ele funciona.

Este movimento é chamado de engenharia reversa, muito comum no Brasil durante os anos de reserva de mercado, especialmente para a indústria de computadores.

Naquela época, entre 1984 e 1990, marcas nacionais desmontavam produtos de Apple, IBM e DEC, para entender o funcionamento dos componentes e replicar o que aprendiam em produtos brasileiros.

“Não é para copiar, é para pegar as melhores práticas”, comenta Assis.

Concorrência com o barato carro chinês

"Os chineses são imbatíveis em carros elétricos", diz CEO da Lecar

Com a produção em massa e mão de obra barata, os chineses têm inundado os mercados automotivos com veículos eletrificados de preço mais baixo. Apenas dois entre os 10 carros elétricos mais baratos do Brasil não são chineses: o Renault Kwid E-Tech e o Hyundai Kona EV.

“O chinês é muito especialista em carro elétrico, são imbatíveis. Mas, a gente aqui no Brasil domina os processos, domina a língua e estamos acostumados com o CustoBrasil”, comenta Assis.

Por isso, a Lecar aposta no motor híbrido flex, como as montadoras tradicionais que atuam por aqui têm feito. Para garantir custos menores e resolver problemas de pós-venda a Lecar também vai priorizar a produção de peças no Brasil.

“O carro é de acesso, de baixíssima manutenção e com 83% de peças produzidas em nosso país. Isso ajuda na reposição e no custo inferior de logística, facilitando o pós-venda”, comenta.

Por fim, as tecnologias embarcadas são de código aberto. O sistema operacional será o gratuito Linux, tanto para os mecanismos de base do veículo como para o ADAS, que comanda itens de segurança, como frenagem automática e piloto automático.

Segundo o empresário, a escolha por sistemas abertos permitiu que o custo de desenvolvimento de tecnologias próprias fosse reduzido.

“A gente trouxe essas facilidades para o carro, que ficou muito mais barato e rápido no desenvolvimento. Estamos testando internamente o nosso sistema até mesmo para controlar um Corolla, por exemplo”, comenta o executivo.

Planos futuros

Lecar conta com Mover para desenvolver seu carro híbrido

Enquanto a produção inicia em território chinês, a Lecar começa a erguer uma fábrica em Sooretama (ES), que promete ter a capacidade de 120 mil veículos por ano.

A Lecar tem investimento de R$ 870 milhões de capital próprio. Assis comenta que a escolha do local envolve ser sua terra natal, junto da região da Sudene, onde existem incentivos fiscais iguais aos do Nordeste.

De acordo com o empresário, agora é a hora certa para investir em uma nova fábrica de carros, sobretudo pela sobra de mão de obra especializada disponível no mercado por conta da saída de montadoras como a Ford e a Mercedes-Benz do Brasil.

“Temos o programa Mover e o Nova Indústria Brasil, com apoio do governo federal para esse desenvolvimento. Tem muito recurso para fornecedores desenvolverem novas tecnologias”, comenta Flávio.

O executivo diz que é possível iniciar a produção com 1 mil carros por mês, com possibilidade de compartilhamento da linha de montagem em que o excedente possa ser utilizado por outras empresas.

“Chamou a atenção do mercado exterior, essa capacidade de produção. A gente está sendo buscado para parcerias, para montar carros de outras montadoras e a gente vem estudando o que podemos fazer”, comenta Flávio Figueiredo de Assis.

“Meu desejo pessoal é juntar [a Lecar] com outros grupos brasileiros importantes. Todas as propostas de investimento que temos são de estrangeiros, mas a gente gostaria de juntar com outras nacionais”, complementa.

Lecar tem Gurgel como exemplo para não errar

História da Gurgel é usada como exemplo pela Lecar

Assis comenta que o criador da antiga marca de carros brasileiros, João Augusto Amaral Gurgel, é uma de suas referências para a criação de sua companhia.

Não somente o pioneirismo da marca Gurgel e reconhecimento internacional são importantes para a Lecar, mas também um de seus funcionários: um engenheiro que trabalhou com Gurgel está no time de desenvolvimento do novo carro eletrificado nacional.

“O Seu Urias é um engenheiro que trabalhou com o Seu Gurgel. Eu sempre pergunto como é que era, como ele [Amaral Gurgel] tocava o negócio?”, diz o empresário.

“Um dos exemplos utilizados pela marca Gurgel está no compartilhamento de outras peças de marcas internacionais”, afirma Assis.

Este detalhe faz o carro nacional não ser totalmente brasileiro, um exemplo seguido por Amaral Gurgel. Para Assis, perseguir o completo desenvolvimento de todas as partes no Brasil faz o lançamento do veículo ser atrasado em alguns anos.

“A gente acredita que teremos esse carro 100% nacional, com tecnologia e processos todos daqui, em 2032. O sonho que ele [Amaral Gurgel] sonhou, do carro 100% nacional, é uma coisa de longo prazo para a gente”, comenta Assis.

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