Seca do rio Madeira revela navio do Século XIX que naufragou no Amazonas; VÍDEO

Restos da embarcação estão encalhados na passagem do Pedral do Marmelo, localizado no município de Manicoré, interior do Amazonas.

Por Lucas Macedo, g1 AM


Ribeirinhos relataram que foi a primeira vez que os destroços apareceram por completo

A seca severa que atinge o rio Madeira neste ano revelou destroços de um navio que historiadores afirmam ser do século XIX. Os restos da embarcação estão encalhados na passagem do Pedral do Marmelo, localizado no município de Manicoré, interior do Amazonas.

Nesta quarta-feira (16), o nível do rio Madeira atingiu a cota de 10,53 metros, segundo dados da Defesa Civil do estado. O Amazonas enfrenta uma crise ambiental sem precedentes em 2024, com uma seca que chegou antecipada e já impacta mais de 800 mil pessoas no estado, ainda segundo a Defesa Civil.

Os destroços históricos foram vistos pela primeira vez este ano por marinheiros e pescadores que transitavam pela região na última semana de setembro.

De acordo com o doutor em história social Caio Giulliano Paião ainda não foi possível determinar com precisão qual é a embarcação encontrada. Para isso, será necessária uma pesquisa no local para o cruzamento de dados com obras de autores que escreveram a respeito da navegação na Amazônia.

O professor diz, no entanto, que pelas características dos destroços que emergiram das águas, é possível afirmar que a embarcação é uma construção norte-americana conhecida como "chata", feita para navegação em leitos rasos ou para evitar pedras e troncos submersos.

"Certamente é um navio construído entre a segunda metade do século XIX e início dos anos 1900. Agnello Bittencourt elencou alguns naufrágios que se encaixam nessas características no rio Madeira. Precisaríamos de uma pesquisa mais acurada, mas alguns nomes nos veem à cabeça pelas características dos navios e localização aproximada de seus naufrágios. Os vapores: Içá (1881-1893), Canutama (construído em 1900) e a lancha Hilda", explicou o historiador.

A superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Amazonas, Beatriz Calheiros, informou que teve conhecimento do aparecimento da embarcação, mas até o momento não existem mais informações técnicas do contexto histórico do navio.

"Embora possam ter relevância histórica, essas embarcações ainda não são oficialmente reconhecidas como patrimônio cultural, o que requer procedimentos formais", explicou Beatriz.

Ribeirinhos da região vasculham os destroços. — Foto: Reprodução

Pessoas da região viram o navio pela primeira vez

Segundo os marinheiros que navegam pela região, as poucas partes dos destroços que ficavam visíveis em outras secas eram, muitas vezes, confundidas com pedras, mas foi apenas em 2024 que a embarcação apareceu por completo.

Chefe de máquinas de uma empresa de balsas que atua nesse trecho do rio Madeira, Claudiomar Araújo, de 56 anos, explicou que já trabalha há muito tempo na região e, durante outras secas, o máximo que já tinha visto era a ponta do mastro do navio.

"Sempre nas secas do Madeira já chegou a aparecer a ponta dele, era até usado como referencial, mas era muito raro acontecer. Esse ano foi a primeira vez que ele apareceu mesmo. Eu trabalho há quase 15 anos viajando pelo Madeira e sempre seca muito, mas raramente a gente via algo do navio", disse Claudiomar.

André Luiz Pinheiro é um ribeirinho que mora na região do Pedral e disse que cresceu ouvindo histórias do avô sobre uma embarcação que naufragou no local. Ele conta ter ficado muito feliz ao ver os destroços.

"Meu avô contava essa história para gente, nem meu pai tinha visto. Nos só ouvíamos histórias, a gente nunca tinha visto, agora a gente pode observar com a descida dos rios. Para gente é uma surpresa muito emocionante porque a gente só ouvia histórias que esse navio transportava borracha e minério", relata.

Seca já revelou outros itens históricos neste ano

No município de Urucará, interior do estado, cerâmicas milenares foram localizadas em um sítio arqueológico. As peças surgiram nesta semana devido ao baixo nível da água, junto às rochas que exibem desenhos rupestres, descobertos ainda no ano passado durante outra estiagem histórica.

Em setembro, as ruínas do Forte São Francisco Xavier de Tabatinga foram reveladas com a descida do Rio Solimões. Localizado na margem esquerda do rio, abaixo do terminal hidroviário da cidade, o forte construído no século XVIII foi uma peça-chave para o domínio de Portugal sobre a região, em um período marcado pela disputa territorial com a Espanha.

No mês de agosto, dois canhões que eram usados para a proteção do Forte, foram avistados quando o Rio Solimões atingiu a cota de 49 centímetros, no trecho próximo a Manicoré, interior do Amazonas. Essa é maior seca dos últimos 42 anos na localidade.

Canhões portugueses achados na seca do Rio Solimões

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Seca severa

O Amazonas vive, em 2024, uma seca histórica em alguns dos principais rios que cortam o estado. Atualmente todos os 62 municípios do Amazonas foram declarados em estado de emergência devido à seca severa e às queimadas que afetam o estado este ano. Veja a situação em algumas cidades do estado:

  • 💧 Em Tabatinga, na região do Alto Solimões, o Rio Solimões está com -1,65 metros. Dados da Defesa Civil apontam que o rio chegou a descer em média, 5 centímetros por dia no último mês. A cidade registrou a pior seca da história.
  • 💧 Na cidade de Coari, na região do Médio Amazonas, o Rio Amazonas registrou a cota de 1,24 metros nesta quarta-feira (16), segundo medição da Defesa Civil do município.
  • 💧 Em Parintins, no Baixo Amazonas, o Rio Amazonas está em -2,05 metros. O cenário também é crítico na região, segundo o governo do estado.
  • 💧 No município de Itacoatiara, o mesmo Rio Amazonas está medindo 3 centímetros nesta quarta-feira (16). A cidade recebeu um porto flutuante, onde os navios cargueiros, que atendem as empresas do Polo Industrial de Manaus, transferem suas mercadorias para balsas que ainda conseguem chegar na capital amazonense.

Rio Madeira atingiu o pior nível da história neste ano. — Foto: Reprodução