Sem acesso à tecnologia ou cursinhos preparatórios, um socioeducando, de 19 anos, do Centro Socioeducativo Santa Juliana, em Rio Branco, tirou 920 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023. Em um bilhete escrito ao g1, o rapaz disse que cometeu muitos erros e que decidiu se esforçar nos estudos para orgulhar a mãe, Geni Campos.
A reportagem conseguiu ter acesso ao depoimento do jovem com ajuda da equipe psicossocial do centro socioeducativo. Os profissionais garantiram a segurança para o jovem escrever o bilhete e contar os planos para o futuro.
"Dediquei meus estudos não só por mim, mas para dar orgulho para minha mãe que sempre esteve ao meu lado, independente de qualquer situação pude sempre contar com ela. Mesmo sem acesso a qualquer tipo de tecnologia, busquei melhorar meus estudos, única forma de me adaptar nesse ambiente tão complexo. Através dos estudos, consegui ver meu futuro passando diante dos meus olhos. Assim, percebi que o estudo seria a única forma de transformação da minha vida".
Com a liberação das notas dos candidatos que fizeram o Enem 2023, o Instituto Socioeducativo do Estado do Acre (ISE) divulgou que dois jovens que estão sob a custódia do Estado obtiveram notas superiores à média nacional, de 641,6, na redação. O outro socioeducando tirou 700 pontos.
Os jovens fizeram as provas no Enem para pessoas privadas de liberdade (PPL). O instituto registrou 58 socioeducandos inscritos no exame nos oito centros socioeducativos do estado. As provas foram aplicadas nos dias 12 e 13 de dezembro do ano passado.
Foi dentro do centro socioeducativo que o rapaz se dedicou aos estudos para passar no Enem e iniciar a realização de um sonho: ser advogado. "Cometi muitos erros na vida, apesar da minha pouca idade. Perdi muito tempo na vida errada, aprendi com minhas falhas a ser uma pessoa mais forte", contou.
Orgulho da mãe x apreensões
O g1 também conversou com Geni Campos, mãe do socioeduacando. Ela mora em Vila Campinas, no interior do Acre, e conta que nunca teve dúvidas da inteligência do filho. "Sou grata a Deus, sempre acreditei nele, sempre disse que era um menino muito inteligente, quando estava estudando, os professores falavam que era muito inteligente. É um privilégio para uma mãe, me sinto sortuda", falou.
Geni é mãe ainda de uma adolescente de 12 anos. Ela disse que o filho mais velho foi apreendido a primeira vez aos 14 anos por praticar pequenos furtos e roubos. Ela diz que o filho se envolveu com 'quem não queria nada com a vida' e acabou entrando para o mundo do crime.
O jovem foi apreendido a última vez em 2022, quando tinha 17 anos, por homicídio. "Vai fazer dois anos que está recolhido. Pedi ao Senhor para guardar ele com vida, então, Deus guardou. A cada semana fazem uma chamada de vídeo pra eu falar com ele e visito a cada 15 dias", descreveu.
O jovem não tinha terminado o ensino médio quando foi apreendido em 2022. "Ele disse: 'mãe, vou estudar'. Ligaram pedindo a declaração da escola dele e fiquei feliz ao saber que ia estudar, ia terminar o estudo porque aqui fora não ia terminar. Falou que ia terminar os estudos para fazer o Enem e se empenhou", reforçou.
A mãe detalha que o filho perdeu o pai aos 5 anos. O marido foi assassinado e, com pouca estrutura, tentou dar o melhor para os filhos e ajudá-los a crescer na vida. "Na época, eu trabalhava em um restaurante e morávamos com a avó dele. Começou a andar com más companhias e entrou nesse mundo", finalizou.
Ressocialização
O coordenador da equipe técnica psicossocial do Centro Socioeducativo Santa Juliana, Filipe Romero, explicou que o socioeducando terminou os estudos em um dos anexos da escola que é responsável pelo ensino do Instituto Socioeducativo do Acre (ISE).
Além dos estudos, os jovens tem acesso a atividades de ressocialização, como cursos profissionalizantes, cursos de informática, trabalhos em grupo com as equipes técnicas e atendimentos individuais.
"Temos o trabalho da equipe técnica, que coordeno, e é formada por psicólogos e assistentes sociais. A cada 15 dias tem atendimento com psicólogos, dependendo da demanda são feitos mais atendimentos, e as assistentes sociais atendem as famílias", frisou.