Por Larissa Feitosa, g1 Goiás


Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos — Foto: Reprodução/Redes Sociais

O goiano Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos, em 1º de dezembro de 2019, durante uma viagem com um amigo. Os dois passaram sete dias no Paraguai comprando produtos e, no último dia de viagem, antes de voltar a Goiás, foram até a fazenda de um conhecido em Ponta Porã (MS), na divisa entre os dois países. No local, teria acontecido um desentendimento, que causou um tiroteio. Desde então, são mais de 4 anos sem notícias de Leandro.

“Tem um filho do Leandro que era muito grudado nele e pergunta para a mãe: 'Mãe, cadê meu papai? Eu estou com muita saudade dele'. Aí ela fala: 'Ele sumiu'. E ele fala: 'Então vamos orar para Jesus trazer meu papai de volta'", conta a mãe de Leandro, Sandra Cristina de Paula.

O g1 Goiás publica nesta semana uma série de reportagens que conta a história de pessoas que desapareceram no estado e a luta de suas famílias por informações.

Sandra, que é costureira, diz que o filho conheceu o amigo quando eles estudaram juntos na adolescência. Mas os laços só se estreitaram cerca de dois meses antes de Leandro desaparecer.

A costureira e o marido, Roberto Gomes Santana, acreditam que o amigo é a única pessoa que pode contar o que aconteceu com o filho deles, mas que nunca o fez, sempre mudando as versões sobre o que houve na fazenda.

Era muito amigo do Leandro. De assar carne, tomar banho de piscina na casa do Leandro. Nós tentamos muito trazer ele aqui em casa para ele explicar para a gente o que foi que aconteceu, mas ele nunca quis vir aqui. Mas já deu diferentes versões do que aconteceu. Tem muita contradição. Cada pessoa que chega nele e pergunta: “O que é que foi que aconteceu com o seu amigo?”, ele tem uma história diferente”, afirma Roberto.

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Pai de três filhos e casado, Leandro é descrito pela família como alguém que não costumava ver maldade nas pessoas. Alegre, era torcedor apaixonado do Corinthians e, como um bom goiano, não perdia a oportunidade de descansar no Rio Araguaia. Até a manhã do domingo em que sumiu, ele conversava com a mãe pelo telefone e fazia planos de mais uma vez celebrar a vida em família.

“Mãe, nós vamos passar o Natal no Araguaia. Já encomendei a leitoa!”, cita Leandro em uma das últimas conversas com a mãe. Ela chora ao contar que nunca mais conseguiu celebrar nenhuma data com alegria. Humilde e muito religiosa, ela ainda acredita que vai ter informações sobre o paradeiro do filho.

Roberto trabalhava como mecânico, mas desde o desaparecimento do filho desenvolveu depressão e não tem coragem de sair de casa. Sente medo de retaliações dos envolvidos no tiroteio que fez Leandro sumir. Hoje, ele ajuda Sandra na confecção de roupas na casa onde moram há mais de 30 anos, em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia.

“Às vezes meu peito aperta de ansiedade e eu fico dando volta na casa pelo quintal para melhorar”, conta ele, também bastante emocionado.

Roberto Gomes Santana e Sandra Cristina de Paula — Foto: Larissa Feitosa/g1 Goiás

Os pais afirmam que, dos três filhos que tiveram, Leandro era o mais velho. Ele tentava sustentar a família comprando eletrônicos e cigarros contrabandeados no Paraguai e revendendo em Goiânia. A prática ilegal, por não pagar os impostos devidos, não era bem vista pela família e, justamente por isso, Leandro mentia dizendo que havia parado.

Assim como Leandro, mais de 70 mil pessoas desapareceram no Brasil no ano de 2019, segundo dados do Governo Federal. Em 2024, somente nos três primeiros meses do ano, já são mais de 20 mil casos. Os números alarmantes são acompanhados de outra realidade assustadora: a falta de infraestrutura e políticas públicas para que esses casos tenham investigações apropriadas.

Como desaparecer não é crime, por muito tempo as autoridades nunca se preocuparam em definir de quem era a responsabilidade de cuidar desses casos. Fora isso, também alimentou-se a ideia de que o desaparecimento não era algo tão urgente quanto um crime com pistas claras, como homicídios, roubos ou sequestros. Isso porque entendia-se que aquela situação era de responsabilidade da família e não do Estado. Por isso, não é difícil encontrar famílias que foram orientadas a esperarem 24 horas ou mais para registrar a ocorrência de um parente desaparecido.

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Quando Leandro sumiu

Segundo a família, Leandro desapareceu dia 1º de dezembro e a notícia chegou até eles no mesmo dia, por volta das 15 horas. O amigo ligou para um conhecido da família de Leandro e explicou que ele tinha sumido depois de um tiroteio. Disse que não sabia o que tinha acontecido com o amigo, pois cada um correu para um lado. Esse conhecido ligou para a irmã de Sandra, que comunicou o desaparecimento de Leandro para o restante da família.

Rapidamente, os familiares arrumaram as malas e foram até a cidade de Ponta Porã, a mais de 1,1 mil km de Trindade. Ao chegarem lá, na manhã de 4 de dezembro, imediatamente procuraram a delegacia para comunicar o sumiço de Leandro. Pai e mãe dizem que a polícia já tinha ido à fazenda citada pelo amigo do filho dias antes para apurar sobre o caso, mas nenhum vestígio do tiroteio foi encontrado e, muito menos, de Leandro.

Da segunda vez, já na presença da família, a equipe achou a camiseta de Leandro caída em uma parte do gramado, com manchas de sangue e bastante suja de barro, pois chovia bastante na região naquela semana. A camiseta foi levada para perícia e os DNAs de Sandra e Roberto foram coletados para comparação. O resultado, no entanto, constatou que o sangue não era de Leandro, embora fosse humano.

“Será que eles não podem devolver essa camiseta pra gente?”, pergunta Roberto, na esperança de ter alguma coisa do filho, ainda que seja uma peça de roupa cheia de marcas de violência.

Sandra e Roberto afirmam que, informalmente, os policiais disseram para eles que era provável que nenhum crime tivesse acontecido naquela fazenda, e que os envolvidos no desaparecimento de Leandro simularam a situação, plantando a camiseta dele lá para que a polícia “perdesse tempo” fazendo buscas ali, quando, na realidade, o corpo dele teria sido desovado em outro lugar.

“A própria polícia falou para nós que essa turma levou meu filho para lá e montou um teatro, uma simulação, porque não tinha vestígio, não tinha munição. Eles armaram uma casinha para ele”, diz Roberto.

Família sofre com desaparecimento de Leandro

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Mãe de Leandro guarda roupas do filho que desapareceu em 2019 — Foto: Larissa Feitosa/g1 Goiás

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Sandra Cristina de Paula, costureira e mãe de Leandro, ainda guarda as roupas do filho desaparecido — Foto: Larissa Feitosa/g1 Goiás

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Mãe de Leandro guarda roupas do filho que desapareceu em 2019 — Foto: Larissa Feitosa/g1 Goiás

Também segundo a família, enquanto eles ainda estavam lá, o Corpo de Bombeiros foi chamado para ajudar nas buscas. Cães farejadores e vários militares participaram, procurando por Leandro em todos os cantos da fazenda, mas nunca acharam nada.

Depois de algumas semanas, a família precisou voltar para Goiás para trabalhar e continuar a vida, apesar da falta de respostas. Sandra e Roberto dizem que, a partir disso, a polícia pontaporanense nunca mais se empenhou no caso.

“A gente ficava sempre ligando lá, entrando em contato, mas aí não achou. Nunca achou meu filho, nem vivo nem morto”, lamenta Sandra.

O amigo de Leandro conseguiu escapar do suposto tiroteio e voltou Goiânia com todas as malas, inclusive as de Leandro, com mercadorias e presentes que o amigo tinha comprado para os filhos no Paraguai. Mas os pertences só foram devolvidos à família de Leandro depois de meses, por conta da insistência de Sandra. Quando abriram as malas, encontraram somente roupas velhas de Leandro. Todos os produtos desapareceram.

“E não foi nem ele que entregou não, ele mandou terceiros entregar”, ressalta Roberto.

O g1 entrou em contato com a Polícia Civil de Ponta Porã. A delegada titular Elisângela Ferreira Cristaldo, que assumiu a delegacia há 2 anos, explicou que, de fato, policiais civis fizeram buscas na época em que o caso aconteceu. Mas ao final, o delegado da época não instaurou inquérito por falta de indícios de autoria.

Por conta disso, nenhum processo foi aberto no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul envolvendo o nome de Leandro sobre o desaparecimento. O g1 questionou se alguma sindicância foi aberta no Ministério Público para reforçar buscas sobre o caso, mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem.

Amigo da onça

Além de ser considerado “amigo da onça” pela família de Leandro, o amigo com quem o goiano viajou também é taxado de má influência por ter várias passagens pela polícia por crimes como receptação e tráfico de drogas. Dias depois do desaparecimento de Leandro, em 24 de dezembro de 2019, ele foi abordado pela Polícia Militar de Goiás, em Goiânia, apresentou um documento de identidade falso e acabou preso em flagrante, crime pelo qual foi condenado.

Quando questionado pela PM sobre o caso no Mato Grosso do Sul, o amigo contou que planejava trazer 800kg de maconha para Goiás com Leandro, mas que não conseguiram, pois houve um desentendimento com os traficantes da fronteira entre Brasil e Paraguai e o amigo acabou morto a tiros na fazenda, que fica perto da rodovia MS-163.

Nos sistemas da justiça de Goiás e do Mato Grosso do Sul não há nenhum processo público aberto em nome de Leandro que o envolva com o tráfico de drogas. Como o desaparecimento dele aconteceu em Ponta Porã, as autoridades goianas também nunca enxergaram motivos para se envolver com a história de seu desaparecimento.

Atualmente, o amigo de Leandro está preso na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães, em Aparecida de Goiânia. A Diretoria-Geral de Polícia Penal (DGPP) não detalhou por qual crime ele cumpre pena. A família de Leandro afirma que foi pelo envolvimento com tráfico de drogas.

Até a última atualização da reportagem, o g1 não havia localizado a defesa do amigo de Leandro para se manifestar sobre o caso do desaparecimento de Leandro, as declarações dadas à PM e sua atual situação na prisão

Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos

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Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos, em 1º de dezembro de 2019, durante uma viagem com um amigo — Foto: Reprodução/Redes Sociais

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Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos, em 2019, e até hoje não se tem notícias de seu paradeiro — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Pouco caso

Segundo estudiosos, o caso de Leandro pode ser definido como um desaparecimento forçado - quando uma pessoa, capaz ou não, é afastada forçadamente de seu convívio por violência, coação, fraude ou ameaça, também podendo ser praticado por agentes do Estado.

Outras duas definições, chamadas de desaparecimentos voluntários e involuntários, buscam esmiuçar características deste fenômeno a fim de promover discussões e melhores formas de se procurar por essas pessoas. Isso porque cada tipo de desaparecimento exige das autoridades ações parecidas, mas também completamente diferentes.

A Lei 13.812/2019 diz que a busca por pessoas desaparecidas, independentemente de sua espécie (voluntário, involuntário ou forçado), é dever do Estado e os familiares possuem o direito fundamental de que seus entes sejam buscados. Mas a realidade é diferente.

No caso de Leandro, por exemplo, nem mesmo um inquérito foi aberto para apurar as circunstâncias de seu desaparecimento, ainda que existissem indícios de violência e testemunhas do caso à disposição. Lucas, por exemplo, foi preso em Goiânia poucos dias depois do desaparecimento do amigo e, para a família, as delegacias poderiam ter trocado informações a fim de solucionar o caso, ainda que fosse encontrando o corpo sem vida.

O pesquisador e professor de sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Dijaci David de Oliveira, considera que casos de desaparecimentos forçados costumam ser mais negligenciados em suas investigações. Ele também reflete que em situações como a de Leandro, muitas vezes, as famílias lidam com julgamentos da sociedade e da própria polícia, que mesmo sem investigarem a situação, concluem que o indivíduo desapareceu por agir fora da lei, como se fosse uma consequência de seus atos, como se aquela pessoa não tivesse o direito de ser procurada, mesmo existindo uma lei que defende sua cidadania. Dijaci chama isso de recriminalização.

“Tem família que gasta 5 ou 10 anos para provar que a pessoa nunca fez uso de drogas, por exemplo, que não estava fazendo tráfico, não estava roubando, para só depois requerer a inocência e começar a se investigar o desaparecimento dela. Pode até ser que ela seja responsável, mas não é assim que você tem que começar a conduzir o processo”, explica o pesquisador.

Vivo ou morto

Leandro e família

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Leandro Santana de Paula desapareceu em 1º de dezembro de 2019, durante uma viagem com um amigo — Foto: Reprodução/Redes Sociais

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Leandro Santana de Paula desapareceu aos 37 anos; ele era torcedor do Corinthians — Foto: Reprodução/Redes Sociais

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Leandro Santana de Paula e a mãe Sandra Cristina de Paula — Foto: Reprodução/Redes Sociais

É unânime entre todos os entrevistados pela reportagem que as famílias são as verdadeiras vítimas do desaparecimento. Para elas, fica o silêncio das autoridades e a gritante quantidade de “e se’” que nunca foi respondido. Em casos de desaparecimentos forçados, famílias como a de Leandro sobrevivem com medo de retaliações e com a sensação de que muitas coisas poderiam ter sido feitas para, pelo menos, se ter um túmulo para chorar.

“Você desestabiliza a família financeiramente, porque ela vai gastar todos os recursos que ela tem e que não tem para fazer buscas. Desestabiliza emocionalmente, porque ela não consegue ter conforto para continuar seus projetos de vida. Desestabiliza a confiabilidade no sistema de segurança, porque faz com que ela conviva com a impunidade o resto da vida, porque o caso dela não foi investigado”, explica o Dijaci.

Sandra, por exemplo, diz que hoje em dia não nutre mais esperanças de encontrar Leandro vivo, embora ainda espera receber informações sobre o corpo dele, para pelo menos enterrar o primogênito com dignidade. Ela acredita que a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul poderia ter se empenhado mais em investigar o caso.

“A gente tem sentimento, porque se ele tiver morto, a gente queria achar pelo menos os ossos para enterrar, para trazer, porque é muito triste”, lamenta a mãe.

A esposa de Leandro, que cuida de dois filhos pequenos dele, é a única que ainda acredita que vai encontrar o marido com vida.

Ajude a encontrar

Quem tiver informações sobre o corpo de João Vitor ou de qualquer outra pessoa desaparecida pode ajudar ligando para a Polícia Civil pelos números 197, (62) 3201-4826 ou (62) 3201-4834. O relato pode ser feito anonimamente. Sua ajuda faz diferença.

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