Edição do dia 06/11/2015

06/11/2015 22h54 - Atualizado em 06/11/2015 22h54

Repórter José Raimundo escreve sobre o litoral do Maranhão

Jornalista fala dos lugares que visitou junto com a equipe do Globo Repórter na viagem para gravar o programa 'reentrâncias maranhenses'.

UM LABIRINTO ENTRE A SELVA E O OCEANO

José Raimundo grava no Maranhão  (Foto: TV Globo)José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Rios sinuosos de águas misturadas. Ora salgada, ora doce. O mar impõe a sua força e invade os leitos que serpenteiam a paisagem. A mesma paisagem que se deixa alterar por um ritmo da natureza que até parece brincadeira de empurra-empurra. Quando a maré enche, o sabor do mar pode ser provado a cerca de 60 quilômertros continente adentro. Quando esvazia, os rios, com força mais modesta, conseguem desaguar revelando praias únicas, belíssimas, um mundo cheio de vida.

Quando fui escalado pela Editora-chefe do Globo Repórter, Silvia Sayão, para integrar a equipe da expedição às Reentrâncias Maranhenses, não nego, comemorei. Que jornalista não gostaria de se aventurar por um Brasil tão surpreendente? E foi com um sorriso de orelha a orelha que pegamos o rumo de uma região do Nordeste que mais parece o Norte. E não deixa de ser. Embora o Maranhão, geograficamente, esteja no nordeste, a área da nossa aventura, costa oeste do estado, fica em um dos pontos onde a floresta amazônica alcança o oceano atlântico.

José Raimundo grava no Maranhão  (Foto: TV Globo)José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

O cenário é tão grandioso quanto a própria selva e o mar. Pra começo de conversa, são 340 quilômetros de um manguezal exuberante. Não por acaso, ostenta o título de maior faixa contínua de mangue do planeta. O imenso emaranhado de árvores retorcidas, recortado por diversos rios, enseadas e baías, é o paraíso de uma infinidade de espécies da fauna: crustáceos, peixes, aves, pra citar apenas os mais abundantes, vivem em permanente harmonia com o lugar. A oferta de alimentos é um banquete onde o homem também se serve. E Como se trata de uma reserva extrativista, as famílias que vivem lá extraem da natureza o próprio sustento com o compromisso de ajudar a preservar e fiscalizar. E isso eles fazem muito bem.

DA COR DO FOGO

Uma das aves símbolo do Brasil, na lista das mais belas do mundo, escolheu a região das reentrâncias como sua principal morada. É o guará-vermelho. Mas um vermelho tão intenso, tão vistoso, que ganhou o apelido, dado pelos nativos, de ave do fogo. É típica da amazônia costeira e hoje em dia os maiores grupos são vistos apenas entre o Amapá e o Maranhão. Nos outros estados já está praticamente extinta.

José Raimundo grava no Maranhão  (Foto: TV Globo)Globo Repórter grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Ao norte da cidade de Apicum-Açu, quatro horas de barco rio abaixo, fomos conhecer o maior ninhal dos guarás. Fica numa ilha fluvial que encolhe drasticamente na maré cheia e cresce bastante quando o mar recua. Chegamos no fim da tarde, maré enchendo, mas ainda a tempo de caminhar um pouco pelo território da ilha. Vimos filhotes de todas as idades. Dos recém-nascidos aos que passam o dia treinando para o primeiro voo, na tentativa de se libertar dos ninhos que ficam na copa das árvores mais altas do mangue.

É curiosa a plumagem dos jovens guarás: escura. Digamos que seja um cinza beirando o preto. Dá até pra confundir com o socó, que também fez morada no mesmo local.  A cor avermelhada só começa a aparecer mesmo a partir de um ano de vida. O segredo? Acredite, é a comida, um caranguejo, dos menores que há, encontrado em grande quantidade na lama do grande manguezal. Os pais passam o dia comendo, e quando voltam para o ninho trazem no papo a ração dos filhos.  

José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)Globo Repórter grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Quando o sol começa a descer no horizonte eles surgem no céu. Em bandos, aos milhares, voltando pra casa. Era o momento mais aguardado. É tão impressionante a revoada que chega a emocionar. Não só pela quantidade, mas, principalmente, pelo vermelho cor de fogo que, de repente, paira diante dos olhos, contrastando com o branco das nuvens, o azul do céu e o verde da floresta. Um espetáculo único que sempre vem acompanhado de coreografias.

E para o nosso deleite  eles demoraram dando voltas no ninhal antes de pousar nas árvores. Parecia que estavam se exibindo para a câmera do Globo Repórter. Foi um presente que vai ficar guardado para sempre na memória.

LENÇÓIS EM MINIATURA

Imagine uma ilha cercada pelo mar, de um lado, e do outro, um rio. No meio, montanhas de areia e um vilarejo onde moram 100 famílias, cerca de 500 pessoas. Esse paraíso, bem no centro da reserva extrativista, se chama Ilha dos Lençóis. E o nome se deve mesmo à semelhança com os Lençóis Maranhenses. Claro, apenas no formato, porque no tamanho é infinitamente menor: 5 quilômetros de comprimento e pouco mais de 2 de largura. É uma ilha diferente das que estamos acostumados a ver Brasil afora.

José Raimundo grava no Maranhão  (Foto: TV Globo)José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Em todos os sentidos é um pequeno território extraordinário. Para se ter uma idéia, a vila é obrigada, de tempos em tempos, a mudar de lugar. É que o vento, soprando dia e noite, não chega a provocar tempestades de areia como nos desertos, mas vai empurrando as dunas pra cima das casas. E quantas já foram engolidas! Só este ano foram sete. Mas quem disse que os moradores ficam muito incomodados? Já se acostumaram, apesar da necessidade das constantes mudanças de endereço. O velho prédio da única escola, construído com alvenaria, está praticamente submerso no mar de areia. Alguns pequenos pedaços dos pilares ainda podem ser vistos, por enquanto.

José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)Globo Repórter grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Embora seja pequena e bucólica, a vida na vila dos Lençóis está longe de ser rotineira. Os moradores, com excessão das crianças, são pescadores. E trabalham quase todos os dias da semana em diferentes expedientes. A pescaria pode começar ao meio dia ou à meia noite, a depender da maré. E não é tarefa pra quem não tem disposição.

Primeiro é preciso atravessar toda a ilha, caminhando na areia fofa, subindo e descendo dunas com redes nas costas para chegar ao mar. Redes de malha compatível com as leis de preservação. Geralmente saem em pequenos grupos e precisam chegar com a maré seca. Instalam as redes e voltam pra casa. Maré enche, e quando seca novamente é hora de voltar pra colher o resultado da pescaria.

E são raros os dias em que a maré não está pra peixe. Almoçamos um delicioso ensopado de pescada-amarela com arroz de cuxá.

José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)José Raimundo grava no Maranhão (Foto: TV Globo)

Quem assistiu ao programa percebeu, óbvio, que as reportagens do Globo Repórter são feitas por muitas mãos. A equipe do programa, competente e solidária, não economiza dedicação para produzir o melhor resultado. Desde a preparação e dicussão da pauta ao acabamento.

Evidentemente, os profissionais que vão a campo e os que ficam na redação cuidando de suas matérias específicas contribuem de forma mais direta.

Eu tive a honra, mais uma vez, de contar, além com os companheiros de aventura, o repórter cinematográfico Alex Carvalho, o produtor Luiz Costa Jr e o operador de áudio Renan Ferreira. Na redação, com a edição de imagens irretocável de Lilian Cavalheiro e a brilhante edição de texto de Meg Cunha. E como é bom trabalhar com eles! Um presente para este velho repórter que não se cansa de agradecer.

Um abraço e até a próxima aventura.

Zé Raimundo