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O lado humano do vício

qui, 27/02/14
por rodrigo.bodstein |
categoria debate, Extras, Programas

 

O neuropsiquiatra norteamericano Carl Hart defendeu, em entrevista ao Milênio, a importância de se considerar a dimensão humana do vício e uma transformação na política contra as drogas: descriminalizar sem legalizar.

A razão que leva ao vício é uma questão que ainda não foi completamente explorada. Há um gene escondido em algum trecho do nosso DNA que indica que nos renderemos às drogas? É o contexto social ou a condição psicológica? Independente da resposta, as drogas estão presentes na sociedade e são parte da vida de milhares de pessoas direta ou indiretamente. É um tema que afeta a saúde, a segurança pública e, até mesmo, a política externa dos países.

A proposta da legalização ganhou força nos últimos meses, muito por causa do debate sobre a maconha, mas o assunto acompanha a política desde o início do século. Os Estados Unidos enfrentaram esse desafio com a proibição do álcool na década de 1920. As gangues tomaram conta do pais, a corrupção aumentou e os custos da proibição foram sentidos naquela sociedade. Pouco mais de uma década depois, a lei foi revogada. A máfia se enfraqueceu, a violência foi reduzida, mas continuaram os problemas de abuso e dos efeitos adversos que o consumo do álcool produzem.

Carl Hart, neuropsiquiatra, lembra, em entrevista a Jorge Pontual para o Milênio, que “a relação entre drogas, violência e crime sempre serviu a um objetivo político maior.” Enquanto o álcool foi uma decisão de política doméstica dos Estados Unidos, o ópio, desde o início, foi uma questão internacional. No século XIX, o ópio trazido da Índia pela Companhia Britânica das Índias Orientais começou a ameaçar a economia e a estabilidade do império chinês. O volume de importação estava tão grande que, em 1839, o Imperador determinou o fim do comércio. O Reino Unido não demorou a decretar guerra e duas Guerras do Ópio se seguiram, terminando em 1860. 15 anos depois, os Estados Unidos começaram a ter um problema com a droga. Uma lei surgiu para proibir o fumo do ópio, mas foi dirigida especialmente para os chineses que moravam no país. No início do século XX, ligaram a cocaína aos negros, que ao consumirem a substância supostamente estrupariam as mulheres brancas. Nesse meio-tempo, como Carl Hart cita na entrevista, começou um embargo informal de comerciantes chineses aos produtos norteamericanos. Em uma tentativa de responder a essa questão, os Estados Unidos buscaram realizar um tratado internacional, a Convenção Internacional do Ópio, mas precisavam ter uma lei interna que reforçasse a iniciativa. A conexão entre entorpecentes e crimes hediondos foi feita e foram lançadas as bases para a atual guerra contra as drogas.

Nesse sentido, uma pergunta feita por Inge Fryklund, ex-promotora de Chicago que trabalhou no Afeganistão, no Iraque, na Cisjordânia, no Tadjiquistão e no Kosovo, em artigo para a publicação Foreign Policy in Focus, torna-se essencial: “Qual é o problema que estamos tentando resolver ao tornarmos as drogas ilegais?” e, ainda nesse contexto, o dinheiro que está financiando guerras ao redor do mundo está diminuindo efetivamente o consumo?

As questões ainda estão em aberto, mas, para haver um debate mais profundo sobre o tema, é necessário ir além da polarização entre legalizar ou não. Carl Hart faz uma contribuição importante ao trazer a dimensão humana do vício. O neuropsiquiatra defende que há muitos níveis na relação que as pessoas têm com as drogas – incluindo as possíveis psicopatias presentes já antes do consumo – e coloca uma outra opção na mesa: descriminalizar as drogas sem legalizá-las. Isso significa que a venda continuaria proibida, mas quem estivesse em posse de entorpecentes – o usuário – poderia ser encaminhado para algum tipo de ajuda ou orientação em vez de ser fichado criminalmente, aumentando as possibilidades destas pessoas contribuírem para a sociedade em que vivem.

por Rodrigo Bodstein

 

 

 

 

 



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