No Milênio de segunda-feira, 30/01/2012, às 23h30, Jorge Pontual entrevista Jaron Lanier, um dos críticos da Web 2.0 e defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita.
“Precisamos de uma internet mais antropocêntrica, menos focada em algoritmos.” A afirmação é de Jaron Lanier, precursor da realidade virtual e um dos críticos da Web 2.0. Ele quer não apenas a liberdade de trocar informação, mas a liberdade de pensar e de ser criativo em um modelo que, atualmente, anestesia, cada vez mais, os usuários, com a ilusão de acesso a um conteúdo ilimitado. Hoje, baixar filmes, discos, livros e encontrar pessoas, quase que instantaneamente, parece natural, mas nem sempre foi assim. Há pouco tempo atrás, até mesmo discos eram objetos raros e era preciso bons contatos e um certo grau de logística para conseguir o material em primeira mão. As mudanças no dinamismo dos fluxos e a estruturação da legislação dos direitos autorais aconteceu, gradualmente, a partir da década de 60.
Naquela época, o mundo estava em ebulição, com revoluções, golpes de Estado, ditaduras, guerras, feminismo, descolonização, bossa nova, rock n´roll e crises nucleares. O governo dos EUA, então, decidiu estabelecer um mecanismo para que a troca de informações cruciais não fosse afetada, caso um ponto da cadeia fosse destruído por um ataque inimigo. Surgiu a ARPANET. Não chegava perto da rede que temos hoje, mas definiu o princípio básico de dividir a informação em pacotes. Assim, os dados percorriam diferentes rotas e eram reagrupados na máquina de destino, compondo a mensagem original. Aos poucos, ganhou os contornos atuais. Em 1989, surgiu o hipertexto. Na década de 1990, os navegadores. Nos anos 2000, a rede saiu dos computadores e ganhou os celulares, televisores, tablets e outros aparelhos. A cada nova etapa, o nível de fluxos e trocas aumentava exponencialmente e, com o maior acesso à informação, surgiam novos desafios para a defesa da propriedade intelectual.
Mas, para entendermos um pouco da relação entre a internet e os direitos autorais, precisamos responder a uma questão: O que significa propriedade intelectual? Segundo as informações disponíveis no site da WIPO (World Intellectual Property Organization) podemos sistematizar, dividindo em dois troncos principais. O primeiro envolve a propriedade industrial, soluções para problemas técnicos. O segundo, os direitos autorais que protegem a forma de expressão das ideias e não as ideias em si. Um exemplo: podemos fazer um poema sobre a saudade, filmes, livros, etc, mas não podemos ter direitos sobre o sentimento “saudade”. Nesse segundo tronco, é importante a distinção entre direitos econômicos e morais. A parte financeira, ligada a reprodução e comercialização, pode ser distribuída entre autores, produtores e difusores da obra, mas os direitos morais sobre o conteúdo permanecem com os autores. Em geral, duram até 70 anos depois da morte do autor. A proteção desses direitos começou na Convenção de Berna, em 1883, mas, apenas em 1967, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi criada para sistematizar e controlar essas questões no âmbito internacional.
Internet, direitos, e, agora, o consumidor. Ele, que na década de 60, dependendo do que buscasse, precisava de amigos no exterior para conseguir discos e livros específicos, cerca de 50 anos depois, consegue tudo o que quer quase instantaneamente e, algumas coisas, baixa de graça. É uma mudança considerável. Podemos ver um show de qualquer parte do mundo, recortar e compartilhar o que queremos. A informação passsou a ser organizada e reorganizada em cada ponta da rede. Podemos dizer que o acesso tornou-se mais aberto, mas as empresas que baseiam sua renda no antigo sistema de royalties estão em crise. Como atingir um sistema que equilibre flexibilidade e dinamismo com o controle sobre a reprodução e comercialização dos produtos culturais? Até que ponto esse conflito afeta nossa sociedade?
É um debate que vem se intensificando nos últimos anos e, em janeiro de 2011, ganhou as manchetes do mundo com a tentativa de passar duas leis no Congresso dos Estados Unidos: SOPA (Stop Anti-Piracy Act) e PIPA (Protect IP Act). São esforços para bloquear o acesso a sites que comercializam conteúdo, como música, filmes e livros, de maneira ilegal. Duas posições ficaram claras. Por um lado, as grandes gravadoras e estúdios apoiaram os projetos de lei e, por outro, sites como Google, Facebook e Wikipedia, além de 10 milhões de americanos, se colocaram contra o maior controle. O Milênio de segunda-feira, dia 30/01, acrescenta mais uma posição para pensar o futuro do mundo virtual. Em entrevista a Jorge Pontual, Jaron Lanier, defende uma internet aberta, mas não completamente gratuita.
A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações “sugeridas para o seu perfil” escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por “gostos”, tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Segundo ele, a estrutura atual cria uma “agência de espionagem privada” que desvirtua o propósito inicial de permitir que cada usuário possa trocar seus bits com outros, como em um grande mercado, e tudo seja acessível a uma taxa razoável. Esse fluxo permitiria que a criação individual fosse devidamente remunerada e estimularia o trabalho intelectual. De certo modo, muito além de direitos autorais, a necessidade de reformar o sistema é o que está nas entrelinhas de toda essa discussão.
É o momento de repensarmos a forma como estamos nos constituindo como sociedade e no efeito desses mecanismos virtuais que estão virando parte essencial da vida cotidiana. Cada dia que passa, estamos mais presos em um sistema que direciona o acesso a informação e promove uma identidade linear aos seus usuários. Segundo Jaron, “precisamos pensar contra as ferramentas disponíveis na internet para sermos livres“. A liberdade é o eixo principal do debate, mas qual é a melhor maneira de exercê-la? Qual é o preço do acesso completamente gratuito? Como evitar a censura?
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Para saber mais sobre SOPA e PIPA: Não perca o Globo News Especial deste domingo, às 20h30.
por Rodrigo Bodstein