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Um diplomata da neurociência

qua, 09/04/14
por Equipe Milênio |
categoria entrevista, Extras

 

 

Cientistas e leigos brasileiros terão a oportunidade de conhecer Nikolas Rose de perto em outubro, quando ele planeja visitar São Leopoldo e Porto Alegre, a convite de neurocientistas gaúchos, para participar de uma conferência sobre filosofia e bioética.

Vão conhecer então um diplomata da neurociência.

Diplomata não porque fique em cima do muro e seja cauteloso com o que diz. Mas porque Rose tenta encontrar um espaço de diálogo e troca de ideias entre os radicais do estudo do cérebro (aqueles que batem firme: “somos nossos neurônios, ponto final”) e outros especialistas do setor que dão peso considerável a outros aspectos, como as experiências de vida, na formação de nossos estados mentais, nossa maneira de ser.

Verdade que são poucos hoje os adeptos da chamada tabula rasa, que atribuem todos os traços do ser humano ao que ele absorve na sociedade ou natureza via experiências reais, educação, impacto do meio-ambiente, sem creditar características de personalidade e comportamento à herança genética. Mas ainda há um grupo que acha exagerada a tendência de muitos neurocientistas em atribuir traços humanos a nossa estrutura biológica, nossa herança evolutiva como espécie, nosso genes.

Quem tenta acompanhar essa discussão via mídia, conferências, debates acadêmicos, já percebeu que as duas facções brigam feio, com particular fúria entre os próprios neurocientistas. Rose mesmo descartou a diplomacia quando conversávamos em seu escritório no King’s College, em Londres e citei um neurocientista defensor da importância maior da herança genética (“não perco mais tempo lendo Steven Pinker”, reagiu).

Rose rejeita Pinker e tripudia ainda mais os que poderíamos chamar de fundamentalistas da neurociência, entre os quais estão alguns profissionais de renome, como o britânico Francis Crick, um dos descobridores, em 1953, da estrutura do DNA, momento chave na abertura do conhecimento sobre a genética e a natureza humana. Por isso, Crick recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina (junto com o americano John Watson e outro britânico, Maurice Wilkins, este do mesmo King’s College de Rose).

Crick morreu há dez anos e passou os últimos tempos de sua vida dedicado a estudos do cérebro. Um de seus últimos legados foi o controvertido livro The Astonishing Hypothesis (A Hipótese Espantosa), em que defende justamente a tese de que o ser humano é produto da massa gelatinosa de um quilo e meio dentro do crânio. A mente, segundo Crick e outros que endossam suas conclusões, seria apenas a expressão do cérebro, sua personalização. “Somos nosso cérebro”, resumiu Crick.

Para os seguidores dessa linha, o fundamental é conhecer o funcionamento dos 80 a 100 bilhões de neurônios e suas conexões elétricas e químicas que comandam o organismo e, na opinião deles, determinam nosso estado mental. Dão pouca ou nenhuma importância a métodos alternativos de acesso a processos mentais, como a Psicanálise. Expulsam ego, superego e id da discussão, acolhem axônios, dendritos e sinapses. Conceitos como alma ou espírito, então, não colhem mais do que desprezo.

Rose tem um trajetória profissional diferente. Vem das ciências humanas. Escreveu um livro explicando Michel Foucault aos britânicos, admira o psicanalista francês Jacques Lacan. Passou muitos anos em ativismo social e vida acadêmica como sociólogo, até que, em tempos recentes, decidiu pesquisar neurociência. Seguiu em parte os passos de seu irmão mais velho, Stephen, um reconhecido especialista em estudos da memória. Defensor de uma abordagem multidisciplinar da questão, o Rose júnior dirige agora no King’s College um recém-criado Departamento de Ciência Social, Saúde e Medicina.

por Silio Boccanera

O anarquismo e a democracia atual

qui, 20/02/14
por Equipe Milênio |

 

 

Os frequentadores da pitoresca Portobello Road, em Londres, com suas barraquinhas que vendem bugingangas e pseudo-antiguidades a turistas desavisados, talvez não se surpreendessem de saber que ali vive um anarquista. A casa que David Graber compartilha com vários companheiros de militância radical não ganharia exatamente um prêmio de decoração da Casa & Jardim, encaixando-se mais no estilo que se poderia esperar de uma república de estudantes. Ainda assim, conseguimos encontrar um cantinho menos caótico para gravar nossa conversa (ah, como a câmera engana…), que no mínimo pode ser caracterizada como “pouco ortodoxa“.

Isso porque as ideias de Graeber pouco têm de tradicionais e acadêmicas, como talvez se pudesse esperar de um professor de Antropologia da conceituada London School of Economics, onde ele dá aulas e orienta teses de mestrado e doutorado. Nascido e educado nos Estados Unidos, foi professor da Universidade de Yale, onde seu radicalismo causou desconforto suficiente para que o afastassem. Surgiu daí o que ele considera uma “lista negra” não oficial, mas capaz de impedir sua contratação por outras universidades americanas. Foi acolhido então pelo Goldsmith College de Londres e, a partir deste ano, transferiu-se para a LSE.

Graeber é um radical, na medida em que propõe virar a sociedade de cabeça para baixo, por meio de uma revolução que acabe com o sistema capitalista (“não vai durar muito mais tempo”, ele insiste) e adote princípios anarquistas: sem governo e sem estado. O que Graeber oferece de interessante para quem acompanha as entrevistas do Milênio é justamente o confronto de ideias, a defesa de um radicalismo pouco frequente nos debates políticos tradicionais. A postura dele não se limita a um plano intelectual e distante, mas se compromete com ação, demonstrada em seu envolvimento com manifestações de rua e ativismo com grupos militantes.

por Silio Boccanera

O comportamento humano e a oxitocina

qua, 15/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

 

Paul Zak tem a mania de abraçar todo mundo. Alguns até se assustam com a aproximação dele, sobretudo no Brasil. Primeiro, porque brasileiro não espera que estrangeiro inicie contato físico, mas também devido aos quase dois metros de altura de Zak. Fica até cômico vê-lo abraçando alguns baixinhos desconfiados desse gringo efusivo.

O abraço, que ele prega em livros, artigos e palestras, tem a ver com a importância que Zak atribui a um hormônio produzido pelo corpo humano, a oxitocina, para ele uma fórmula mágica de bem-estar, em oposição a substâncias perturbadoras como a testosterona ou a adrenalina. Zak acha que o comportamento humano, inclusive nossa atuação como agente econômico, amigo, amante, profissional, depende muito da ação da oxitocina no corpo.

Seus críticos denunciam um exagero na importância que ele dá a uma droga no organismo como explicação para tantas atividades humanas. Reclamam mais ainda da popularização de suas teorias, a ponto de inspirar títulos de artigos em jornais e revistas com referências a uma “molécula do amor”, terminologia pouco apropriada para quem tem pretensões de oferecer uma base científica para suas teorias. Zak não se importa.

Outros céticos preferem se divertir com uma “tendência de vampiro” em Zak, por causa das repetidas investidas dele em recolher sangue das pessoas, a fim de medir o grau de oxitocina em diferentes momentos, desde um casamento na Inglaterra a uma cerimônia de nativos em Papua Nova Guiné.

Zak aceita que fatores sociais e econômicos, bem como a forma de educação que as pessoas recebem, influenciam o comportamento delas, mas ele defende que esses fatores se traduzem em reações químicas no organismo. É neste ponto que a oxitocina adquire para ele uma importância fundamental, a ponto de ter se tornado seu principal foco de pesquisas, artigos, palestras e entrevistas. A do Milênio foi conduzida com o devido grau de ceticismo mas com abertura para que Zak explicasse suas teses.

por Silio Boccanera

A Irmandade Muçulmana e a política no Oriente Médio

sex, 30/08/13
por Equipe Milênio |
categoria Programas

 

 

A crise política no Egito joga luzes sobre uma das mais influentes organizações no mundo árabe: a Irmandade Muçulmana. Já foi chamada de “mãe de todos os movimentos islamistas”, aqueles de ação político-religiosa pelo mundo. Nem sempre seus militantes agem de forma pacífica, embora hoje existam grupos islâmicos bem mais violentos do que a Irmandade em ação pelo mundo. Como os salafistas no Egito, a Al-Qaida em suas variações locais.

Criada no Egito há 85 anos, a Irmandade inspirou a cópia de organizações parecidas em outros países árabes, todas reprimidas ao longo dos anos pelos regimes autoritários da região. Hamas, por exemplo, na faixa de Gaza, surgiu da Irmandade. Com seus líderes periodicamente presos ou executados, a Irmandade sobreviveu na clandestinidade em vários países. Realizou trabalhos de assistência em comunidades pobres, onde ganhou o respeito que iria ajudá-la a ganhar votos, depois das revoltas populares conhecidas como Primavera Árabe.

Chegou ao poder no Egito, com maioria no Parlamento e presidência em mãos de seu ex-líder Mohamed Morsi. Até que um golpe militar afastou do poder o presidente e a Irmandade. Continua no poder na Tunísia, onde quem assumiu após rebelião popular foi a co-irmã An-Nahda. E na Líbia ainda em transição, a Irmandade tem considerável influência no governo provisório. Como tem entre as variadas forças de oposição em luta contra o regime de Bashar Assad na Síria. Para entender melhor essa organização tão influente na nova dinâmica do Oriente Médio, o Milênio procurou em Kent, perto de Londres, Alison Pargeter, autora de livro recém-atualizado sobre a Irmandade Muçulmana.

por Silio Boccanera

Uma ponte entre as religiões

qua, 31/07/13
por Equipe Milênio |

 

 

Karen Armstrong recebeu a equipe do Milênio em seu apartamento de Londres, às vésperas de embarcar para o Brasil, onde faria palestras em Porto Alegre e São Paulo, a convite da organização Fronteiras do Pensamento. Para quem não compartilha de fé religiosa e ia ao encontro de uma ex-freira, autora de uma dúzia de livros sobre religião, a expectativa era de encontrar uma sisuda senhora de meia-idade, pregando ideias conservadoras e tradicionais. Quem sabe até não iríamos ter de aturar uma carola.

Nada disso. Esbarramos em alguém que embora apóie o lado espiritual e transcendental da experiência religiosa, rejeita e critica muito do que considera tradicional e retrógrado nas várias formas de religião organizada. E nas várias interpretações sectárias de livros sagrados. Sobre o novo Papa argentino, por exemplo, que só iria ao Brasil bem depois, nos contou de bom humor mas também com convicção que Francisco I deveria tirar a sede da Igreja Católica de Roma e transferi-la para Buenos Aires. “Estaria assim mais perto dos pobres que Jesus Cristo apoiava do que dos privilegiados instalados nesta má imitação do Império Romano que é o Vaticano.”

Karen repudia o comportamento dos “ativistas religiosos”, com suas interpretações rígidas e literais de textos na Bíblia, no Corão, no Torá. Considera, por exemplo, “um absurdo” a alegação de extremistas judeus ao tomar terras dos palestinos de que, segundo a Bíblia, Deus presenteou aquelas terras somente aos judeus e, portanto, os árabes não teriam direito a elas, mesmo se suas famílias ali estavam há várias gerações. “A Bíblia não pode ser lida como um documento de posse emitido pela prefeitura”—diz ela. “Sua mensagem é simbólica”.

Karen critica também os evangélicos que lêm a Bíblia como se fosse um relato de historiadores e cientistas, com afirmações sobre a criação do universo em uma semana, de uma vez só, com as formas de vida e geologia que têm até hoje, o que nos obrigaria a aceitar, por exemplo, que o ser humano e os dinossauros viveram na mesma época. “Isso é uma banalidade, que a ciência desmente sem muito esforço – diz ela – “e não leva em conta que as histórias na Bíblia são alegorias, parábolas, para serem lidas pelo seu valor simbólico e não pelo significado literal.”

Mesma coisa para o Corão, lembra ela, criticando os fundamentalistas que extraem trechos isolados que mais lhes convêm no livro sagrado muçulmano, enquanto ignoram outras partes que contradizem as mesmas afirmações, como o tratamento às mulheres ou o uso de violência. “Eles se esquecem também do contexto histórico em que surgiu o texto do Corão, século VII, quando o combate ao Islã foi intenso e seus adeptos tinham de se defender, muitas vezes à força. Aplicar as mesmas recomendações em pleno século XXI não faz o menor sentido”.

Uma das histórias curiosas envolvendo Karen ocorreu quando ela dava uma palestra nos Estados Unidos, pouco tempo depois dos ataques terroristas de 2001, e foi abordada pela polícia. Detetives pediam sua ajuda para decifrar o caso de um jovem local que tinha matado a família e se suicidado. Ao lado do corpo do rapaz, havia um livro escrito por ela, informou a polícia, sem maiores detalhes.  No contexto da época, a reação de Karen foi imaginar duas possibilidades de fanatismo religioso associado com atos de violência mais recentes: talvez um extremista cristão de direita lendo uma obra dela sobre a Bíblia ou quem sabe um fundamentalista islâmico que estivesse folheando e distorcendo o que ela escreveu sobre o Islã.

Na verdade, o livro dela que o rapaz lia era sobre budismo, tido como uma religião de paz e tranquilidade, nada a ver com fanatismo. O episódio serviu para ela como mais uma demonstração de que um indivíduo mentalmente desequilibrado pode encontrar justificativa para a violência até em textos religiosos que só pregam paz. Karen Armstrong procura explicar e não converter. A não ser para promover o que chama de regra de ouro da compaixão: tratar os outros como gostaria de ser tratado..

por Silio Boccanera

Bauman e as ruas

qua, 24/07/13
por Equipe Milênio |

 

entrevista exibida em 16.01.2012

 

Manifestações explodem pelas ruas de várias cidades no mundo, com uma mistura de causas e reivindicações nos gritos de protesto. Incluem do trivial custo da passagem de ônibus no Brasil à revolucionária derrubada de governos no mundo árabe. Alcança do desemprego na Europa em recessão aos abusos do sistema financeiro em Wall Street. Em comum, exala das ruas uma insatisfação generalizada com a sociedade moderna, globalizada, altamente competitiva, de pouca solidariedade e uma reverência quase religiosa ao consumo como fórmula mágica de se obter felicidade.

Na fluidez dessa sociedade de consumo, não se valoriza o permanente, mas o temporário. Nada é sólido ou conserva a forma por muito tempo. Tudo em mudança, vive-se inconstância, o que provoca insegurança e medo. Até as relações pessoais geram perplexidade, sofrem de fluidez. Assim se caracteriza a “modernidade líquida”, na definição do veterano sociólogo Zygmunt Bauman, beirando seus 90 anos, prolixo na produção de artigos, conferências e livros. Suas obras correm mundo, inclusive o Brasil, onde tem uma dúzia de livros publicados e bem vendidos. Bauman sobreviveu ao nazismo em sua Polônia natal, onde caiu em seguida sob jugo do comunismo, até que, 40 anos atrás, ele escapou para o Reino Unido e passou a ensinar Sociologia na Universidade de Leeds, onde ocupa hoje uma cadeira de Professor Emérito.

 

por Silio Boccanera

O Oriente Médio visto do Líbano

qua, 13/03/13
por Equipe Milênio |

 

As análises de Rami Khouri sobre os eventos no mundo árabe podem ser lidas regularmente no jornal libanês Daily Star, que tem versão em língua inglesa, para quem não lê em árabe. Já o acompanhava há algum tempo nas páginas e por isso achei que seria um entrevistado com boa contribuição a dar ao Milênio. Como de fato foi.

Difícil era acomodar a agenda dele com a nossa, entre as muitas viagens de parte a parte. Iríamos a Beirute encontrá-lo, sim, mas obviamente ele não poderia estar em uma de suas muitas jornadas fora do país. Como nas ocasiões em que dá aulas na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Ou palestras pela Europa. Conseguimos acertar as agendas e só corremos o risco de perder o encontro porque visitante brasileiro, mesmo não sendo em primeira viagem, tende a subestimar a capacidade de engarrafamento do trânsito de Beirute.

A capital libanesa virou versão piorada de São Paulo. Ainda mais porque a cidade milenar (acabaram de encontrar ruínas de 5 mil anos atrás), abalada por muitas guerras, vive em processo de reconstrução de ruas e prédios (muitos destes em duvidoso estilo Miami-Barra da Tijuca). Motoristas locais, muitos deles com aprendizado prático em tempos de bombardeio à cidade, ainda não se familiarizaram com algo parecido a um código de trânsito. O que predomina é a criatividade de cada um.

Khouri nos recebeu na universidade (mais antiga do que qualquer das brasileiras) para uma longa conversa, resumida no Milênio, com análises sobre o mundo árabe e o Oriente Médio em geral. Em troca, Khouri mostrou interesse pelo processo de democratização da América Latina, após o fim das ditaduras militares, com os paralelos e às diferenças em relação ao que se passa hoje na parte do mundo onde ele vive. Uma lição, pelo menos, podemos sugerir como resultado do processo latino-americano: paciência, porque a abertura democrática se desenrola aos poucos. Ainda está em andamento.

O medo dos militares voltarem ao poder leva tempo para se dissolver, a sociedade civil (sindicatos, grupos de pressão, ONGs, organizações profissionais, etc. demoram a se constituir), os meios de comunicação custam a se desvencilhar de hábitos criados em tempos de censura, as escolas só aos poucos substituem currículos envenenados por ensino legítimo, e novas constituições exigem tempo para preparar.

Neste último ponto, não custa lembrar que a nova Constituição do Brasil democratizado só saiu três anos após o fim do regime militar, ao passo que os egípcios hoje se engalfinham para ter uma nova carta em poucos meses. Calma, gente. História não se copia, mas a experiência de outros ajuda a apontar caminhos.

por Silio Boccanera

Uma visão árabe sobre o mundo árabe

sex, 08/03/13
por rodrigo.bodstein |

 

No próximo Milênio, uma visão árabe sobre o mundo árabe. Silio Boccanera entrevista o jornalista e cientista político libanês Rami Khouri, em Beirute. Segunda-feira, às 23h30, na Globo News.

As notícias que chegam do Oriente Médio retratam uma região tomada pelo conflito e deixam esquecida uma história rica, que começa 10.000 anos antes de Cristo e que presenciou grandes impérios e culturas. A visão Ocidental sobre a região – o termo Oriente Médio foi cunhado por Alfred Mahan, um geoestrategista americano – acaba ficando marcada pela violência, por discussões sobre petróleo e por questões relacionadas a radicais islâmicos.

Na última semana, por exemplo, pelo menos cinco aviões da Força Aérea de Israel invadiram o espaço aéreo libanês, violando uma resolução da ONU, e houve relatos de maus tratos a menores palestinos detidos em prisões israelenses. Quase ao mesmo tempo, um carro bomba explodiu no Iêmen e matou 12 integrantes de uma milícia pró-governo – renovando a disputa por poder depois da queda de Abdullah Saleh -. Um pouco mais ao Sul, uma corte decidiu que as eleições de abril no Egito seriam suspensas e o país está cada vez mais dividido entre islamistas e secularistas, cisão que já custou a vida de 70 pessoas só no último mês. No Iraque, 40 soldados de Bashar al-Assad foram assassinados, após fugirem de um ataque da oposição. Pouco tempo depois, insurgentes sírios capturaram 20 soldados da ONU nas colinas de Golan, o que aumentou a preocupação de o conflito estar se espalhando para além das fronteiras do país.

Se a violência não tomou conta de outras nações, com certeza o custo humano da guerra civil, sim. Segundo a Organização das Nações Unidas, o número de refugiados atingiu a marca de 1 milhão na última quarta-feira, com a chegada de uma mulher de 19 anos chamada Bushra e seus dois filhos ao Líbano. Para Rami Khouri, entrevistado do Milênio desta segunda, “o conflito sírio é a maior guerra por procuração desde o Vietnã.”, mas ressalta que nenhum país no entorno – Turquia, Jordânia ou mesmo o Líbano – vai permitir que o conflito ultrapasse essas fronteiras.

O Líbano ainda se recupera de recente história de luta sectária e de guerra civil brutal, que tomou conta do país entre 1975 e 1990, com intervenção de Israel, Síria e Nações Unidas. O Chefe da Câmara de Comércio de Beirute, Mohammad Choukeir, disse ao jornal libanês Daily Star, na última quarta-feira, que a economia está na pior fase desde a assinatura dos acordos de paz. A afirmação foi feita no contexto de uma greve que afeta diversos setores, como o turismo, mas pesquisas recentes apontam para a descoberta de reservas de gás maiores do que as da Síria e de Chipre, o que pode dar novo fôlego ao país.

O repórter Silio Boccanera viajou ao Líbano para conversar com diretor do Instituto Issam Fares de Políticas Públicas e Relações Internacionais na Universidade Americana de Beirute, o jornalista e cientista político Rami Khouri. Vencedor do prêmio Eliav Sartawi, em 2004, por jornalismo no Oriente Médio e um dos premiados com o Pax Christi International Peace, por seus esforços pela paz e reconciliação, ele possui mais de quatro décadas de experiência de trabalho e pesquisa na região. No próximo Milênio, Rami Khouri nos oferece uma visão árabe sobre o mundo árabe. Segunda-feira, 11 de março, às 23h30, no Milênio.


por Rodrigo Bodstein

O mainstream e as culturas locais

qua, 16/01/13
por rodrigo.bodstein |

 

Frédéric Martel viaja tanto pelo mundo, em pesquisa para seus livros e artigos, que apesar de vivermos a duas horas de trem um do outro, ele em Paris, eu em Londres, acabamos nos encontrando em Olinda, Pernambuco. Lá se realizava mais uma Fliporto, a festa literária que ganha destaque maior a cada ano (desta vez, foi transmitida ao vivo pelo programa Literatura, da Globonews).

Frédéric foi convidado para falar de seu livro Mainstream, lançado no Brasil com este mesmo título original em inglês. Descreve a cultura de massas pelo mundo, sob domínio ainda considerável da produção popular americana – do cinema à música, dos seriados de TV aos videogames. Ele tratou também da noção (que acha equivocada e preconceituosa) de alta e baixa cultura. Falou do papel secundário dos europeus no setor, inclusive seu próprio país a França, ainda resistente em aceitar que sua cultura não repercute mais no resto do mundo, como ocorria no passado.

Frédéric discutiu ainda a predominância da língua inglesa (que optamos por usar na entrevista) na produção da cultura mainstream internacional. Ele acaba de concluir um livro (que já tem editora no Brasil, mas ainda não foi lançado), sobre a cultura gay no mundo. Mais um exemplo – diz ele – de um assunto em que os americanos ocupam posição de vanguarda e servem de exemplo para homossexuais em outros países. Frédéric entrevistou gente da comunidade gay em locais tão improváveis quanto Teerã e Soweto. Nota que Rio e São Paulo são grandes polos de atração gay no mundo e que um dos maiores e mais interessantes clubes gay que conheceu foi em Jacarepaguá, subúrbio pobre do Rio. Seu livro seguinte ainda está em fase de pesquisa e Frédéric passou parte de sua visita ao Brasil entrevistando especialistas no assunto: a internet e o impacto do mundo digital.

por Silio Boccanera

A geopolítica da cultura

sex, 11/01/13
por rodrigo.bodstein |
categoria Programas

 

Na próxima segunda-feira, a geopolítica da cultura. O jornalista e sociólogo Fréderic Martel fala ao Milênio sobre a guerra mundial pelo conteúdo nos meios de comunicação. 23h30, na Globo News

 

Entre todos os conflitos, seja na Síria, no Congo, no Mali, ou em qualquer outro lugar, um talvez esteja mais próximo de nós do que imaginamos. A guerra pela cultura e pelos conteúdos nos meios de comunicação está em nossas casas, no que lemos, no que assistimos e, até mesmo, no que vestimos e falamos. De um lado, temos a hegemonia cultural norteamericana, construída ao longo deste século, que exporta formatos televisivos, filmes, livros, música, todo um pacote que pode ser moldado para o mundo ou para nichos específicos. Do outro, blocos regionais que tentam ganhar espaço e, ao mesmo tempo, reforçar alguns traços da cultura local.

A disputa por influência e pelo público, que mobiliza indústrias, governos e microempresas, criou o que o sociólogo e jornalista francês Frédéric Martel chama, em seu livro Mainstream, de “capitalismo hip”, ou seja, “um capitalismo cultural global muito concentrado, muito descentralizado, ao mesmo tempo força criadora e destruidora.” Concentrado pela hegemonia, descentralizado pelas redes de produção que se formaram e não mais dependem do espaço, força criadora pelo volume de produtos e pelo discurso que promove e destruidora por silenciar também outras formas de cultura.

A propaganda americana e a indústria de Hollywood não são elementos novos para a geopolítica mundial. Desde a criação do Office for Commercial and Cultural Relations between the American Republics, em 1940, depois rebatizado de Office for Inter-American Affairs, em 1945, que os Estados Unidos desenvolvem a capacidade de produzir e de vender, em mercados distintos, conteúdo que misture e incorpore aspectos locais em um produto que seria supostamente global, mas essencialmente norteamericano. Essa prática, iniciada na política de Boa Vizinhança, desenvolveu, segundo Martel, uma “diversidade padronizada” em que “as palavras são em hindi ou mandarim, mas a sintaxe é americana.” e que, hoje, faz circular bilhões de dólares.

O que é interessante na análise do sociólogo francês não é que exista uma dominação norteamericana, mas apenas uma predominância. A emergência de outros atores, como a Al-Jazeera, a indústria de Bollywood, entre outros, reflete o que vimos acontecer na economia e na política. Pouco a pouco, atores regionais ganharam força e, o que antes era um contexto de unipolaridade, liderado pelos Estados Unidos, hoje é um ambiente multipolar e com relações complexas em diferentes níveis e, como ele escreve, “a diversidade cultural transforma-se na ideologia da globalização”. O trabalho de Martel nos lembra que cada ato nosso é um ato político. Cada ingresso que compramos, cada programa que assistimos ou livro que lemos está imbuído de uma história e que, por estarmos inseridos no meio desta batalha silenciosa, nossas escolhas influenciam o discurso e a cultura que queremos em nossas vidas. Não perca a entrevista que Silio Boccanera fez com Frédéric Martel no Milênio da próxima segunda-feira, 14/01, na Globo News.

por Rodrigo Bodstein



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