Um encontro com o homem mais procurado do mundo
Em carne e osso, Edward Snowden parece pouco o rapaz sério que num quarto de hotel em Hong Kong se apresentava como o responsável pelos vazamentos de documentos ultrassecretos da NSA, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos – o único vídeo disponível, até então, em que se podia vê-lo e ouvi-lo. Parece ainda mais jovem que seus trinta anos. E tem um andar leve, um jeito de quem dorme sem preocupações.
Comentei isso com o Paulo Zero – repórter cinematográfico e meu marido-, quando ele deixou nosso quarto, depois de uma hora de conversa que serviu apenas para ele nos conhecer. A entrevista seria no dia seguinte, às 9 e meia da manhã. Estávamos na Rússia havia 24 horas, num estresse imenso por causa de todos os segredos que rondavam a entrevista, pela incerteza que é esperada quando se lida com uma pessoa procurada pelo serviço secreto mais poderoso do mundo.
Já muito tarde na noite anterior, quando fizemos o check-in no hotel Kempinski, onde fomos instruídos a nos hospedarmos, nem perguntei se havia, por acaso, um hóspede chamado Snowden. Sabia que ele jamais estaria registrado com o próprio nome. Tentamos dormir, com fuso de 7 horas atrapalhando. E, bem cedo, começamos a garantir a logística da entrevista – receber as câmeras e luzes de fornecedores russos que não sabiam falar uma palavra em inglês, e insistiam em querer ficar “vigiando” o equipamento. Nesse caso, não podíamos ter nenhum estranho na sala. E com muita linguagem corporal e a ajuda de uma tradutora que estava em São Paulo, conseguimos convencê-los a voltar só no fim do dia seguinte. Não sem antes ouvir, entre muitas palavras incompreensíveis trocadas entre eles, o nome Snowden. Eles deduziram ou estavam ironizando nosso comportamento de agentes secretos? Snowden é assunto na Rússia, não só porque mora lá – o país concedeu a ele asilo temporário, de um ano. O taxista que nos levou do aeroporto, falando um inglês de palavras truncadas, ao saber que eramos brasileiros disse: Brasil presidente americanos espiar. Ele sabia que a Dilma Rousseff havia sido espionada pela NSA. Não desconfiou que éramos os repórteres por trás da revelação feita com documentos vazados por Snowden.
Nove e trinta e dois, um toc-toc na porta. Ed – como ele gosta de ser chamado – chega com sua mochila, um sorriso largo. Em seguida, aparecem Glenn Greenwald e seu companheiro, David Miranda. Glenn é o jornalista americano radicado no Brasil que, junto com a documentarista Laura Poitras, recebeu os milhares de documentos das mãos de Snowden em Hong Kong. Glenn participou da primeira parte da entrevista e saiu para arrumar as malas – ele devia seguir para Frankfurt, onde faria palestra no mesmo dia. Laura, num determinado momento, se juntou a nós, acompanhou um pouco da entrevista e se foi. Na maior parte do tempo, fomos Paulo e eu, naquele quarto de hotel com vista para a Praça Vermelha, e o espião mais procurado do mundo. E ele estava à vontade. Ofereci café, ele aceitou água. Sem gás. Não bebe café, nem chá, nem refrigerante, nem álcool. Não fez restrição a nenhuma pergunta. Riu várias vezes – como quando contei do taxista – e algumas vezes parava para pensar nas palavras – nesse momento ele não pode se dar ao luxo de permitir duplo sentido no que diz. A única resposta que não deu, foi com bom humor: -Essa, é melhor não responder, quando perguntei sobre sair à rua disfarçado.
Assim, durante 3 horas gravamos esta entrevista. Quando acabou ele ainda foi para o corredor comigo, para gravarmos uma imagem. Se despediu de Glenn, David e Laura, que haviam voltado a se juntar a nós, e desapareceu pela saída dos fundos. Usou a escada, em vez do elevador. Não tenho ideia de para onde foi. Como nunca soube como ele apareceu no hotel.
por Sônia Bridi