Um Milênio verde
Seria difícil tornar mais verde a entrevista com Gro Brundtland. Menos até pelas credenciais incontestáveis dela como ambientalista e mais pelo local onde nos encontramos no Rio de Janeiro: mata Atlântica, alto da Gávea. Trata-se de um cantinho elevado da cidade que permite ver de um lado o Corcovado não muito distante e, de outro, bem próxima, a conhecida elevação de granito conhecida como Pedra da Gávea, fundo de cenário obrigatório em fotos do por-do-sol em Ipanema e Leblon.
Ali estávamos no que foi uma velha residência, agora transformada em um dos muitos hotéis-butique da cidade: pequeno e charmoso, voltado para poucos hóspedes de bom gosto, que preferem fugir da agitação de hotéis vastos e luxuosos.
– Tirei foto do Corcovado pela janela de meu quarto e já mandei para o meu marido, que adora essa imagem do Cristo na montanha do Rio – comenta Gro quando chega ao terraço onde armamos câmeras e microfones para nossa conversa do Milênio.
Assim que se senta, ela encara um ângulo novo da paisagem no lado oposto, ainda não percebido.
– Que maravilha esta pedra imensa logo aqui atrás.
O que ela não notou, do ponto onde se sentou, foi que a rica vegetação tropical à nossa volta escondia um cenário ainda mais carioca: a favela da Rocinha, uma das maiores da América Latina, derramada por aquele lado da montanha vizinha, por onde se expandiram os barracos a partir do outro pedaço do morro onde a comunidade começou, em São Conrado.
Na Rocinha vivem muitos dos que trabalham no asfalto em baixo, prestando serviços como empregadas domésticas, porteiros, motoristas, garçons. Poucos meses atrás, seria até perigoso se instalar na vizinhança, como constataram vários moradores de mansões próximas, alguns levados a se mudar ao longo dos anos, outros a vender por preço baixo suas casas tão próximas de uma comunidade dominada tanto tempo pela violência e o tráfico de drogas.
Só que o perigo acabou e a região volta a ter valorização e prestígio. Não mudou por milagre e sim por iniciativa do poder público, que instalou na Rocinha uma Unidade de Proteção Policial (UPP), programa do governo carioca que vem obtendo resultados. Contrariou as expectativas de uma população que andava descrente na capacidade das autoridades em expulsar traficantes e se fincar no local para restabelecer uma vida razoável em áreas pobres e degradadas, mas agora pelo menos sem violência. A pacificação tem facilitado a implantação de programas sociais para os milhares de habitantes da Rocinha, bem como em uma dezena de outras favelas cariocas.
Assim, em torno de seu próprio hotel, nossa entrevistada, uma das pioneiras do movimento ecológico mundial testemunha um exemplo de como o poder público, com apoio local, pode interferir para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nada mais animador para alguém que teve papel-chave em lançar, nos anos 80, o conceito de “desenvolvimento sustentável”, hoje base das discussões sobre meio-ambiente, como a Rio+20.
Ela veio ver de perto a conferência no Rio, desta vez como co-autora de novos estudos da ONU sobre meio-ambiente e inclusão social. Veio também como membro do seleto grupo The Elders, formado por veteranos líderes (Fernando Henrique Cardoso, Jimmy Carter, Desmond Tutu, entre outros), convocados pelo sul-africano Nelson Mandela para aplicarem sua experiência e sabedoria na busca de soluções para problemas mundiais.
O calor da primavera-verão carioca não parece perturbar essa nórdica criada nas promidades de geleiras. Mas um copo d’água não seria má ideia, propõe. Vem a água em jarra, tirada de filtro.
– Não se deve beber água assim fora de casa, pois nunca se sabe há quanto tempo não se limpa o filtro.
Ouve-se a voz de quem, além de viajante pelos cantos remotos do mundo, ex-primeira-ministra, ex-diretora da Organização Mundial de Saúde, é formada em Medicina.
por Silio Boccanera