Uma história de luta pelo direito e pela liberdade das mulheres
Quando foi marcada a entrevista com Zainab Salbi, ela insistiu que fosse no escritório dela em Manhattan em vez do estúdio que usamos com mais frequência. Fica a cinco minutos da minha casa, frequentamos os mesmos restaurantes e vamos à mesma feira no sábado mas nunca havíamos nos encontrado antes. O escritório eh fica num loft bem iluminado com com moveis práticos e poucos quadro. Tem apenas um assistente.
Antes da entrevista ela contou que a primeira viagem no “jato do papai”,como se referia a um 747, um dos primeiros entregues pela Boeing, foi ao Rio de Janeiro. Ficaram hospedados em Copacabana. Tinha uns 11 anos e ficou deslumbrada com a cidade. Isto foi antes do pai se tornar o piloto particular de Saddam Hussein quando a vida da tomou um novo rumo com frequentes visitas e fins de semanas nos palácios do ditador.
Zainab era bonita. Contra a vontade da família, em especial da mãe e das tias, decidiu se casar com o primeiro namorado que conheceu na faculdade. Vinha de família pobre com tradições tribais. Noivaram mas ela rompeu pouco antes do casamento quando percebeu o autoritarismo do futuro marido.
Preocupada com a proximidade de Saddam e dos filhos incontroláveis, a mãe arranjou um casamento com um homem mais velho , rico , de boa família em Chicago. O baú era furado e o senhor de boa família estuprou Zainab pouco depois do casamento. Fez as malas e, sem dinheiro, foi para Washington onde conheceu o terceiro homem de sua vida, um palestino. Foi bom enquanto durou, diz Zainab, que ainda tem boas relações com ele mas não tem filhos.
Um dia, depois de ouvir pela televisão relatos de estupros em massa na Bósnia e na Croácia, ela resolveu fundar uma ONG, Women for Women, para ajudar mulheres vítimas de conflitos. No primeiro ano, tinha 31 mulheres na lista. Hoje, a ONG já distribuiu US$ 102 milhões para 370 mil mulheres em vários países. Zainab foi homenageada pelo presidente Bill Clinton na Casa Branca, e a Women for Women foi reconhecida como uma das organizações mais influentes no socorro de vítimas de abusos em conflitos. Zainab se demitiu da direção para escrever e fazer conferências.
Contei a ela que os números sobre estupros no Brasil tinham acabado de sair e deram um salto, mas os números e o Brasil não estão no radar dela. Hoje, trabalha só com mulheres do Oriente Médio, onde as estatísticas de estupros e abusos sexuais são pouco confiáveis. Mulheres abusadas são ensinadas a se envergonhar de si mesmas e uma denúncia na polícia pode comprometer a honra da família. Nas regiões tribais, pais e irmãos ainda apedrejam filhas violentadas.
Os números sobre estupros são estuprados. Em algumas estatísticas, a Suécia é líder de estupros. As explicações são os imigrantes e os rígidos critérios suecos de definir estupros. O Brasil, com 26,9 estupros por 100 mil habitantes, tem o dobro de estupros do que o México. A pacífica Costa Rica, com 34 por 100 mil, é a campeã de estupros da América Latina. Roraima tem 52 por 100 mil, mas os números no Brasil são pouco confiáveis. O país está dividido em quatro regiões, de 1 a 4. As estatísticas da região 1 são as melhores, as da 4, as piores. Quanto mais pobre, maior a mentira das estatísticas. Nesta violência, a verdade não está nos números e Zainab não trabalha com estatísticas. Nos livros, ela conta histórias de poucas vítimas com fotos que apunhalam.
por Lucas Mendes