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Uma história de luta pelo direito e pela liberdade das mulheres

qua, 08/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

 

Quando foi marcada a entrevista com Zainab Salbi, ela insistiu que fosse no escritório dela em Manhattan em vez do estúdio que usamos com mais frequência. Fica a cinco minutos da minha casa, frequentamos os mesmos restaurantes e vamos à mesma feira no sábado mas nunca havíamos nos encontrado antes. O escritório eh fica num loft bem iluminado com com moveis práticos e poucos quadro. Tem apenas um assistente.

Antes da entrevista ela contou que a primeira viagem no “jato do papai”,como se referia a um 747, um dos primeiros entregues pela Boeing, foi ao Rio de Janeiro. Ficaram hospedados em Copacabana. Tinha uns 11 anos e ficou deslumbrada com a cidade. Isto foi antes do pai se tornar o piloto particular de Saddam Hussein quando a vida da tomou um novo rumo com frequentes visitas e fins de semanas nos palácios do ditador.

Zainab era bonita. Contra a vontade da família, em especial da mãe e das tias, decidiu se casar com o primeiro namorado que conheceu na faculdade. Vinha de família pobre com tradições tribais. Noivaram mas ela rompeu pouco antes do casamento quando percebeu o autoritarismo do futuro marido.

Preocupada com a proximidade de Saddam e dos filhos incontroláveis, a mãe arranjou um casamento com um homem mais velho , rico , de boa família em Chicago. O baú era furado e o senhor de boa família estuprou Zainab pouco depois do casamento. Fez as malas e, sem dinheiro, foi para Washington onde conheceu o terceiro homem de sua vida, um palestino. Foi bom enquanto durou, diz Zainab, que ainda tem boas relações com ele mas não tem filhos.

Um dia, depois de ouvir pela televisão relatos de estupros em massa na Bósnia e na Croácia, ela resolveu fundar uma ONG, Women for Women, para ajudar mulheres vítimas de conflitos. No primeiro ano, tinha 31 mulheres na lista. Hoje, a ONG já distribuiu US$ 102 milhões para 370 mil mulheres em vários países. Zainab foi homenageada pelo presidente Bill Clinton na Casa Branca, e a Women for Women foi reconhecida como uma das organizações mais influentes no socorro de vítimas de abusos em conflitos. Zainab se demitiu da direção para escrever e fazer conferências.

Contei a ela que os números sobre estupros no Brasil tinham acabado de sair e deram um salto, mas os números e o Brasil não estão no radar dela. Hoje, trabalha só com mulheres do Oriente Médio, onde as estatísticas de estupros e abusos sexuais são pouco confiáveis. Mulheres abusadas são ensinadas a se envergonhar de si mesmas e uma denúncia na polícia pode comprometer a honra da família. Nas regiões tribais, pais e irmãos ainda apedrejam filhas violentadas.

Os números sobre estupros são estuprados. Em algumas estatísticas, a Suécia é líder de estupros. As explicações são os imigrantes e os rígidos critérios suecos de definir estupros. O Brasil, com 26,9 estupros por 100 mil habitantes, tem o dobro de estupros do que o México. A pacífica Costa Rica, com 34 por 100 mil, é a campeã de estupros da América Latina. Roraima tem 52 por 100 mil, mas os números no Brasil são pouco confiáveis. O país está dividido em quatro regiões, de 1 a 4. As estatísticas da região 1 são as melhores, as da 4, as piores. Quanto mais pobre, maior a mentira das estatísticas. Nesta violência, a verdade não está nos números e Zainab não trabalha com estatísticas. Nos livros, ela conta histórias de poucas vítimas com fotos que apunhalam.

 

por Lucas Mendes

Um gigante à deriva

sex, 08/11/13
por Equipe Milênio |

 

 

Desde a guerra do Vietnã, o Pentágono tem um recorde perfeito nas previsões sobre qual seria a próxima guerra americana em seis meses ou um ano: errou todas. A citação está no livro Foreign Policy Begins at Home (“Política Externa Começa em Casa”), recém-lançado, do veterano diplomata e influente presidente do Council of Foreign Relations, Richard Haass. Com 92 anos e 5 mil afiliados de peso, o Council é o mais influente think tank americano na politica externa. Entre várias atividades, publica a revista bimensal Foreign Affairs, que acaba de comemorar 50 anos. Quando o Council aconselha, nem sempre é obedecido, mas seus conselhos sempre chegam aos ouvidos de quem decide.

Richard Haass aconselhou quatro presidentes: Jimmy Carter, Ronald Reagan, Bush pai e Bush filho. Escreveu ou editou 12 livros. Neste último, ele se aventura casa adentro numa trilha diferente e independente. Haass escreve que há dez anos a política externa americana esta à deriva. As guerras do Iraque e do Afeganistão diminuíram a liderança e o prestígio dos Estados Unidos. Hora de cair fora e repensar.

Oriente Médio? Consome mais diplomacia, tempo e dólares do que merece. O país deve concentrar suas atenções na região Ásia/Pacífico e no Ocidente. China, Japão e a vizinhança ocidental são as principais peças no tabuleiro de Haass. A Europa é previsível. “Para ele, a América Latina não tem importância, nem a Venezuela.”

América Latina? “Vai muito bem”, me disse ele durante uma entrevista nesta semana no Council. Não merece nem um capítulo no livro. Sobre o Brasil, há quatro referências irrelevantes. A Venezuela merece quatro citações curtas. Cuba nenhuma. Para um homem que passou anos com o presidente Reagan resolvendo problemas na Nicarágua, El Salvador e Honduras e crises menores na América Central, tudo lá foi bem resolvido, e se não foi, dane-se. Não tem importância. Nem a Venezuela.

Na política externa, os Estados Unidos devem pensar no mundo inteiro, focar em poucas regiões e só colocar botas no chão onde há interesses vitais em jogo. Síria? Iraque? Afeganistão? Países da Primavera Árabe? Não são vitais. Israel é vital.
Um Irã nuclear, um Paquistão em decomposição, uma Coreia do Norte destramelada? Problemões. Soluções? Só milagrosas. Estão fora do alcance americano. Entrar com armas e soldados? Negativo. Terrorismo? Vai estar conosco durante décadas, mas não em grande escala, como os ataques às torres.

A segunda parte do livro e a proposta do título dominaram a segunda parte da conversa. Para Haass, o mundo quer e depende da liderança americana, mas os Estados Unidos precisam colocar a casa em ordem. Segundo o que chama de “Doutrina da Restauração”, Haass acha que os americanos devem resolver cinco problemas domésticos essenciais: deficit, energia, educação, infraestrutura e imigração.

Perguntei a ele se a palavra “restauração” foi inspirada na Restauração Britânica, que trouxe a monarquia de volta à Grã-Bretanha no século 17. Ele achou graça, mas a Restauração Britânica é considerada um milagre e o que ele propõe para Washington não exige apenas um. Exige vários: aumentar e criar novos impostos, reduzir pensões, programas de assistências social e de saúde.
A conversa enrola. Vamos terminar com o Brasil. Porque não merece nenhuma referência importante no livro? Em parte porque vai bem, mas, diz ele, não tão bem como antes.

“O Brasil era o encanto dos emergentes. Nos últimos dois, três anos, perdeu muitas atrações.” Ele fala da desilusão dele e de um grupo de americanos numa viagem recente. Os superpoderes do Executivo assombraram Haass e a turma dele. Manda em tudo, intimida o investidor. A impressão da paisagem não foi melhor. O aeroporto do Galeão também assombrou pelo desconforto e decadência. Ele acha que a Copa e a Olimpíada podem diminuir ainda mais as atrações brasileiras.

Para Haass, o México é o novo Brasil. As novas atrações do vizinho pareciam irresistíveis: um novo e jovem presidente, abertura política, menos governo central, menos poderes das oligarquias, menos corrupção, reforma disto e daquilo. Promessa de crescimento a 4,5, 5% ao ano. Promessas.

No primeiro trimestre deste ano, o México cresceu 0,8%. O Brasil cresceu 0,6%. Os números confirmam: o México é o novo Brasil. Neste e noutros índices, estamos quase gêmeos, vamos de mal a pior. O próximo livro de Richard Haass merece um capítulo sobre a América Latina. Antes que ela vá para o brejo.

por Lucas Mendes

A Irmandade Muçulmana e a política no Oriente Médio

sex, 30/08/13
por Equipe Milênio |
categoria Programas

 

 

A crise política no Egito joga luzes sobre uma das mais influentes organizações no mundo árabe: a Irmandade Muçulmana. Já foi chamada de “mãe de todos os movimentos islamistas”, aqueles de ação político-religiosa pelo mundo. Nem sempre seus militantes agem de forma pacífica, embora hoje existam grupos islâmicos bem mais violentos do que a Irmandade em ação pelo mundo. Como os salafistas no Egito, a Al-Qaida em suas variações locais.

Criada no Egito há 85 anos, a Irmandade inspirou a cópia de organizações parecidas em outros países árabes, todas reprimidas ao longo dos anos pelos regimes autoritários da região. Hamas, por exemplo, na faixa de Gaza, surgiu da Irmandade. Com seus líderes periodicamente presos ou executados, a Irmandade sobreviveu na clandestinidade em vários países. Realizou trabalhos de assistência em comunidades pobres, onde ganhou o respeito que iria ajudá-la a ganhar votos, depois das revoltas populares conhecidas como Primavera Árabe.

Chegou ao poder no Egito, com maioria no Parlamento e presidência em mãos de seu ex-líder Mohamed Morsi. Até que um golpe militar afastou do poder o presidente e a Irmandade. Continua no poder na Tunísia, onde quem assumiu após rebelião popular foi a co-irmã An-Nahda. E na Líbia ainda em transição, a Irmandade tem considerável influência no governo provisório. Como tem entre as variadas forças de oposição em luta contra o regime de Bashar Assad na Síria. Para entender melhor essa organização tão influente na nova dinâmica do Oriente Médio, o Milênio procurou em Kent, perto de Londres, Alison Pargeter, autora de livro recém-atualizado sobre a Irmandade Muçulmana.

por Silio Boccanera

Uma fortaleza às margens do Mar Morto

sex, 12/07/13
por rodrigo.bodstein |

 

O Egito, o único país árabe a assinar um tratado de paz com Israel, vivenciou, em 2013, a derrubada pelas ruas do primeiro presidente eleito democraticamente e uma retomada dos militares. O suposto risco de um Irã nuclear continua a rondar a pauta da agenda internacional. A guerra civil na Síria se alonga por mais de dois anos e ameaça se espalhar pela região, principalmente para o Líbano. Enquanto isso, uma pequena “fortaleza”, detentora de um arsenal nuclear considerável e com um dos exércitos mais fortes do Oriente Médio, observa com atenção os desdobramentos dos conflitos vizinhos e está disposta a fazer de tudo para proteger seu território.

A preocupação territorial de Israel é uma consequência da sua história. Antes da formação do país houve uma tentativa, em 1919, de um acordo entre Faisal I do Iraque e Chaim Weizmann, da Organização Sionista Mundial, para establecer uma Terra de Israel na Palestina. Não deu certo. Gradualmente, a compra de terras e a exclusão dos árabes do processo produtivo criava polarização e oponência entre os dois lados. Nacionalismo árabe, sionismo judeu, pressão internacional após o Holocausto, colonialismo europeu na região, pobreza, exclusão, foram alguns fatores que contribuíram para o aumento da violência. A abordagem militarista ficou vinculada à questão de sobrevivência e os objetivos territoriais tornaram-se estratégicos.

Em 1948, logo após Ben Gurion declarar a independência de Israel em Tel Aviv, os árabes atacaram. Depois de décadas de ocupação britânica sobre aquele território e de uma declaração que não reconheceram, parecia ser o momento certo, mas Israel saiu vitorioso. Os sabras, judeus nascidos nos Kibutz e nas fazendas tornaram-se símbolo da força do novo país. O termo se refere a uma fruta que cresce nos cactos da região e que é dura e espinhosa por fora, mas doce por dentro.

Nas décadas seguintes, o país manteve os espinhos afiados e voltados para fora enquanto se tornava um oásis de desenvolvimento e tecnologia na região. Quase uma dezena de guerras depois – e alguns esforços de acordos de paz – Israel ainda briga por seu território e mantém uma relação conturbada com os palestinos. Em 2013, sessenta e cinco anos depois da fundação do país, o governo deciciu retomar os assentamentos na área E1 em Jerusalém Ocidental em uma tentativa de evitar que fosse formado um Estado Palestino contíguo.

Patrick Tyler, um veterano correspondente do New York Times e do Washington Post que passou boa parte da vida profissional no Oriente Médio, considera que o maior desafio para a paz em Israel é superar esse militarismo e que “desde o início havia uma ambição entre os líderes que precisariam de mais terra e que haveriam fases de guerra. O primeiro seria em 1948, mas logo haveria outros.” As Colinas de Golan, o Rio Jordão, a Galileia, o Negev, o território do Líbano até o Rio Latani, esses eram alguns dos territórios-chave para as lideranças que moldaram o Estado de Israel.

Mesmo com guerras, Intifadas, ataques preemptivos, foguetes cruzando os céus, muros dividindo a população, elementos presentes na relação entre palestinos e israelenses, Tyler afirma que a paz é possível. Sugere, como caminho, o desenvolvimento de instituições, em paralelo ao establishment militar, que busquem a negociação e a acomodação dos interesses para resolver um dos mais importantes conflitos do nosso tempo localizado no centro de uma das regiões mais instáveis do planeta. Em entrevista ao Milênio, Tyler oferece uma análise sobre as linhas de força que moldaram a percepção dos governantes de Estado de Israel – uma fortaleza às margens do mar morto – e sobre as perspectivas de paz na região.

 

por Rodrigo Bodstein

Uma história em movimento

qua, 20/03/13
por Equipe Milênio |

 

 

 

Quando ouve ,ou lê o nome Irã antes mesmo de ouvir o tema da matéria de rádio de visualizar a foto do artigo de jornal, da internet ou de ver as imagens da reportagem de tevê, o que lhe vem à cabeça? Multidões de preto nas ruas de Teerã, homens separados das mulheres, essas últimas com o corpo a cabeça e o rosto cobertos, protegidos dos olhares? Um religioso barbado, de expressão dura e discurso forte? Alguma autoflagelação talvez? Um discurso do presidente Ahmadinejad almadiçoando Estados Unidos e Israel, instalações nucleares? Para boa parte das audiências mundiais, são essas as traduções mais óbvias do Irã. Também são as mais recorrentes no fluxo noticioso que as principais agências internacionais, basicamente inglesas e americanas, distribuem diariamente a jornalistas de todo o planeta. E faz até algum sentido. Afinal, desde a revolução que derrubou a monarquia do Xá Reza Pahlevi em 1979, quando muçulmanos xiitas liderados pelo aiatolá Khomeini implantaram um governo teocrático, boa parte do que saiu do Irã para o mundo estava diretamente ligado à temática religiosa. Mas obviamente um país com uma história milenar como o Irã, a antiga Pérsia, é muito mais do que a terra dos aiatolás.

Desde os anos 90 do século passado a rica e variada filmografia iraniana, que cativou seguidores mundo afora, já indicava algo neste sentido. Já nos anos dois mil, gente como a quadrinista Marjane Satrapi, a autora da aclamada série Persépolis radicada na Europa, ajudou a escancarar ainda mais o que começou como uma brecha de percepção, por assim dizer. E na era da comunicação instantânea, não são poucos os exemplos a confirmar a complexidade cultural, social e até mesmo político-religiosa do Irã. Que o digam os milhares de blogs alimentando o país e o mundo de informações as mais diversas. É nesse contexto que se enquadra o professor Touraj Atabaki, um entre os milhares de iranianos que tiveram que sair do país para seguir exercendo sua atividade intelectual. No caso dele, a pesquisa histórica.

O professor Atabaki é hoje titular da cadeira de Estudos da História Social do Oriente Médio e Ásia Central da Universidade de Amsterdã, na Holanda, e desenvolve um sem-número de pesquisas sobre a construção das sociedades. Do Irã, mas também do Azerbaijão, da Geórgia, do Tadjiquistão e do Turcmenistão, para citar apenas alguns de seus objetos de estudo. Foi este intelectual de sólida formação, professor convidado em Oxford e agraciado com uma série de prêmios internacionais que eu encontrei para uma entrevista, numa recente visita ao Brasil, onde era convidado de um seminário promovido no Rio pela Fundação Getúlio Vargas. E o homem que me recebeu com um sorriso no saguão do prédio da FGV vizinho à Igreja da Candelária não poderia estar mais longe de qualquer estereótipo de iraniano que eu pudesse ter imaginado. Fala calma, ainda que intensa, objetiva e veemente, o professor Atabaki demonstrou logo duas características: a paciência e a tranqüilidade.

Ambas foram necessárias inclusive para garantir a realização da entrevista, já que num desdobramento tipicamente brasileiro, descobrimos que a sala reservada para a gravação estava na verdade sendo usada para uma aula. O tempo corria, o professor tinha outros compromissos e o local sugerido como alternativa no prédio era barulhento demais. A solução, assim como o problema, foi bem brasileira: improvisamos e gravamos na rua de pedestres adjacente ao prédio.

E lá fomos nós para um exercício de caminhada jornalística. O professor parecia se divertir e lembrou que já havia sido entrevistado em condições semelhantes pela BBC de Londres. Estava portanto à vontade. Tão à vontade que não se furtou de nenhum tema e não pareceu se incomodar com nenhuma pergunta. Falou da formação histórica do país, dos desmandos da era do Xá e das condições que propiciaram o advento da revolução islâmica. Revolução aliás, que ele acredita só ter tido o caráter religioso porque outros setores da sociedade que também se opunham ao xá e ajudaram a derrubar a monarquia estavam menos organizados do que os xiitas. Falou ainda das tensas relações do regime iraniano com o mundo ocidental, das supostas pretensões nucleares de Teerã, que ele minimiza, e da necessidade de diálogo.

Em nenhum momento se queixou ou externou alguma mágoa ou ressentimento. Mais do que isso até, durante toda a nossa conversa, ficou claro que o professor alimenta a esperança, que também poderia ser definida como certeza, de que o regime teocrático dos aiatolás, por mais forte e fechado que possa parecer, não está imune aos avanços da sociedade. E é bem menos importante do que o potencial que a bagagem histórica do Irã permitem vislumbrar. Por isso mesmo, para o professor, esse regime é passageiro.

 

por Marcelo Lins

Entre a lei divina e a dos homens

sex, 15/03/13
por rodrigo.bodstein |
categoria Programas

 

No próximo Milênio, uma perspectiva histórica sobre o Irã. Marcelo Lins entrevista o intelectual iraniano Touraj Atabaki sobre os processos que moldaram o país nas últimas décadas. Segunda-feira, às 23h30, na Globo News. 
 

O desafio de estabelecer regras para a boa convivência e para o bem comum é algo que acompanha a humanidade desde o início. Em todas as tentativas de organização social há uma busca por distinguir o certo do errado, obrigações individuais e coletivas e, enfim, o padrão de comportamento que cada grupo estabelece como seu. Junto a isso, uma série de valores, tradições, religiões, leis e culturas surgiram e proporcionaram experiências históricas diferentes.

Ao determinar as regras do jogo, define-se também quem faz parte do tabuleiro, o que é justo ou injusto e são formadas as relações de poder que vão moldar as tensões daquela sociedade. Na busca por resolver essas  questões, o embate entre a lei natural – definida pelos deuses em alguns casos – e a lei dos homens, ou direito positivo, perpassou a história.

Sófocles – um dos mais importantes dramaturgos da Grécia Antiga – explorou esse conflito na tragédia de Antígona. Na peça, o rei Creonte determina que um dos irmãos de Antígona fosse jogado aos abutres – algo impensável para a tradição grega, que pedia um sepultamento apropriado para que a alma fizesse a travessia – e ela decide desafiar a ordem do rei. Na visão dos Gregos, não se podia enfrentar os deuses sem sair impune e Creonte acaba perdendo toda sua família.

Milhares de anos depois, a escolha entre as leis naturais e positivas continua. Enquanto alguns países priorizam o direito no âmbito do Estado, outros escolheram – como no caso dos países muçulmanos – resolver suas disputas com base na lei antiga. No Irã, a Revolução de 1979, liderada por aiatolá Khomeini e com grande apoio popular, derrubou o governo ocidentalizado do Xá Reza Pahlevi e decidiu que o caminho era retomar a lei natural e islamizar a política, mas, segundo o historiador Touraj Atabaki, o resultado foi uma politização do Islã e, curiosamente, um distanciamento entre as pessoas e a religião.

O Irã tem uma cultura tão antiga e rica quanto a grega, mas, recentemente, nos acostumamos a ver um Irã às vezes agressivo e, quase sempre, em discussões sobre o destino do seu programa nuclear. Este ano pode ser um ano crucial para o país de Ahmadinejad. Em junho, ocorrerão eleições presidenciais – que, em 2009, despertaram protestos e conflitos com a oposição -, além disso a saúde do aiatolá Khamenei pode levar a uma disputa interna feroz pelo poder e influenciar a relação do país com o mundo. Por último, a crise nuclear está próxima de seu ponto crítico.

Compreender o Irã e ter uma perspectiva histórica sobre os processos que moldaram o país nas últimas décadas torna-se imprescindível. Para isso, o Milênio de segunda-feira conversa com o acadêmico iraniano Touraj Atabaki, professor do departamento de História da Universidade de Amsterdã e pesquisador do Instituto Internacional de História Social. Segunda-feira, 18 de março, às 23h30, no Milênio.

 
por Rodrigo Bodstein 

 

O Oriente Médio visto do Líbano

qua, 13/03/13
por Equipe Milênio |

 

As análises de Rami Khouri sobre os eventos no mundo árabe podem ser lidas regularmente no jornal libanês Daily Star, que tem versão em língua inglesa, para quem não lê em árabe. Já o acompanhava há algum tempo nas páginas e por isso achei que seria um entrevistado com boa contribuição a dar ao Milênio. Como de fato foi.

Difícil era acomodar a agenda dele com a nossa, entre as muitas viagens de parte a parte. Iríamos a Beirute encontrá-lo, sim, mas obviamente ele não poderia estar em uma de suas muitas jornadas fora do país. Como nas ocasiões em que dá aulas na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Ou palestras pela Europa. Conseguimos acertar as agendas e só corremos o risco de perder o encontro porque visitante brasileiro, mesmo não sendo em primeira viagem, tende a subestimar a capacidade de engarrafamento do trânsito de Beirute.

A capital libanesa virou versão piorada de São Paulo. Ainda mais porque a cidade milenar (acabaram de encontrar ruínas de 5 mil anos atrás), abalada por muitas guerras, vive em processo de reconstrução de ruas e prédios (muitos destes em duvidoso estilo Miami-Barra da Tijuca). Motoristas locais, muitos deles com aprendizado prático em tempos de bombardeio à cidade, ainda não se familiarizaram com algo parecido a um código de trânsito. O que predomina é a criatividade de cada um.

Khouri nos recebeu na universidade (mais antiga do que qualquer das brasileiras) para uma longa conversa, resumida no Milênio, com análises sobre o mundo árabe e o Oriente Médio em geral. Em troca, Khouri mostrou interesse pelo processo de democratização da América Latina, após o fim das ditaduras militares, com os paralelos e às diferenças em relação ao que se passa hoje na parte do mundo onde ele vive. Uma lição, pelo menos, podemos sugerir como resultado do processo latino-americano: paciência, porque a abertura democrática se desenrola aos poucos. Ainda está em andamento.

O medo dos militares voltarem ao poder leva tempo para se dissolver, a sociedade civil (sindicatos, grupos de pressão, ONGs, organizações profissionais, etc. demoram a se constituir), os meios de comunicação custam a se desvencilhar de hábitos criados em tempos de censura, as escolas só aos poucos substituem currículos envenenados por ensino legítimo, e novas constituições exigem tempo para preparar.

Neste último ponto, não custa lembrar que a nova Constituição do Brasil democratizado só saiu três anos após o fim do regime militar, ao passo que os egípcios hoje se engalfinham para ter uma nova carta em poucos meses. Calma, gente. História não se copia, mas a experiência de outros ajuda a apontar caminhos.

por Silio Boccanera

Uma visão árabe sobre o mundo árabe

sex, 08/03/13
por rodrigo.bodstein |

 

No próximo Milênio, uma visão árabe sobre o mundo árabe. Silio Boccanera entrevista o jornalista e cientista político libanês Rami Khouri, em Beirute. Segunda-feira, às 23h30, na Globo News.

As notícias que chegam do Oriente Médio retratam uma região tomada pelo conflito e deixam esquecida uma história rica, que começa 10.000 anos antes de Cristo e que presenciou grandes impérios e culturas. A visão Ocidental sobre a região – o termo Oriente Médio foi cunhado por Alfred Mahan, um geoestrategista americano – acaba ficando marcada pela violência, por discussões sobre petróleo e por questões relacionadas a radicais islâmicos.

Na última semana, por exemplo, pelo menos cinco aviões da Força Aérea de Israel invadiram o espaço aéreo libanês, violando uma resolução da ONU, e houve relatos de maus tratos a menores palestinos detidos em prisões israelenses. Quase ao mesmo tempo, um carro bomba explodiu no Iêmen e matou 12 integrantes de uma milícia pró-governo – renovando a disputa por poder depois da queda de Abdullah Saleh -. Um pouco mais ao Sul, uma corte decidiu que as eleições de abril no Egito seriam suspensas e o país está cada vez mais dividido entre islamistas e secularistas, cisão que já custou a vida de 70 pessoas só no último mês. No Iraque, 40 soldados de Bashar al-Assad foram assassinados, após fugirem de um ataque da oposição. Pouco tempo depois, insurgentes sírios capturaram 20 soldados da ONU nas colinas de Golan, o que aumentou a preocupação de o conflito estar se espalhando para além das fronteiras do país.

Se a violência não tomou conta de outras nações, com certeza o custo humano da guerra civil, sim. Segundo a Organização das Nações Unidas, o número de refugiados atingiu a marca de 1 milhão na última quarta-feira, com a chegada de uma mulher de 19 anos chamada Bushra e seus dois filhos ao Líbano. Para Rami Khouri, entrevistado do Milênio desta segunda, “o conflito sírio é a maior guerra por procuração desde o Vietnã.”, mas ressalta que nenhum país no entorno – Turquia, Jordânia ou mesmo o Líbano – vai permitir que o conflito ultrapasse essas fronteiras.

O Líbano ainda se recupera de recente história de luta sectária e de guerra civil brutal, que tomou conta do país entre 1975 e 1990, com intervenção de Israel, Síria e Nações Unidas. O Chefe da Câmara de Comércio de Beirute, Mohammad Choukeir, disse ao jornal libanês Daily Star, na última quarta-feira, que a economia está na pior fase desde a assinatura dos acordos de paz. A afirmação foi feita no contexto de uma greve que afeta diversos setores, como o turismo, mas pesquisas recentes apontam para a descoberta de reservas de gás maiores do que as da Síria e de Chipre, o que pode dar novo fôlego ao país.

O repórter Silio Boccanera viajou ao Líbano para conversar com diretor do Instituto Issam Fares de Políticas Públicas e Relações Internacionais na Universidade Americana de Beirute, o jornalista e cientista político Rami Khouri. Vencedor do prêmio Eliav Sartawi, em 2004, por jornalismo no Oriente Médio e um dos premiados com o Pax Christi International Peace, por seus esforços pela paz e reconciliação, ele possui mais de quatro décadas de experiência de trabalho e pesquisa na região. No próximo Milênio, Rami Khouri nos oferece uma visão árabe sobre o mundo árabe. Segunda-feira, 11 de março, às 23h30, no Milênio.


por Rodrigo Bodstein

Um porto de ideias

sex, 15/02/13
por Equipe Milênio |

 

 

 

O plano era ir até o cais do porto, coração do Festival do Rio, um dos grandes acontecimentos, talvez o maior, da cidade. Lá, num dos imensos armazéns de frente para o mar, as mercadorias não são mais fardos, sacos e contêineres. Deram lugar a idéias e imagens. E nesse contexto, o objetivo era encontrar um dos expoentes do cinema de Israel atual, o diretor Eran Riklis. Instigante e bem-humorado na obra e carrancudo na imagem. Pelo que eu conhecia de filmes dele como “Noiva síria” , “Lemon tree” e “A missão do gerente de recursos humanos” e das entrevistas pescada pela internet, achei as definições razoavelmente adequadas, era como eu via o homem. Ao encontrar o sorridente careca, mais para o rechonchudo e com cara de bonachão, logo vi que “carrancudo”  não se aplicava. Riklis foi uma simpatia do início ao fim do nosso papo. E pude, aí sim, reparar em outra característica evidente: a veemência e assertividade na defesa de um certo tipo de cinema, no caso o dele. Autoral, por vezes ácido, político, sem medo de meter o dedo em feridas várias.

O diretor israelense aparenta bem menos do que os 58 anos que tem e demonstra ser apaixonado pelo que faz. E o que faz é levantar grandes questões, do Oriente Médio, do ser humano, da fraternidade, do amor, a partir de histórias de pessoas. Do micro ao macro, na ótica de um cidadão de Israel que viveu em vários países mas mantém Tel-Aviv como base, lutou na Guerra do Yom Kippur. Um quase sessentão que tem esperança em soluções para questões delicadas, como a relação com os palestinos e o mundo árabe, e que entre muitas dúvidas, tem pelo menos uma grande certeza: não devemos nos levar sério demais.

Estava lá na biografia do Riklis “viveu alguns anos no Rio de Janeiro..”. E ele confirma, foram três esses anos, na virada dos anos 60 para os 70, com o Brasil em plena ditadura militar e o mundo de olho na Guerra do Vietnã. Ele é, com orgulho, ex-aluno de uma excelente professora de literatura da Escola Americana, estabelecimento caro que reúne filhos da elite carioca e de diversas comunidades estrangeiras na cidade. E diz que ali, no convívio com essa mistura, ao lado da Favela da Rocinha, foi se formando o cineasta que ele se tornou. Além dessa informação fundamental, daquela época sobraram algumas palavras arranhadas num português carregado de sotaque e a mudança de uma percepção: Riklis disse que na juventude o Rio, o Brasil, parecia um lugar bom, que tinha tudo para ser excelente e dá a entender que hoje, há avanços importantes. A impressão sobre o conturbado Oriente Médio confirma um otimismo esperançoso. O isralense acha que com algum entendimento, a região pode bombar. E não no sentido bélico.

Na tarde calorenta do cais do porto, Eran Riklis, que teve formação cinematográfica na Inglaterra, diz que acha seu cinema mais parecido com o que se faz na França. Lembra que a discussão política está no centro da atividade cultural, mas não rejeita fazer uma superprodução hollywoodiana. E encerra o papo enaltecendo a importância do humor, mesmo quando se fala de coisa séria.

 por Marcelo Lins

A dimensão humana do conflito

sex, 08/02/13
por rodrigo.bodstein |

 

Na próxima segunda-feira, Marcelo Lins entrevista o cineasta israelense Eran Riklis que, em seus filmes, promove um olhar que estimula a reflexão e o diálogo sem perder a profundidade da dimensão humana das tensões políticas no Oriente Médio. Dia 11 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

 

As notícias que chegam do Oriente Médio, em geral, mostram uma região dividida e, quase sempre, a um fio de um conflito. Pouco antes de ser reeleito, em janeiro, Benjamin Netanyahu determinou a retomada da construção dos assentamentos em Jerusalém Oriental  e na Cisjordânia. Essa medida compromete o estabelecimento de um Estado Palestino contíguo e veio acompanhada de um corte nas transferências de recursos à Autoridade Palestina e de um protesto das Nações Unidas.

Esse foi apenas mais um capítulo da difícil convivência entre israelenses e palestinos em um território do tamanho do estado de Sergipe. As dimensões pequenas e a proximidade com países que não necessariamente querem a existência de Israel foram argumentos usados para a postura de constante defesa e militarização da relação com os vizinhos. A sobrevivência, normalmente, é um argumento aceito e útil na política.

Pouco tempo depois de retomar os assentamentos, um ataque aéreo preemptivo israelense contra um centro de pesquisa militar no território Sírio, levou a ameaças de retaliação por parte do Irã e da Síria, o que torna ainda mais presente o risco do conflito se alastrar pela região. E, após três anos de pesquisa, foi divulgado esta semana um estudo mostrando que a divisão chega até mesmo aos livros escolares. Israelenses e Palestinos são educados para reconhecer o outro como inimigo.

Teorias políticas, discursos religiosos, ideologias, tudo isso funciona como óculos para enxergar a realidade. O mesmo fato pode ser contado e interpretado de acordo com a lente que se usa, que, por sua vez, é escolhida com um interesse específico e traz conseqüências distintas. Da mesma forma, no cinema, é possível filmar a mesma cena ou contar a mesma história de, pelo menos, 7 bilhões de maneiras diferentes, já que cada pessoa enxergará e interpretará o texto de um jeito.

E, em meio a tantos olhares tomados pelo radicalismo, o cineasta Eran Riklis nos oferece, com seus filmes, uma visão otimista e humana que, com um toque de humor, nos conduz em um mergulho profundo nesse mar turbulento das relações políticas e pessoais daquela parte do Oriente Médio ou, como ele mesmo diz,“não faço filmes políticos, faço observações de situações políticas e sobre pessoas presas em situações políticas.”

O Milênio da próxima semana conversa com o diretor israelense Eran Riklis e tenta mostrar um outro lado para este debate polarizado. Um olhar que promove a reflexão e o diálogo e que acredita ser possível encontrar um caminho para, nas palavras de Riklis “criar talvez não o paraíso, mas algo bem próximo disso no Oriente Médio.” Segunda-feira, 11 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

 

por Rodrigo Bodstein



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