qua, 19/03/14
por rodrigo.bodstein |
Eu sempre tenho uma queda pelos “contrarians“. Daí me encantei pelo Jaron Lanier, que em dois ótimos livros, You are not a gadget (mal traduzido para Você não é um aplicativo) e Who owns the future, demoliu o oba-oba em torno da Web 2.0, as redes sociais e outros modismos. Achava que a crítica do Jaron era a mais radical que se poderia fazer ao atual modelo de exploração da rede pelos Barões da Nuvem.
Mas meu queixo caiu quando descobri os livros do Evgeny Morozov. Primeiro, The Net Delulsion, the dark side of Internet Freedom, onde ele mostra que, ao contrário de ser automaticamente um instrumento de libertação, a Internet é usada por regimes autoritários para se fortalecer. No segundo, To save everything click here, the folly of technological solutionism, Morozov vai muito mais fundo. Fundamentado nos trabalhos do filósofo da tecnologia Bruno Latour (com quem fiz há muitos anos um ótimo Milênio, infelizmente não disponível na globo.com), Morozov faz com muito humor e análise aguda uma desconstrução dos mitos e lugares-comuns em torno da Internet e seus usos.
Não cabe aqui resumir o livro: recomendo a leitura atenta – é denso e altamente satisfatório. Leitura em inglês, claro, pois, que eu saiba, os livros do Morozov não foram publicados no Brasil – incrível! Pessoalmente ele é intenso, engajado, bem humorado e pronto para entrar numa bate-papo sobre ideias. Um craque. Nascido na Bielorússia, emigrou para a Alemanha e depois para os Estados Unidos. Foi pesquisador em Stanford e agora está em Harvard. E ainda não tem 30 anos!
A entrevista foi gravada na Science House, a agradável casa em Murray Hill mantida por James Jorasch e Rita King, numa townhouse tombada que foi de um dos filhos de Abraham Lincoln. No fundo, atrás de Morozov, um mapa-múndi onde estão assinaladas as cidades (inclusive no Brasil) onde escolas públicas receberam microscópios e kits de estudo de Ciência enviados pela Science House. Um fundo apropriado para a amplidão das ideias do jovem pensador.
por Jorge Pontual
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qua, 17/07/13
por Equipe Milênio |
Como é que você imagina o paraíso? Para alguns: anjos, cada um na sua nuvem. Outros: 72 virgens para cada mártir! Pra quase todos, um lugar branco, diáfano, meio entendiante e eterno… Mas eu cresci com uma ideia diferente do paraíso, tirada do Jardim das Delícias do pintor holandês Hyeronimus Bosch, que vi no Prado em Madri e em reproduções. Tinha um poster dele ao pé da cama. No paraíso de Bosch, passarinhos gigantes brincam com homens e mulheres nus, casais se beijam dentro de frutas, grupos alegres fazem amor montados em unicórnios. Todos os sexos e raças se cruzam, tudo é permitido e infinitamente prazeiroso. Não há pecado nem violência. Nem virgens. Todos são felizes.
O primatólogo holandês Frans de Waal nasceu na mesma cidade do pintor, ‘s-Hertogenbosch. Não me perguntem como se pronuncia. É uma semana mais velho que eu, nascido em Belo Horizonte. Temos em comum a paixão pelo Jardim das Delícias. De Waal dedicou sua vida ao estudo dos “great apes”, os grandes primatas, nossos primos mais próximos na árvore da Evolução das Espécies. Há 32 anos mudou-se para os Estados Unidos, onde dirige um centro de estudos de primatas perto de Atlanta. Conquistou o público americano com uma série de livros onde mostra o que temos em comum com chimpanzés e outros parentes nossos, como os pequenos bonobos do Congo.
Seu último livro, O Bonobo e o Ateu (de Waal é o ateu), começa e termina com uma meditação sobre o Jardim das Delícias de Bosch. O dia-a-dia dos bonobos, que vivem para o prazer numa sociedade matriarcal, onde todo mundo transa com todo mundo, lembra muito o paraíso de Bosch. Não é o nosso mundo, nem o dos chimpanzés — patriarcais e hierárquicos, violentos e traiçoeiros, como nós.
Mas temos em comum, com chimpanzés e bonobos, a concepção do que é certo e errado, o comportamento ético, noções de altruísmo, coletividade, respeito ao próximo. O ateu (o autor) argumenta que não são as religiões, não é Deus, quem instila esses valores no ser humano. São resultado necessário da evolução de mamíferos altamente sociáveis que dependem do grupo para sobreviver. Concordando ou não, é certamente uma delícia seguir o raciocínio e as histórias contadas por de Waal, que vai fundo no conhecimento dos primatas para entender melhor o ser humano.
por Jorge Pontual
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seg, 15/07/13
por rodrigo.bodstein |
Hoje, às 23h30, na Globo News, Jorge Pontual entrevista o primatólogo e etnologista Frans de Waal sobre o fundamento biológico da moral.
Existe moral sem religião? Existe moral antes mesmo de que tomemos consciência da nossa condição humana? Em uma época em que as hierarquias são corroídas, em que tudo aquilo que impõe sentido ou alguma ordem para o mundo é recebido com uma certa dose de ironia e em que identidades são cada vez mais flexíveis, um questionamento necessário é: até que ponto os valores que regem a vida em sociedade são produto de uma construção social ou têm um fundamento biológico?
Para Frans de Waal, muitas das respostas podem ser encontradas ao observarmos os símios. Etnologista e primatólogo, de Waal começou a carreira na década de 1970 e logo em seu primeiro livro, Chimpanzee Politics, mostrava a ligação entre o comportamento dos chimpanzés e o pensamento maquiavélico e a proximidade entre eles e a política como conhecemos. A partir dessa ponte surgiu uma série de pesquisas sobre resolução de conflitos e outros temas relacionados.
Algumas décadas depois, ele se voltou para os Bonobos, uma espécie pacífica e organizada socialmente em matriarcado, para testar sua hipótese de que a moralidade é muito mais antiga do que os humanos. Entre as bases para o argumento está a empatia que alguns mamíferos possuem e a capacidade responder às emoções. O homo sapiens deixa de ser o ápice da cadeia evolutiva e passa a ser apenas um primata diferente, interconectado a uma história genética que ultrapassa os limites da nossa espécie.
Atualmente, de Waal busca ir além do humano e daquilo que nos divide. A proposta é ambiciosa: um debate sobre a moral que se afaste da polarização entre ateus e religiosos que, no decorrer do processo, pode nos ajudar a entender o que significa ser humano. Saiba mais hoje, às 23h30, no Milênio.
por Rodrigo Bodstein
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qua, 28/03/12
por Equipe Milênio |
Ao longo dos últimos 15 anos tive a sorte de fazer muitas entrevistas com professores de Harvard: John Kenneth Galbraith, Steven Pinker, Samantha Power, Christoph Wolff, Richard Wrangham, Janet Browne, Niall Ferguson, Louise Richardson, Kenneth Maxwell e outros que não lembro agora. Sumidades em suas áreas. Harvard é um centro de excelência e foi com muito orgulho que estive com a família na formatura da minha filha Teca, em 2008, na Harvard Graduate School of Education.
Mas, ninguém simboliza o que é Harvard como Michael Sandel, o mais famoso professor da universidade. Há 30 anos ele leciona para os alunos do primeiro ano o curso Justiça, agora divulgado numa série de videos pela Internet. Quando Sandel viaja à China e ao Japão, para dar aulas, é tratado como um rock star e lota estádios. Virá ao Brasil, em agosto, para uma série de três palestras. Visitará Fortaleza, São Paulo e Brasília nos dias 4, 7 e 8 de agosto, respectivamente.
Cheguei cedo para a entrevista com o repórter cinematográfico Guilherme Machado. Enquanto Gui armava as três cameras, fui comer no refeitório e passei por uma experiência bem típica de Harvard. Depois de comer, fui jogar no lixo a embalagem e o que restou do sanduíche. Dois jovens estudantes, uma moça e um rapaz, me abordaram gentilmente e perguntaram se eu topava conversar com eles sobre como distribuir meu lixo entre os vários recipientes disponíveis: um para lixo reciclável, outro para lixo “compostável” e um terceiro para o lixo que não se enquadra nas duas categorias anteriores. Debatemos os méritos de cada item até decidir onde jogá-los. Foi muito instrutivo e agradável. Normalmente eu reagiria mal a qualquer ordem sobre como dispor do meu lixo. Jogar tudo fora sem pensar é um velho hábito, mas Harvard achou um jeito simpático de mudar meus hábitos. Claro que não é exclusivo de Harvard, mas em nenhum outro lugar nos Estados Unidos, até agora, passei por essa situação.
Foi um bom exemplo do que Michael Sandel faz com os alunos e do que fez neste Milênio: cada ação nossa é resultado de uma escolha e cada escolha merece ser examinada, discutida e revista. Este é o sentido da ética, da liberdade e da vida em sociedade. Uma boa lição.
por Jorge Pontual
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qui, 22/03/12
por rodrigo.bodstein |
No Milênio da próxima segunda-feira, saiba mais sobre o poder transformador da filosofia política e a importância de nos questionarmos constantemente sobre nossa realidade. Não perca a entrevista que Jorge Pontual fez com o filósofo Michael Sandel para o Milênio! Dia 26/03, às 23h30, na Globo News.
Ao lermos as notícias, parece que o mundo está caminhando para um cenário apocalíptico. Alguns países anunciam a intenção de entrar em guerra, enquanto outros estão envolvidos em batalhas difíceis de serem justificadas. Discute-se a intervenção militar para derrubar regimes ditatoriais. O combate à crise econômica, que perdura desde 2008, traz, a cada novo pacote de austeridade, manifestações e duros confrontos com as forças policiais que tentam manter a frágil ordem que ainda existe. O consumismo e a obsessão por crescimento econômico perpassam o tecido social e pressionam o limite dos recursos naturais do planeta. Casos de corrupção surgem por todos os cantos, sem fazer distinção entre governos. Enquanto isso, pessoas morrem de fome. Cada decisão, seja no nível internacional ou no cotidiano, afeta outras pessoas. Como, então, separar a política da moral? Qual é o propósito da política?
Nesse contexto em que o debate tornou-se cada vez mais tecnocrático e, ao mesmo tempo, crucial para a vida no e do planeta, Michael Sandel traz uma reflexão sobre a natureza do fazer político, do exercício do diálogo e do enfrentamento construtivo de ideias e posições que determinam a nossa realidade. Devemos basear nosso cálculo puramente em custos e benefícios? Devemos considerar a liberdade de cada um como algo absoluto e não interferir? Ou temos um dever moral que deve nos guiar? Devemos ser utilitaristas, libertários ou humanistas? Diante de um momento decisivo e de questões específicas, cada pessoa terá sua resposta para essas perguntas. O mais importante é o exercício da reflexão sobre a ética, a moral e a política. Como Sandel coloca “sentir a força dessa confusão e a pressão para resolvê–la é o que nos impulsiona a filosofar.” e ele vai além ao afirmar que “a reflexão moral não é uma busca individual e sim coletiva.”
Determinar o que é certo ou errado é quase impossível sem estar dentro da situação, sem ver todas as variáveis que podem influenciar a decisão, mas questionar é um dever cívico. É um exercício de cidadania e de respeito a si próprio e à sociedade em que vivemos. Em linhas gerais, Sandel afirma que se precisarmos escolher entre falar ou não falar é melhor optarmos pelo primeiro. O não falar dá espaço para ideologias e dogmas. Engessa as escolhas. Cria frases como “sempre foi assim”, “as coisas são desse jeito”, etc. Ao fazer isso, abre caminho para abusos de poder, abusos morais, para uma compreensão que as instituições que temos são as únicas possíveis e restringe nossa capacidade de pensar novas soluções para a vida em sociedade. A busca, como bem diz Sandel, é coletiva, mas depende do esforço individual. Somos mais do que consumidores ou eleitores. Somos mais do que reféns de situações intransponíveis. Somos humanos.
por Rodrigo Bodstein
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