20 minutos com Julian Assange
Muitas são as perguntas a fazer a Julian Assange, a começar pelas razões que fazem dele um personagem tão controverso: o vazamento de documentos secretos de Estado no WikiLeaks servem ou não para fazer avançar a liberdade de imprensa, são ou não positivos para a democracia?
São perguntas que me assaltam a caminho da embaixada do Equador em Londres e se misturam a lembranças de uma era ainda pré-WikiLeaks, quando fotos tenebrosas vazadas para a mídia internacional correram o mundo, mostrando soldados americanos torturando prisioneiros iraquianos.
Gostaria muito de discutir essas questões com ele. Pertenço a uma categoria de profissionais que reconhece no trabalho de Assange, independente de qualquer tipo de julgamento, um momento marcante na história do jornalismo contemporâneo, porque sua filosofia se apoia num princípio incômodo, que funciona mais ou menos como um termômetro do modus operandi de nossa profissão: segredos são feitos para serem desvendados.
Não fosse assim, e o Primeiro Ministro Mariano Rajoy não teria agora que explicar aos espanhóis o que faz o seu nome entre os beneficiários de depósitos polpudos que constam no “livro secreto” do tesoureiro de seu Partido Popular, apenas para mencionar um escândalo recente que me assalta agora, no momento em que escrevo essas linhas, assim como as fotos das torturas e humilhações de prisioneiros iraquianos me assaltaram em Londres.
Segredos. Fontes. E a preservação das fontes. Que tipo de sentimentos sofre um profissional quando uma de suas fontes secretas amarga uma prisão desumana pelas informações que passou? Como teria sido possível que o soldado Bradley Manning terminasse sendo vítima de hackers – os que trabalham para a CIA?
Sim, eu gostaria muito de discutir essas questões com ele.
Mas não haverá tempo para discussões. Na sala de reuniões da pequena e modesta Embaixada do Equador para a qual Paulo Pimentel e eu somos conduzidos, a porta se fecha e uma voz se levanta: “você está ciente de que Julian Assange vai falar nessa entrevista exclusivamente sobre seu livro”? De pronto, respondo ter deixado claro, na troca de correspondência com a editora Boitempo, dona dos direitos de sua publicação no Brasil, que mesmo considerando interessante o conteúdo do livro eu tinha outras perguntas a fazer e não pretendia que fossem censuradas.
Começo perturbador. Na sala de reuniões, um segundo jovem sorridente de longos cabelos avisa que vai gravar a nossa gravação da entrevista. Esta é a sua função no staff de Assange: registrar com sua câmera tudo o que acontece com ele. “Bem,” argumentamos, “é um pouco incômodo, mas”… Mais incômoda ainda será a pressão de um terceiro membro da equipe, que abre e fecha a porta por três ou quatro vezes, pedindo que aceleremos a montagem dos equipamentos de câmera e luz. Assange não tem muito tempo, porque vai conceder mais entrevistas a jornalistas brasileiros depois da nossa. O rapaz adverte que não haverá contemplação para além dos vinte minutos que nos foram reservados. Ainda mais perturbador.
Finalmente entra Assange. Um homem magro, pálido, com cabelos lisos e brancos em abundância, caminha rapidamente em minha direção, vestido com uma velha camisa da seleção brasileira que não lhe cai nada bem. “Mas o que é isso”?, eu pergunto. Vamos jogar futebol”? Ele responde desajeitadamente: “Homenagem ao Brasil”.
Mais e mais perturbador. Brasil e futebol. O clichê dos clichês. Percebo no comportamento de Assange e seu staff um viés do marketing que cerca uma estrela de cinema em véspera de lançamento de filme. Um tema para a entrevista, um tempo cronometrado, algum simbolismo a passar do tipo “eu visto a camisa de vocês.”.
Começo com uma pergunta pessoal, sobre seus sete meses de confinamento na embaixada do Equador. Ele responde falando do livro. Este é um jogo de cartas marcadas, eu penso, em que ele tem que sair vencedor. Percebo a agilidade da inteligência de Assange e a frieza do jogador que não move um músculo da face. Por trás da câmera, o “croupier” que cronometra o tempo vai me acenando com uma irritante contagem regressiva.
“Lamento”, diz Assange. “A embaixada é latino-americana, mas o horário é anglo-saxônico”. Soa pouco elegante ouvir isso de um homem que enaltece no prefácio do livro os avanços em direção à auto-determinação do país que o acolhe e de seus vizinhos.
Julian Assange é um anglo-saxão num espaço latino-americano e parece não se sentir à vontade dentro dele. Nem diante da mídia que o ajuda a transmitir suas idéias pelo continente. Mas, por mais perturbador que isso possa parecer, é indispensável conhecê-las. Elas ajudam a pensar e refletir melhor sobre a grande teia em que todos nos encontramos.
por Elizabeth Carvalho