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Uma economia de predadores

qua, 12/02/14
por Equipe Milênio |

 

 

Thom Hartmann fala um inglês elaborado, é calmo, discreto e um pouco desleixado com a própria aparência, como quem herdou uma fortuna e vive em casa protegida pelo patrimônio histórico. Tem cara de conservador. Não conservador radical, do Tea Party, mas moderado, como o candidato presidencial Barry Goldwater que ele admirava quando tinha 13 anos.

Só que a aparência engana. Hartmann não vive em uma mansão de Georgetown. Vive com a mulher, Louise, em um barco atracado em uma marina de Washington e, ao longo da vida, trocou a admiração por Barry Goldwater por uma convicção liberal à prova de bala. Nas ultimas décadas, se tornou uma das vozes progressistas mais respeitadas dos Estados Unidos. Apresenta um programa diário de televisão e dos vinte e seis livros que publicou, nove são sobre economia, fruto do gosto que tem por estudos macro-econômicos e pela disposição em analisar tendências de mercado.

No livro – e tema da entrevista – “The crash of 2016”, ele apresenta duas teses: uma, a de que a crise financeira de 2008 não acabou. Vai se extender por vários anos. A outra tese é a de que o confronto entre políticas econômicas de ênfase social e políticas de livre mercado não ameaçam a estabilidade mundial. A ameaça, segundo ele, vem de predadores – indivíduos ou empresas – que não têm compromisso com regras e podem levar grandes corporações – ou países inteiros – a crises financeiras. Para ele, um exemplo classico é o de Ken Lay, que queria transformar a Enron em uma superpotência no ramo da energia, mas conseguiu, além de quebrar a companhia, contribuir para o desastre financeiro que começou seis anos atrás.

por Luís Fernando Silva Pinto

1945: Ano Zero

qui, 06/02/14
por Equipe Milênio |

A primeira impressão que tive de Ian Buruma foi uma uma certa timidez. Para um homem que circula pelas salas culturais mais refinadas do Oriente e Ocidente esperava alguém mais expansivo. Buruma é filho de mãe inglesa, pai holandês, casado com uma japonesa, passa seis meses por ano nos Estados Unidos e circula pelo mundo no resto do ano.

Ele me disse que o nome do pai, Buruma, é comum na Holanda e foi ele o responsável pelo conceito e pelo seu livro “1945: Ano Zero”. Ian queria entender o mundo e a geração do pai dele, uma curiosidade que cresceu quando chegou a idade do pai que foi preso pelos nazistas. Era estudante universitário na Holanda e foi levado para trabalhar numa fábrica de trens em Berlim, em condições sub-humanas. Como milhões morreram, sofreram ou, como no caso do pai, sobreviveram. Esta foi sua busca de anos.

O pai de Buruma esta no começo do livro e no epílogo com uma história de família tragicômica. O pai, ele e a irmã foram passar o ano novo em Berlim em 1989 para começar a queda do muro . Estavam bem próximos da fabrica onde o pai tinha trabalhado e sofrido durante quatro anos. No foguetório e na excitação meia noite os filhos se separaram do pai. Preocupados, voltaram para o hotel onde o pai apareceu pela manhã com um grande curativo entre os dois olhos. Quase ficou cego. Durante a guerra ele escapou das bombas americanas que caiam na fábrica, dos morteiros soviéticos na invasão e dos franco atiradores alemães mas não escapou de um foguete festivo para comemorar a queda do muro e a liberação dos países dominados pela União Soviética.

por Lucas Mendes

O lado histórico da vida de Jesus Cristo

qua, 29/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

 

O Novo Testamento conta a história de Jesus Cristo, mas o que dizem outras fontes sobre quem foi realmente Jesus, o Jesus histórico? Pouquíssimos documentos sobreviveram à passagem dos Milênios, mas, desde o século XIX, pesquisadores trabalham para responder à pergunta.

O historiador da religião Reza Aslan reuniu as principais conclusões no livro Zelota, a vida e o tempo de Jesus de Nazaré. Um best-seller nos Estados Unidos, o livro provocou a ira de fundamentalistas cristãos, que atacaram Aslan: Como é possível que um muçulmano fale sobre Jesus?

De passagem por Nova York, Reza Aslan, um jovem americano de origem iraniana que vive na Califórnia, recebeu o Milênio para defender sua versão de quem teria sido o Jesus histórico.

 

por Jorge Pontual

O mais novo cardeal brasileiro

qua, 22/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

Papa Francisco continua surpreendendo com mudanças na Igreja Católica. Ele parece seguir um roteiro bem estruturado. Primeiro foram gestos simbólicos de humildade: pagou a própria conta do hotel, viajou em carro comum, foi às ruas sem medo. Depois, enfrentou temas sensíveis para a doutrina da Igreja. Sobre o homossexualismo, disse: “Se alguém é gay e busca o Senhor com boa vontade, quem sou eu para julgar?”

Agora, na sua lista dos 19 novos cardeais, Francisco mostra que, aos poucos, vai mudar a estrutura de poder da Igreja, inclusive na representação geográfica.Entre os escolhidos, apenas 4 são membros da Cúria Romana, que é o órgão administrativo da Santa Sé. A grande maioria, vem de vários cantos do mundo. Foram contemplados religiosos de quinze países, alguns bem pobres – Costa do Marfim, Haiti. Outros com grande número de católicos, como o Brasil com a indicação de Dom Orani João Tempesta.

Monge paulista de São José do Rio Pardo, Dom Orani foi arcebispo de Belém do Pará e agora é o arcebispo do Rio de Janeiro. Ficou próximo do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, no ano passado. Dom Orani tem o perfil que o papa quer para seus cardeais: pastores que vão às ruas encontrar o seu rebanho. Nós conversamos com Dom Orani no Palácio São Joaquim, residência oficial do arcebispo do Rio. Ele já se prepara para viajar para Roma. Em 22 de fevereiro, em um Consistório no Vaticano, Dom Orani e seus 18 colegas irão receber do Papa Francisco o solidéu vermelho dos cardeais.

 

por Tonico Ferreira

O comportamento humano e a oxitocina

qua, 15/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

 

Paul Zak tem a mania de abraçar todo mundo. Alguns até se assustam com a aproximação dele, sobretudo no Brasil. Primeiro, porque brasileiro não espera que estrangeiro inicie contato físico, mas também devido aos quase dois metros de altura de Zak. Fica até cômico vê-lo abraçando alguns baixinhos desconfiados desse gringo efusivo.

O abraço, que ele prega em livros, artigos e palestras, tem a ver com a importância que Zak atribui a um hormônio produzido pelo corpo humano, a oxitocina, para ele uma fórmula mágica de bem-estar, em oposição a substâncias perturbadoras como a testosterona ou a adrenalina. Zak acha que o comportamento humano, inclusive nossa atuação como agente econômico, amigo, amante, profissional, depende muito da ação da oxitocina no corpo.

Seus críticos denunciam um exagero na importância que ele dá a uma droga no organismo como explicação para tantas atividades humanas. Reclamam mais ainda da popularização de suas teorias, a ponto de inspirar títulos de artigos em jornais e revistas com referências a uma “molécula do amor”, terminologia pouco apropriada para quem tem pretensões de oferecer uma base científica para suas teorias. Zak não se importa.

Outros céticos preferem se divertir com uma “tendência de vampiro” em Zak, por causa das repetidas investidas dele em recolher sangue das pessoas, a fim de medir o grau de oxitocina em diferentes momentos, desde um casamento na Inglaterra a uma cerimônia de nativos em Papua Nova Guiné.

Zak aceita que fatores sociais e econômicos, bem como a forma de educação que as pessoas recebem, influenciam o comportamento delas, mas ele defende que esses fatores se traduzem em reações químicas no organismo. É neste ponto que a oxitocina adquire para ele uma importância fundamental, a ponto de ter se tornado seu principal foco de pesquisas, artigos, palestras e entrevistas. A do Milênio foi conduzida com o devido grau de ceticismo mas com abertura para que Zak explicasse suas teses.

por Silio Boccanera

Uma história de luta pelo direito e pela liberdade das mulheres

qua, 08/01/14
por Equipe Milênio |

 

 

 

Quando foi marcada a entrevista com Zainab Salbi, ela insistiu que fosse no escritório dela em Manhattan em vez do estúdio que usamos com mais frequência. Fica a cinco minutos da minha casa, frequentamos os mesmos restaurantes e vamos à mesma feira no sábado mas nunca havíamos nos encontrado antes. O escritório eh fica num loft bem iluminado com com moveis práticos e poucos quadro. Tem apenas um assistente.

Antes da entrevista ela contou que a primeira viagem no “jato do papai”,como se referia a um 747, um dos primeiros entregues pela Boeing, foi ao Rio de Janeiro. Ficaram hospedados em Copacabana. Tinha uns 11 anos e ficou deslumbrada com a cidade. Isto foi antes do pai se tornar o piloto particular de Saddam Hussein quando a vida da tomou um novo rumo com frequentes visitas e fins de semanas nos palácios do ditador.

Zainab era bonita. Contra a vontade da família, em especial da mãe e das tias, decidiu se casar com o primeiro namorado que conheceu na faculdade. Vinha de família pobre com tradições tribais. Noivaram mas ela rompeu pouco antes do casamento quando percebeu o autoritarismo do futuro marido.

Preocupada com a proximidade de Saddam e dos filhos incontroláveis, a mãe arranjou um casamento com um homem mais velho , rico , de boa família em Chicago. O baú era furado e o senhor de boa família estuprou Zainab pouco depois do casamento. Fez as malas e, sem dinheiro, foi para Washington onde conheceu o terceiro homem de sua vida, um palestino. Foi bom enquanto durou, diz Zainab, que ainda tem boas relações com ele mas não tem filhos.

Um dia, depois de ouvir pela televisão relatos de estupros em massa na Bósnia e na Croácia, ela resolveu fundar uma ONG, Women for Women, para ajudar mulheres vítimas de conflitos. No primeiro ano, tinha 31 mulheres na lista. Hoje, a ONG já distribuiu US$ 102 milhões para 370 mil mulheres em vários países. Zainab foi homenageada pelo presidente Bill Clinton na Casa Branca, e a Women for Women foi reconhecida como uma das organizações mais influentes no socorro de vítimas de abusos em conflitos. Zainab se demitiu da direção para escrever e fazer conferências.

Contei a ela que os números sobre estupros no Brasil tinham acabado de sair e deram um salto, mas os números e o Brasil não estão no radar dela. Hoje, trabalha só com mulheres do Oriente Médio, onde as estatísticas de estupros e abusos sexuais são pouco confiáveis. Mulheres abusadas são ensinadas a se envergonhar de si mesmas e uma denúncia na polícia pode comprometer a honra da família. Nas regiões tribais, pais e irmãos ainda apedrejam filhas violentadas.

Os números sobre estupros são estuprados. Em algumas estatísticas, a Suécia é líder de estupros. As explicações são os imigrantes e os rígidos critérios suecos de definir estupros. O Brasil, com 26,9 estupros por 100 mil habitantes, tem o dobro de estupros do que o México. A pacífica Costa Rica, com 34 por 100 mil, é a campeã de estupros da América Latina. Roraima tem 52 por 100 mil, mas os números no Brasil são pouco confiáveis. O país está dividido em quatro regiões, de 1 a 4. As estatísticas da região 1 são as melhores, as da 4, as piores. Quanto mais pobre, maior a mentira das estatísticas. Nesta violência, a verdade não está nos números e Zainab não trabalha com estatísticas. Nos livros, ela conta histórias de poucas vítimas com fotos que apunhalam.

 

por Lucas Mendes

Um gigante à deriva

sex, 08/11/13
por Equipe Milênio |

 

 

Desde a guerra do Vietnã, o Pentágono tem um recorde perfeito nas previsões sobre qual seria a próxima guerra americana em seis meses ou um ano: errou todas. A citação está no livro Foreign Policy Begins at Home (“Política Externa Começa em Casa”), recém-lançado, do veterano diplomata e influente presidente do Council of Foreign Relations, Richard Haass. Com 92 anos e 5 mil afiliados de peso, o Council é o mais influente think tank americano na politica externa. Entre várias atividades, publica a revista bimensal Foreign Affairs, que acaba de comemorar 50 anos. Quando o Council aconselha, nem sempre é obedecido, mas seus conselhos sempre chegam aos ouvidos de quem decide.

Richard Haass aconselhou quatro presidentes: Jimmy Carter, Ronald Reagan, Bush pai e Bush filho. Escreveu ou editou 12 livros. Neste último, ele se aventura casa adentro numa trilha diferente e independente. Haass escreve que há dez anos a política externa americana esta à deriva. As guerras do Iraque e do Afeganistão diminuíram a liderança e o prestígio dos Estados Unidos. Hora de cair fora e repensar.

Oriente Médio? Consome mais diplomacia, tempo e dólares do que merece. O país deve concentrar suas atenções na região Ásia/Pacífico e no Ocidente. China, Japão e a vizinhança ocidental são as principais peças no tabuleiro de Haass. A Europa é previsível. “Para ele, a América Latina não tem importância, nem a Venezuela.”

América Latina? “Vai muito bem”, me disse ele durante uma entrevista nesta semana no Council. Não merece nem um capítulo no livro. Sobre o Brasil, há quatro referências irrelevantes. A Venezuela merece quatro citações curtas. Cuba nenhuma. Para um homem que passou anos com o presidente Reagan resolvendo problemas na Nicarágua, El Salvador e Honduras e crises menores na América Central, tudo lá foi bem resolvido, e se não foi, dane-se. Não tem importância. Nem a Venezuela.

Na política externa, os Estados Unidos devem pensar no mundo inteiro, focar em poucas regiões e só colocar botas no chão onde há interesses vitais em jogo. Síria? Iraque? Afeganistão? Países da Primavera Árabe? Não são vitais. Israel é vital.
Um Irã nuclear, um Paquistão em decomposição, uma Coreia do Norte destramelada? Problemões. Soluções? Só milagrosas. Estão fora do alcance americano. Entrar com armas e soldados? Negativo. Terrorismo? Vai estar conosco durante décadas, mas não em grande escala, como os ataques às torres.

A segunda parte do livro e a proposta do título dominaram a segunda parte da conversa. Para Haass, o mundo quer e depende da liderança americana, mas os Estados Unidos precisam colocar a casa em ordem. Segundo o que chama de “Doutrina da Restauração”, Haass acha que os americanos devem resolver cinco problemas domésticos essenciais: deficit, energia, educação, infraestrutura e imigração.

Perguntei a ele se a palavra “restauração” foi inspirada na Restauração Britânica, que trouxe a monarquia de volta à Grã-Bretanha no século 17. Ele achou graça, mas a Restauração Britânica é considerada um milagre e o que ele propõe para Washington não exige apenas um. Exige vários: aumentar e criar novos impostos, reduzir pensões, programas de assistências social e de saúde.
A conversa enrola. Vamos terminar com o Brasil. Porque não merece nenhuma referência importante no livro? Em parte porque vai bem, mas, diz ele, não tão bem como antes.

“O Brasil era o encanto dos emergentes. Nos últimos dois, três anos, perdeu muitas atrações.” Ele fala da desilusão dele e de um grupo de americanos numa viagem recente. Os superpoderes do Executivo assombraram Haass e a turma dele. Manda em tudo, intimida o investidor. A impressão da paisagem não foi melhor. O aeroporto do Galeão também assombrou pelo desconforto e decadência. Ele acha que a Copa e a Olimpíada podem diminuir ainda mais as atrações brasileiras.

Para Haass, o México é o novo Brasil. As novas atrações do vizinho pareciam irresistíveis: um novo e jovem presidente, abertura política, menos governo central, menos poderes das oligarquias, menos corrupção, reforma disto e daquilo. Promessa de crescimento a 4,5, 5% ao ano. Promessas.

No primeiro trimestre deste ano, o México cresceu 0,8%. O Brasil cresceu 0,6%. Os números confirmam: o México é o novo Brasil. Neste e noutros índices, estamos quase gêmeos, vamos de mal a pior. O próximo livro de Richard Haass merece um capítulo sobre a América Latina. Antes que ela vá para o brejo.

por Lucas Mendes

A Irmandade Muçulmana e a política no Oriente Médio

sex, 30/08/13
por Equipe Milênio |
categoria Programas

 

 

A crise política no Egito joga luzes sobre uma das mais influentes organizações no mundo árabe: a Irmandade Muçulmana. Já foi chamada de “mãe de todos os movimentos islamistas”, aqueles de ação político-religiosa pelo mundo. Nem sempre seus militantes agem de forma pacífica, embora hoje existam grupos islâmicos bem mais violentos do que a Irmandade em ação pelo mundo. Como os salafistas no Egito, a Al-Qaida em suas variações locais.

Criada no Egito há 85 anos, a Irmandade inspirou a cópia de organizações parecidas em outros países árabes, todas reprimidas ao longo dos anos pelos regimes autoritários da região. Hamas, por exemplo, na faixa de Gaza, surgiu da Irmandade. Com seus líderes periodicamente presos ou executados, a Irmandade sobreviveu na clandestinidade em vários países. Realizou trabalhos de assistência em comunidades pobres, onde ganhou o respeito que iria ajudá-la a ganhar votos, depois das revoltas populares conhecidas como Primavera Árabe.

Chegou ao poder no Egito, com maioria no Parlamento e presidência em mãos de seu ex-líder Mohamed Morsi. Até que um golpe militar afastou do poder o presidente e a Irmandade. Continua no poder na Tunísia, onde quem assumiu após rebelião popular foi a co-irmã An-Nahda. E na Líbia ainda em transição, a Irmandade tem considerável influência no governo provisório. Como tem entre as variadas forças de oposição em luta contra o regime de Bashar Assad na Síria. Para entender melhor essa organização tão influente na nova dinâmica do Oriente Médio, o Milênio procurou em Kent, perto de Londres, Alison Pargeter, autora de livro recém-atualizado sobre a Irmandade Muçulmana.

por Silio Boccanera

Uma marcha em andamento

sex, 30/08/13
por Equipe Milênio |
categoria Programas

 

 

Há 50 anos, em agosto de 1963, o reverendo Martin Luther King liderou a histórica marcha a Washington do movimento dos direitos civis. Diante do memorial ao presidente Lincoln, que  100 anos antes libertara os escravos nos Estados Unidos, Martin Luther King fez o que muitos consideram um dos discursos de maior impacto do século XX: “Eu tenho um sonho”, disse o líder dos negros americanos. Era o sonho da igualdade e da integração racial.

Hoje, o presidente do país é um negro, a segregação racial perdeu legitimidade, as principais estrelas do entrenimento e do esporte são negros, e muitos deles fazem parte da classe média. Ao mesmo tempo, persistem a pobreza e a falta de acesso a educação de qualidade, para uma grande faixa da população negra.

Para entender o que ainda impede que o sonho de Martin Luther King seja plenamente realizado, o Milênio foi à Universidade Harvard, onde o historiador Louis Gates Jr. dirige o centro de estudos afro-americanos. Intelectual renomado, Gates se especializou no estudo da diáspora africana no mundo, e por isso conhece bem a cultura negra do Brasil. Ele nos recebeu no centro W.E.B. Du Bois, nome do fundador dos estudos afro-americanos nos Estados Unidos.

por Jorge Pontual

Uma ponte entre as religiões

qua, 31/07/13
por Equipe Milênio |

 

 

Karen Armstrong recebeu a equipe do Milênio em seu apartamento de Londres, às vésperas de embarcar para o Brasil, onde faria palestras em Porto Alegre e São Paulo, a convite da organização Fronteiras do Pensamento. Para quem não compartilha de fé religiosa e ia ao encontro de uma ex-freira, autora de uma dúzia de livros sobre religião, a expectativa era de encontrar uma sisuda senhora de meia-idade, pregando ideias conservadoras e tradicionais. Quem sabe até não iríamos ter de aturar uma carola.

Nada disso. Esbarramos em alguém que embora apóie o lado espiritual e transcendental da experiência religiosa, rejeita e critica muito do que considera tradicional e retrógrado nas várias formas de religião organizada. E nas várias interpretações sectárias de livros sagrados. Sobre o novo Papa argentino, por exemplo, que só iria ao Brasil bem depois, nos contou de bom humor mas também com convicção que Francisco I deveria tirar a sede da Igreja Católica de Roma e transferi-la para Buenos Aires. “Estaria assim mais perto dos pobres que Jesus Cristo apoiava do que dos privilegiados instalados nesta má imitação do Império Romano que é o Vaticano.”

Karen repudia o comportamento dos “ativistas religiosos”, com suas interpretações rígidas e literais de textos na Bíblia, no Corão, no Torá. Considera, por exemplo, “um absurdo” a alegação de extremistas judeus ao tomar terras dos palestinos de que, segundo a Bíblia, Deus presenteou aquelas terras somente aos judeus e, portanto, os árabes não teriam direito a elas, mesmo se suas famílias ali estavam há várias gerações. “A Bíblia não pode ser lida como um documento de posse emitido pela prefeitura”—diz ela. “Sua mensagem é simbólica”.

Karen critica também os evangélicos que lêm a Bíblia como se fosse um relato de historiadores e cientistas, com afirmações sobre a criação do universo em uma semana, de uma vez só, com as formas de vida e geologia que têm até hoje, o que nos obrigaria a aceitar, por exemplo, que o ser humano e os dinossauros viveram na mesma época. “Isso é uma banalidade, que a ciência desmente sem muito esforço – diz ela – “e não leva em conta que as histórias na Bíblia são alegorias, parábolas, para serem lidas pelo seu valor simbólico e não pelo significado literal.”

Mesma coisa para o Corão, lembra ela, criticando os fundamentalistas que extraem trechos isolados que mais lhes convêm no livro sagrado muçulmano, enquanto ignoram outras partes que contradizem as mesmas afirmações, como o tratamento às mulheres ou o uso de violência. “Eles se esquecem também do contexto histórico em que surgiu o texto do Corão, século VII, quando o combate ao Islã foi intenso e seus adeptos tinham de se defender, muitas vezes à força. Aplicar as mesmas recomendações em pleno século XXI não faz o menor sentido”.

Uma das histórias curiosas envolvendo Karen ocorreu quando ela dava uma palestra nos Estados Unidos, pouco tempo depois dos ataques terroristas de 2001, e foi abordada pela polícia. Detetives pediam sua ajuda para decifrar o caso de um jovem local que tinha matado a família e se suicidado. Ao lado do corpo do rapaz, havia um livro escrito por ela, informou a polícia, sem maiores detalhes.  No contexto da época, a reação de Karen foi imaginar duas possibilidades de fanatismo religioso associado com atos de violência mais recentes: talvez um extremista cristão de direita lendo uma obra dela sobre a Bíblia ou quem sabe um fundamentalista islâmico que estivesse folheando e distorcendo o que ela escreveu sobre o Islã.

Na verdade, o livro dela que o rapaz lia era sobre budismo, tido como uma religião de paz e tranquilidade, nada a ver com fanatismo. O episódio serviu para ela como mais uma demonstração de que um indivíduo mentalmente desequilibrado pode encontrar justificativa para a violência até em textos religiosos que só pregam paz. Karen Armstrong procura explicar e não converter. A não ser para promover o que chama de regra de ouro da compaixão: tratar os outros como gostaria de ser tratado..

por Silio Boccanera



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