Os limites entre Rússia e Estados Unidos
Neste momento delicado para as relações entre Estados Unidos e Rússia, em meio à crise na Ucrânia, Luís Fernando Silva Pinto entrevistou, para o Milênio, Angela Stent, especialista nas relações entre Estados Unidos, Rússia e Europa e diretora do centro para estudos Eurasianos, Russos e do Leste Europeu da Universidade Georgetown.
A crise na Ucrânia colocou as relações entre Rússia e Estados Unidos a níveis de tensão parecidos com os da Guerra Fria. A ocupação militar russa da Crimeia, após uma revolta popular que tomou as ruas de Kiev contra o governo de Viktor Yanukovich por causa do cancelamento de um acordo com a União Europeia, levou os Estados Unidos a ameaçarem os russos com sanções e a serem consideradas retaliações contra os americanos. Enquanto isso, a Ucrânia, peça-chave para a distribuição de gás para a Europa, está à beira da falência e dividida politicamente.
Após a Guerra Fria, a Rússia herdou o exército, a economia e o resultado da disputa geopolítica da antiga União Soviética, menos a proeminência de antes. Entre Brasil, China e África do Sul, ganhou visibilidade, mas deixou de ser o nêmesis dos Estados Unidos. Em um mundo multipolar, multiplicaram-se as disputas econômicas e também os antagonistas. O Irã, a Coreia do Norte e o Paquistão, por exemplo, e organizações terroristas, como a Al-Qaeda, passaram a tirar o sono dos estrategistas norteamericanos. A antiga luta convencional – dos grandes exércitos e por fronteiras – se transformou em um jogo de xadrez com vários tabuleiros em que os jogadores podem ser, ao mesmo tempo, aliados ou competidores, dependendo do tema.
Na visão de Angela Stent, “para a Rússia, a crise na Ucrânia tem dois aspectos: na política externa é a escolha da Ucrânia entre o Ocidente e a Rússia e, no plano doméstico, é a preocupação de que o que acontecer na Ucrânia pode acontecer com a Rússia também.” Além disso, um dos dois portos de águas quentes da Rússia fica na Crimeia – o outro fica na Síria, em Tartus – e correr o risco de perdê-lo pode ser muito negativo para os interesses geopolíticos de Putin.
No conflito sírio, os Estados Unidos tentaram mostrar que possuíam interesses em comum em estabilizar a região, mas os russos concordaram em discordar, principalmente pela insistência americana de incluir grupos islamistas na conversa. E, meses depois, Rússia e China foram contra a posição dos Estados Unidos e dos seus aliados de uma intervenção militar na região e se abstiveram de votar no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre ajuda humanitária aos sírios.
Em 2008, alguns anos antes, as relações entre os dois países já mostravam sinais de tensão com o conflito na Geórgia. A Rússia interveio para defender a Ossétia do Sul e os Estados Unidos apoiaram a Georgia. No mesmo ano, os russos começaram a cooperação militar com a Venezuela. Depois, o governo de Putin entrou em disputas na Organização Mundial do Comércio, suspendeu as adoções de crianças por norteamericanos e barrou organizações não governamentais na Rússia por causa da entrada em vigor nos Estados Unidos da Lei Magnitsky. Ano passado, Putin ofereceu asilo a Edward Snowden e, com isso, segundo Angela Stent, conseguiu “conscientemente ou não o que a União Soviética nunca conseguiu que é criar essas cisões profundas entre os Estados Unidos e seus aliados e, particularmente, entre Estados Unidos e Alemanha.” Nesse contexto, a Rússia está jogando em várias frentes para conquistar a antiga posição ao lado dos Estados Unidos no topo da geopolítica mundial.
Para compreender os movimentos nesse complexo tabuleiro geopolítico que afeta os rumos do planeta – em meio a uma crise internacional com a ocupação russa da Crimeia – Luís Fernando Silva Pinto foi entrevistar, para o Milênio, Angela Stent. Especialista nas relações entre Estados Unidos, Rússia e Europa, Stent já serviu ao governo americano no Departamento de Estado, foi consultora da OTAN e, hoje, ocupa o cargo de diretora do centro para estudos Eurasianos, Russos e do Leste Europeu e professora de governo e diplomacia da Universidade Georgetown.
por Rodrigo Bodstein