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Uma ponte entre as religiões

qua, 31/07/13
por Equipe Milênio |

 

 

Karen Armstrong recebeu a equipe do Milênio em seu apartamento de Londres, às vésperas de embarcar para o Brasil, onde faria palestras em Porto Alegre e São Paulo, a convite da organização Fronteiras do Pensamento. Para quem não compartilha de fé religiosa e ia ao encontro de uma ex-freira, autora de uma dúzia de livros sobre religião, a expectativa era de encontrar uma sisuda senhora de meia-idade, pregando ideias conservadoras e tradicionais. Quem sabe até não iríamos ter de aturar uma carola.

Nada disso. Esbarramos em alguém que embora apóie o lado espiritual e transcendental da experiência religiosa, rejeita e critica muito do que considera tradicional e retrógrado nas várias formas de religião organizada. E nas várias interpretações sectárias de livros sagrados. Sobre o novo Papa argentino, por exemplo, que só iria ao Brasil bem depois, nos contou de bom humor mas também com convicção que Francisco I deveria tirar a sede da Igreja Católica de Roma e transferi-la para Buenos Aires. “Estaria assim mais perto dos pobres que Jesus Cristo apoiava do que dos privilegiados instalados nesta má imitação do Império Romano que é o Vaticano.”

Karen repudia o comportamento dos “ativistas religiosos”, com suas interpretações rígidas e literais de textos na Bíblia, no Corão, no Torá. Considera, por exemplo, “um absurdo” a alegação de extremistas judeus ao tomar terras dos palestinos de que, segundo a Bíblia, Deus presenteou aquelas terras somente aos judeus e, portanto, os árabes não teriam direito a elas, mesmo se suas famílias ali estavam há várias gerações. “A Bíblia não pode ser lida como um documento de posse emitido pela prefeitura”—diz ela. “Sua mensagem é simbólica”.

Karen critica também os evangélicos que lêm a Bíblia como se fosse um relato de historiadores e cientistas, com afirmações sobre a criação do universo em uma semana, de uma vez só, com as formas de vida e geologia que têm até hoje, o que nos obrigaria a aceitar, por exemplo, que o ser humano e os dinossauros viveram na mesma época. “Isso é uma banalidade, que a ciência desmente sem muito esforço – diz ela – “e não leva em conta que as histórias na Bíblia são alegorias, parábolas, para serem lidas pelo seu valor simbólico e não pelo significado literal.”

Mesma coisa para o Corão, lembra ela, criticando os fundamentalistas que extraem trechos isolados que mais lhes convêm no livro sagrado muçulmano, enquanto ignoram outras partes que contradizem as mesmas afirmações, como o tratamento às mulheres ou o uso de violência. “Eles se esquecem também do contexto histórico em que surgiu o texto do Corão, século VII, quando o combate ao Islã foi intenso e seus adeptos tinham de se defender, muitas vezes à força. Aplicar as mesmas recomendações em pleno século XXI não faz o menor sentido”.

Uma das histórias curiosas envolvendo Karen ocorreu quando ela dava uma palestra nos Estados Unidos, pouco tempo depois dos ataques terroristas de 2001, e foi abordada pela polícia. Detetives pediam sua ajuda para decifrar o caso de um jovem local que tinha matado a família e se suicidado. Ao lado do corpo do rapaz, havia um livro escrito por ela, informou a polícia, sem maiores detalhes.  No contexto da época, a reação de Karen foi imaginar duas possibilidades de fanatismo religioso associado com atos de violência mais recentes: talvez um extremista cristão de direita lendo uma obra dela sobre a Bíblia ou quem sabe um fundamentalista islâmico que estivesse folheando e distorcendo o que ela escreveu sobre o Islã.

Na verdade, o livro dela que o rapaz lia era sobre budismo, tido como uma religião de paz e tranquilidade, nada a ver com fanatismo. O episódio serviu para ela como mais uma demonstração de que um indivíduo mentalmente desequilibrado pode encontrar justificativa para a violência até em textos religiosos que só pregam paz. Karen Armstrong procura explicar e não converter. A não ser para promover o que chama de regra de ouro da compaixão: tratar os outros como gostaria de ser tratado..

por Silio Boccanera

Bauman e as ruas

qua, 24/07/13
por Equipe Milênio |

 

entrevista exibida em 16.01.2012

 

Manifestações explodem pelas ruas de várias cidades no mundo, com uma mistura de causas e reivindicações nos gritos de protesto. Incluem do trivial custo da passagem de ônibus no Brasil à revolucionária derrubada de governos no mundo árabe. Alcança do desemprego na Europa em recessão aos abusos do sistema financeiro em Wall Street. Em comum, exala das ruas uma insatisfação generalizada com a sociedade moderna, globalizada, altamente competitiva, de pouca solidariedade e uma reverência quase religiosa ao consumo como fórmula mágica de se obter felicidade.

Na fluidez dessa sociedade de consumo, não se valoriza o permanente, mas o temporário. Nada é sólido ou conserva a forma por muito tempo. Tudo em mudança, vive-se inconstância, o que provoca insegurança e medo. Até as relações pessoais geram perplexidade, sofrem de fluidez. Assim se caracteriza a “modernidade líquida”, na definição do veterano sociólogo Zygmunt Bauman, beirando seus 90 anos, prolixo na produção de artigos, conferências e livros. Suas obras correm mundo, inclusive o Brasil, onde tem uma dúzia de livros publicados e bem vendidos. Bauman sobreviveu ao nazismo em sua Polônia natal, onde caiu em seguida sob jugo do comunismo, até que, 40 anos atrás, ele escapou para o Reino Unido e passou a ensinar Sociologia na Universidade de Leeds, onde ocupa hoje uma cadeira de Professor Emérito.

 

por Silio Boccanera

O que une primatas e humanos?

qua, 17/07/13
por Equipe Milênio |

 

 

Como é que você imagina o paraíso? Para alguns: anjos, cada um na sua nuvem. Outros: 72 virgens para cada mártir! Pra quase todos, um lugar branco, diáfano, meio entendiante e eterno… Mas eu cresci com uma ideia diferente do paraíso, tirada do Jardim das Delícias do pintor holandês Hyeronimus Bosch, que vi no Prado em Madri e em reproduções. Tinha um poster dele ao pé da cama. No paraíso de Bosch, passarinhos gigantes brincam com homens e mulheres nus, casais se beijam dentro de frutas, grupos alegres fazem amor montados em unicórnios. Todos os sexos e raças se cruzam, tudo é permitido e infinitamente prazeiroso. Não há pecado nem violência. Nem virgens. Todos são felizes.

O primatólogo holandês Frans de Waal nasceu na mesma cidade do pintor, ‘s-Hertogenbosch. Não me perguntem como se pronuncia. É uma semana mais velho que eu, nascido em Belo Horizonte. Temos em comum a paixão pelo Jardim das Delícias. De Waal dedicou sua vida ao estudo dos “great apes”, os grandes primatas, nossos primos mais próximos na árvore da Evolução das Espécies. Há 32 anos mudou-se para os Estados Unidos, onde dirige um centro de estudos de primatas perto de Atlanta. Conquistou o público americano com uma série de livros onde mostra o que temos em comum com chimpanzés e outros parentes nossos, como os pequenos bonobos do Congo.

Seu último livro, O Bonobo e o Ateu (de Waal é o ateu), começa e termina com uma meditação sobre o Jardim das Delícias de Bosch. O dia-a-dia dos bonobos, que vivem para o prazer numa sociedade matriarcal, onde todo mundo transa com todo mundo, lembra muito o paraíso de Bosch. Não é o nosso mundo, nem o dos chimpanzés — patriarcais e hierárquicos, violentos e traiçoeiros, como nós.

Mas temos em comum, com chimpanzés e bonobos, a concepção do que é certo e errado, o comportamento ético, noções de altruísmo, coletividade, respeito ao próximo. O ateu (o autor) argumenta que não são as religiões, não é Deus, quem instila esses valores no ser humano. São resultado necessário da evolução de mamíferos altamente sociáveis que dependem do grupo para sobreviver. Concordando ou não, é certamente uma delícia seguir o raciocínio e as histórias contadas por de Waal, que vai fundo no conhecimento dos primatas para entender melhor o ser humano.

por Jorge Pontual

O fundamento biológico da moral

seg, 15/07/13
por rodrigo.bodstein |

 

Hoje, às 23h30, na Globo News, Jorge Pontual entrevista o primatólogo e etnologista Frans de Waal sobre o fundamento biológico da moral.

Existe moral sem religião? Existe moral antes mesmo de que tomemos consciência da nossa condição humana? Em uma época em que as hierarquias são corroídas, em que tudo aquilo que impõe sentido ou alguma ordem para o mundo é recebido com uma certa dose de ironia e em que identidades são cada vez mais flexíveis, um questionamento necessário é: até que ponto os valores que regem a vida em sociedade são produto de uma construção social ou têm um fundamento biológico?

Para Frans de Waal, muitas das respostas podem ser encontradas ao observarmos os símios. Etnologista e primatólogo, de Waal começou a carreira na década de 1970 e logo em seu primeiro livro, Chimpanzee Politics, mostrava a ligação entre o comportamento dos chimpanzés e o pensamento maquiavélico e a proximidade entre eles e a política como conhecemos. A partir dessa ponte surgiu uma série de pesquisas sobre resolução de conflitos e outros temas relacionados.

Algumas décadas depois, ele se voltou para os Bonobos, uma espécie pacífica e organizada socialmente em matriarcado, para testar sua hipótese de que a moralidade é muito mais antiga do que os humanos. Entre as bases para o argumento está a empatia que alguns mamíferos possuem e a capacidade responder às emoções. O homo sapiens deixa de ser o ápice da cadeia evolutiva e passa a ser apenas um primata diferente, interconectado a uma história genética que ultrapassa os limites da nossa espécie.

Atualmente, de Waal busca ir além do humano e daquilo que nos divide. A proposta é ambiciosa: um debate sobre a moral que se afaste da polarização entre ateus e religiosos que, no decorrer do processo, pode nos ajudar a entender o que significa ser humano. Saiba mais hoje, às 23h30, no Milênio.

por Rodrigo Bodstein

Uma fortaleza às margens do Mar Morto

sex, 12/07/13
por rodrigo.bodstein |

 

O Egito, o único país árabe a assinar um tratado de paz com Israel, vivenciou, em 2013, a derrubada pelas ruas do primeiro presidente eleito democraticamente e uma retomada dos militares. O suposto risco de um Irã nuclear continua a rondar a pauta da agenda internacional. A guerra civil na Síria se alonga por mais de dois anos e ameaça se espalhar pela região, principalmente para o Líbano. Enquanto isso, uma pequena “fortaleza”, detentora de um arsenal nuclear considerável e com um dos exércitos mais fortes do Oriente Médio, observa com atenção os desdobramentos dos conflitos vizinhos e está disposta a fazer de tudo para proteger seu território.

A preocupação territorial de Israel é uma consequência da sua história. Antes da formação do país houve uma tentativa, em 1919, de um acordo entre Faisal I do Iraque e Chaim Weizmann, da Organização Sionista Mundial, para establecer uma Terra de Israel na Palestina. Não deu certo. Gradualmente, a compra de terras e a exclusão dos árabes do processo produtivo criava polarização e oponência entre os dois lados. Nacionalismo árabe, sionismo judeu, pressão internacional após o Holocausto, colonialismo europeu na região, pobreza, exclusão, foram alguns fatores que contribuíram para o aumento da violência. A abordagem militarista ficou vinculada à questão de sobrevivência e os objetivos territoriais tornaram-se estratégicos.

Em 1948, logo após Ben Gurion declarar a independência de Israel em Tel Aviv, os árabes atacaram. Depois de décadas de ocupação britânica sobre aquele território e de uma declaração que não reconheceram, parecia ser o momento certo, mas Israel saiu vitorioso. Os sabras, judeus nascidos nos Kibutz e nas fazendas tornaram-se símbolo da força do novo país. O termo se refere a uma fruta que cresce nos cactos da região e que é dura e espinhosa por fora, mas doce por dentro.

Nas décadas seguintes, o país manteve os espinhos afiados e voltados para fora enquanto se tornava um oásis de desenvolvimento e tecnologia na região. Quase uma dezena de guerras depois – e alguns esforços de acordos de paz – Israel ainda briga por seu território e mantém uma relação conturbada com os palestinos. Em 2013, sessenta e cinco anos depois da fundação do país, o governo deciciu retomar os assentamentos na área E1 em Jerusalém Ocidental em uma tentativa de evitar que fosse formado um Estado Palestino contíguo.

Patrick Tyler, um veterano correspondente do New York Times e do Washington Post que passou boa parte da vida profissional no Oriente Médio, considera que o maior desafio para a paz em Israel é superar esse militarismo e que “desde o início havia uma ambição entre os líderes que precisariam de mais terra e que haveriam fases de guerra. O primeiro seria em 1948, mas logo haveria outros.” As Colinas de Golan, o Rio Jordão, a Galileia, o Negev, o território do Líbano até o Rio Latani, esses eram alguns dos territórios-chave para as lideranças que moldaram o Estado de Israel.

Mesmo com guerras, Intifadas, ataques preemptivos, foguetes cruzando os céus, muros dividindo a população, elementos presentes na relação entre palestinos e israelenses, Tyler afirma que a paz é possível. Sugere, como caminho, o desenvolvimento de instituições, em paralelo ao establishment militar, que busquem a negociação e a acomodação dos interesses para resolver um dos mais importantes conflitos do nosso tempo localizado no centro de uma das regiões mais instáveis do planeta. Em entrevista ao Milênio, Tyler oferece uma análise sobre as linhas de força que moldaram a percepção dos governantes de Estado de Israel – uma fortaleza às margens do mar morto – e sobre as perspectivas de paz na região.

 

por Rodrigo Bodstein

Uma ponte entre o passado e o presente

qui, 04/07/13
por rodrigo.bodstein |

 

 

Entre as artes, poucas talvez tenham tanto espaço como a literatura para se aprofundar na dimensão humana. Independente do estilo, cada página permite que o leitor mergulhe em um mundo que é seu e do escritor, uma viagem que terá as estradas construídas pelas emoções e pela experiência daquele que se conecta com a estória. O livro é mais do que uma narrativa. É um ponto de contato entre narrativas.

Esse ponto de contato é o que enriquece o olhar daquele que lê. Abre espaço para que uma pessoa em um momento possa experimentar uma outra realidade, conhecer outras visões de mundo e entender outras experiências de vida. No filme O Leitor, adaptação de livro homônimo de Bernhard Schlink, o personagem do professor que acompanha os alunos ao julgamento de um grupo de mulheres acusadas de terem trabalhado para os nazistas ressalta a importância desse contato entre diferentes épocas e resume para os alunos que “a questão não é se foi errado, mas se foi dentro da lei e não pelas leis atuais. Pelas leis da época.”.

Para Schlink, a preocupação de entender o passado é mais do que simplesmente uma análise histórica. Jurista, filósofo e escritor alemão, passou boa parte da vida em Heidelberg, uma das poucas cidades que ficaram praticamente ilesas durante a segunda guerra, viu o país se reconstruir das ruínas e lidar com o fato de ter sido palco para o Terceiro Reich e para o Holocausto. Para ele, “lidar com o passado é uma tentativa de ser justo, de poder viver com a culpa.”

Nos livros que publicou, embora muitos não lidem diretamente com o passado, há um esforço para compreender como as pessoas foram moldadas, para explorar o que ficou entre as gerações, como que os destinos, acontecimentos e capacidades se entrelaçaram para formar o presente. No próximo Milênio, Leila Sterenberg entrevista Bernhard Schlink, um dos grandes intelectuais alemães contemporâneos, sobre arte, história e o presente. Segunda-feira, no às 23h30, na Globo News.

por Rodrigo Bodstein



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