Formulário de Busca

A cara da reforma na Rússia

qua, 27/02/13
por Equipe Milênio |

 

 

 

Dmitri Medvedev, o chefe de governo russo, fez a carreira sob a sombra de um quase candidato a Czar, Vladimir Putin. Talvez o fato de ter sido sempre o segundo explique seu jeito cordial, afável, direto. Medvedev não parece empenhado, como todo potentado russo, em ostentar sempre seu poder. Ele é baixinho, magrinho, sempre um pouco agitado e nada tem da majestade (natural ou treinada), da cara de mau (autêntica ou estudada) de quem ocupa lugar de destaque no Kremlin, essa palavra sinônimo de poder quase absoluto. Ao contrário: abordado informalmente na entrada do salão onde concedeu a entrevista ao Milênio, Medvedev se apressa em explicar o que está bebendo, numa xícara trazida por um garçom enquanto a tropa de assessores fica respeitosamente a distância.

- “Chá da China”, explica.
- “Chá chinês? Prá ficar acordado ou para relaxar?”, pergunto.
- “Pra ficar em forma, sete xícaras por dia”, responde Medvedev.

Medvedev é a cara do reformismo que a Rússia nunca levou ao limite, depois do flerte com o capitalismo selvagem do início da década dos noventa. Cordato e sensato, ele distanciou-se das mensagens nacionalistas e da fúria anti-ocidental desatada pelo seu criador e mentor, Putin. Essa conduta foi observada por Medvedev até mesmo ao comentar o caso Magnitsky, o advogado que foi espancado até a morte numa prisão russa por ter denunciado um esquema de corrupção praticado por dezenas altos funcionários públicos. O episódio acabou levando o Senado americano a aprovar o Ato Magnitsky, com uma série de retaliações aos personagens envolvidos no crime.

O chefe de governo russo foi igualmente contido ao falar da prisão de um conjunto punk feminino, que ficou famoso invadindo igrejas para tocar músicas com letras contra Putin. E foi até elogiado pela oposição brutalmente reprimida por Putin depois das últimas eleições — Medvedev havia prometido investigar fraudes, o que acabou não acontecendo.

Medvedev é bem humorado. Durante a entrevista, presta genuína atenção às perguntas. Ele “está ali”, como se costuma dizer na gíria jornalística – profissionais treinados para tratar com a imprensa, como Angela Merkel, por exemplo, mal disfarçam a sensação que, para ela, entrevistas são apenas um exercício formal, quase protocolar, ao visitar outro país.

E fez questão de parecer simpático. Caracterizar o Brasil como uma “Rússia tropical”, como ele fez, evidentemente abre caminho para trocadilhos. E um deles tratei de aproveitar ao final da entrevista, quando perguntei sobre Ostap Bender – um personagem literário que, para os russos, tem a mesma importância do personagem literário Macunaíma para os brasileiros. Ostap Bender é o Macunaíma russo: um esperto que tenta ficar rico sem trabalhar. Qualquer russo conhece Ostap Bender, o herói da novela “Doze Cadeiras” (no forro do assento de uma delas está escondida uma fortuna em jóias, e as cadeiras foram espalhadas pela Rússia) e sua idéia fixa: uma vez rico, é passear com calças impecavelmente vincadas por Copacabana.

Prá mim não há dúvidas de que Medvedev estava sendo sincero quando, na última pergunta da entrevista, diz que, se não fossem os assuntos chatos que sempre está tratando, iria passear de calças brancas por Copacabana. Basta lembrar quem é o chefe dele.

 

por William Waack

Uma potência em ascensão

sex, 22/02/13
por rodrigo.bodstein |

 

No próximo Milênio, William Waack entrevista Dmitri Medvedev. O primeiro-ministro russo concedeu entrevista em Brasíla, durante visita oficial. Saiba o que pensa um dos principais homens na busca por devolver para a Rússia o papel de protagonista no cenário internacional. Segunda-feira, 23h30, na Globo News.

Ivan Nazarov teve sua prisão por fraude e suborno considerada ilegal, mesmo com ele admitindo a culpa e confirmando todas as contravenções. A razão: a condenação do dono de cassino levaria à prisão daqueles que seriam responsáveis por prendê-lo. Uma história que parece enredo de filme foi notícia no Financial Times no início de fevereiro.

De 176 países, a Rússia ficou com o 133º lugar no ranking sobre corrupção da Transparência Internacional, mas o país se esforça para melhorar. Vladimir Putin, quando assumiu o governo em 2000, atacou duramente a corrupção no lado empresarial, mas não conseguiu atingir a parte judicial e de polícia. Medvedev formou o comitê anti-corrupção para combater a prática dentro do governo, pouco antes de deixar a presidência e assumir o cargo de primeiro-ministro.

O desafio é colocar uma das principais economias emergentes do mundo nos trilhos. Segundo reportagem do Global Times, cerca de metade do orçamento do governo russo foi alvo de algum tipo de desvio, um terço dos gastos militares foi para as mãos erradas e 30% dos gastos das empresas se destinaram a subornos. Ainda assim, o país é a 11ª economia mundial, teve um crescimento do PIB de 3,6% em média, possui abundância de petróleo, gás, carvão e minerais preciosos e fornece armamentos para oitenta e oito países – inclusive o Brasil, que, recentemente, começou a negociar a compra de um sistema de defesa antiaéreo. Na visão do Banco Mundial, o baixo nível de desemprego, aliado ao consumo, vão contribuir para um bom desempenho econômico em 2013.

Na política, a Rússia não tem a mesma influência da antiga União Soviética, mas sua voz tem peso. Membro do Conselho de Segurança, se opôs sistematicamente a sanções ou intervenções no conflito Sírio e, na última quarta-feira, dia 20, firmou posição contra a solução militar para a Síria e que há sinais para um diálogo. O maior país do planeta e fornecedor de energia para a Europa também tem se voltado para a Ásia, com seus gasodutos e oleodutos passando pela fronteira chinesa e indo a caminho do Japão.

Império, depois superpotência e, hoje, economia emergente, por mais que tenha se transformado e esteja distante do Brasil, a Rússia é um país que não pode ser ignorado e que ainda tem influência para afetar o tabuleiro da política internacional. Na próxima segunda-feira, saiba o que um dos principais homens à frente do maior país do mundo tem a dizer. Durante visita ao Brasil, Dmitri Medvedev concedeu entrevista ao repórter William Waack. Dia 25/02, às 23h30, no Milênio.

 

por Rodrigo Bodstein

Um visionário com os pés no chão

qua, 20/02/13
por Equipe Milênio |

 

 

Angels in America” é um obra-prima. Na peça de Tony Kushner, em duas partes (Millennium Approaches e Perestroika, num total de 7 horas) adaptada para o cinema (disponível em DVD) sob a direção de Mike Nichols, com Al Pacino e Meryl Streep, e que continua a ser encenada mundo a fora (no Brasil, em 1995), o teatro de Bertold Brecht e o de Tennessee Williams se casam para gerar algo novo, o que o autor descreve como uma fantasia homossexual sobre temas políticos. Os personagens traem uns aos outros e traem a si mesmos, mas resgatam sua própria humanidade em meio à crise da AIDS.

Lincoln“, quer ganhe ou não o Oscar, é também uma obra-prima. O diretor Steven Spielberg usou o roteiro de Tony Kushner para criar algo novo, um filme nos melhores padrões do cinema espetáculo de Hollywood, mas com uma abordagem brechtiana, que subverte a mitologia em torno de Abraham Lincoln para revelar a realidade do político que suja as mãos para garantir o fim da escravidão.

Confesso que além de ter Angels in America como uma das peças que me tocaram mais fundo, tenho um amor imenso por Brecht, e me deixa muito feliz ver em Tony Kushner um Brecht do nosso tempo, um artista que olha os dramas do momento com as lentes da História, um visionário com os pés no chão, materialista e dialético. Como é bom saber que esses termos que pareciam tão vitais quando eu era jovem, e que andaram por tanto tempo desacreditados e traídos, estão de volta, revigorados, na obra de um escritor que alcança o grande público e inspira os jovens.

Para entrevistar Tony Kushner reli Angels, revi o filme de Mike Nichols, e li outras peças dele, Homebody/Kabul, Calorine or Change, A Dibbuk, The Intelligent Homosexual’s Guide to Capitalism and Socialism with a Key to the Scriptures, A Bright Room Called Day, e Slavs. Li as excelentes traduções que ele fez de Brecht: Mother Courage (vi a montagem com Meryl Streep) e The Good Person of Szechuan. E vi os documentários Theatre of War e Wrestling with Angels. Li também livros de ensaios e entrevistas de Kushner. E isso foi só uma fração do que ele produziu nos últimos 25 anos, quando se tornou uma presença constante e prolixa no universo intelectual e artístico dos Estados Unidos. Uma entrevista de 23 minutos é muito pouco para refletir sequer um milésimo de tanta criatividade. Mas espero conseguir que quem assistir sinta o mesmo prazer e entusiasmo que eu tive ao trocar idéias com Tony Kushner.

por Jorge Pontual

Uma arte quase real

sex, 15/02/13
por rodrigo.bodstein |

 

No próximo Milênio, cinema, teatro e política na entrevista que Jorge Pontual fez com Tony Kushner, um dos mais importantes dramaturgos norteamericanos e roteirista do filme Lincoln. 18 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

O tempo dramático é diferente do tempo real. Talvez nenhuma outra forma de arte tenha desenvolvido esse conceito tão bem quanto o cinema. Toda a gramática da linguagem cinematográfica foi construída para apurar a sensação de fluidez e a imersão nas emoções e no ritmo da narrativa. O objetivo é fazer com que os espectadores simplesmente ignorem todo o trabalho por trás das câmeras e embarquem, durante um curto espaço de tempo, em outra realidade.

Na opinião de Tony Kushner, roteirista de Lincoln, “a expectativa de naturalismo em um meio tão artificial quanto o cinema pode ser problemática“, pois, como ele ressalta, é justamente na brecha entre o real e a fantasia que está o poder do teatro de estimular uma consciência crítica nos espectadores. Enquanto no palco fica claro o esforço de criar a ilusão, nas telas fica quase imperceptível no produto final todo o trabalho empregado ao pensar os enquadramentos, os planos, a posição de câmera, a iluminação, a continuidade, o figurino, a montagem e a pós-produção. Esse ar de verdade que o cinema carrega é tão forte que, recentemente, um político do estado de Connecticut protestou contra 15 segundos de um “erro histórico” em Lincoln usado para dramatizar os eventos do voto sobre a abolição.

A preocupação com o pensamento crítico e com a relação entre arte e realidade também levaram Kushner a se interessar por política, tanto pela força dramática quanto pelo lado prático. Para ele, “não há nada mais rico ou mais denso com o drama humano e com as coisas que tornem o comportamento humano tão interessante” do que o ato de fazer política e, sobre o momento atual dos Estados Unidos, afirma que as propostas da direita, há 20 anos atrás, teriam sido considerados extremistas pela própria direita e nota o abandono progressivo pela esquerda dos sonhos e fantasias sobre revolução.

Judeu crítico do sionismo, esquerdista praticante, Kushner consolidou-se como um dos expoentes do teatro norteamericano com a peça Anjos da América e pelas adaptações que fez de obras de Bertolt Brecht e, mais recentemente, pode-se dizer também expoente do cinema. Seus dois filmes, Munique, de 2005, e Lincoln, de 2012, receberam indicações ao Oscar por roteiro. No próximo Milênio, cinema, política e teatro marcam a conversa entre Jorge Pontual e Tony Kushner. Segunda-feira, 18 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

 

por Rodrigo Bodstein

Um porto de ideias

sex, 15/02/13
por Equipe Milênio |

 

 

 

O plano era ir até o cais do porto, coração do Festival do Rio, um dos grandes acontecimentos, talvez o maior, da cidade. Lá, num dos imensos armazéns de frente para o mar, as mercadorias não são mais fardos, sacos e contêineres. Deram lugar a idéias e imagens. E nesse contexto, o objetivo era encontrar um dos expoentes do cinema de Israel atual, o diretor Eran Riklis. Instigante e bem-humorado na obra e carrancudo na imagem. Pelo que eu conhecia de filmes dele como “Noiva síria” , “Lemon tree” e “A missão do gerente de recursos humanos” e das entrevistas pescada pela internet, achei as definições razoavelmente adequadas, era como eu via o homem. Ao encontrar o sorridente careca, mais para o rechonchudo e com cara de bonachão, logo vi que “carrancudo”  não se aplicava. Riklis foi uma simpatia do início ao fim do nosso papo. E pude, aí sim, reparar em outra característica evidente: a veemência e assertividade na defesa de um certo tipo de cinema, no caso o dele. Autoral, por vezes ácido, político, sem medo de meter o dedo em feridas várias.

O diretor israelense aparenta bem menos do que os 58 anos que tem e demonstra ser apaixonado pelo que faz. E o que faz é levantar grandes questões, do Oriente Médio, do ser humano, da fraternidade, do amor, a partir de histórias de pessoas. Do micro ao macro, na ótica de um cidadão de Israel que viveu em vários países mas mantém Tel-Aviv como base, lutou na Guerra do Yom Kippur. Um quase sessentão que tem esperança em soluções para questões delicadas, como a relação com os palestinos e o mundo árabe, e que entre muitas dúvidas, tem pelo menos uma grande certeza: não devemos nos levar sério demais.

Estava lá na biografia do Riklis “viveu alguns anos no Rio de Janeiro..”. E ele confirma, foram três esses anos, na virada dos anos 60 para os 70, com o Brasil em plena ditadura militar e o mundo de olho na Guerra do Vietnã. Ele é, com orgulho, ex-aluno de uma excelente professora de literatura da Escola Americana, estabelecimento caro que reúne filhos da elite carioca e de diversas comunidades estrangeiras na cidade. E diz que ali, no convívio com essa mistura, ao lado da Favela da Rocinha, foi se formando o cineasta que ele se tornou. Além dessa informação fundamental, daquela época sobraram algumas palavras arranhadas num português carregado de sotaque e a mudança de uma percepção: Riklis disse que na juventude o Rio, o Brasil, parecia um lugar bom, que tinha tudo para ser excelente e dá a entender que hoje, há avanços importantes. A impressão sobre o conturbado Oriente Médio confirma um otimismo esperançoso. O isralense acha que com algum entendimento, a região pode bombar. E não no sentido bélico.

Na tarde calorenta do cais do porto, Eran Riklis, que teve formação cinematográfica na Inglaterra, diz que acha seu cinema mais parecido com o que se faz na França. Lembra que a discussão política está no centro da atividade cultural, mas não rejeita fazer uma superprodução hollywoodiana. E encerra o papo enaltecendo a importância do humor, mesmo quando se fala de coisa séria.

 por Marcelo Lins

A dimensão humana do conflito

sex, 08/02/13
por rodrigo.bodstein |

 

Na próxima segunda-feira, Marcelo Lins entrevista o cineasta israelense Eran Riklis que, em seus filmes, promove um olhar que estimula a reflexão e o diálogo sem perder a profundidade da dimensão humana das tensões políticas no Oriente Médio. Dia 11 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

 

As notícias que chegam do Oriente Médio, em geral, mostram uma região dividida e, quase sempre, a um fio de um conflito. Pouco antes de ser reeleito, em janeiro, Benjamin Netanyahu determinou a retomada da construção dos assentamentos em Jerusalém Oriental  e na Cisjordânia. Essa medida compromete o estabelecimento de um Estado Palestino contíguo e veio acompanhada de um corte nas transferências de recursos à Autoridade Palestina e de um protesto das Nações Unidas.

Esse foi apenas mais um capítulo da difícil convivência entre israelenses e palestinos em um território do tamanho do estado de Sergipe. As dimensões pequenas e a proximidade com países que não necessariamente querem a existência de Israel foram argumentos usados para a postura de constante defesa e militarização da relação com os vizinhos. A sobrevivência, normalmente, é um argumento aceito e útil na política.

Pouco tempo depois de retomar os assentamentos, um ataque aéreo preemptivo israelense contra um centro de pesquisa militar no território Sírio, levou a ameaças de retaliação por parte do Irã e da Síria, o que torna ainda mais presente o risco do conflito se alastrar pela região. E, após três anos de pesquisa, foi divulgado esta semana um estudo mostrando que a divisão chega até mesmo aos livros escolares. Israelenses e Palestinos são educados para reconhecer o outro como inimigo.

Teorias políticas, discursos religiosos, ideologias, tudo isso funciona como óculos para enxergar a realidade. O mesmo fato pode ser contado e interpretado de acordo com a lente que se usa, que, por sua vez, é escolhida com um interesse específico e traz conseqüências distintas. Da mesma forma, no cinema, é possível filmar a mesma cena ou contar a mesma história de, pelo menos, 7 bilhões de maneiras diferentes, já que cada pessoa enxergará e interpretará o texto de um jeito.

E, em meio a tantos olhares tomados pelo radicalismo, o cineasta Eran Riklis nos oferece, com seus filmes, uma visão otimista e humana que, com um toque de humor, nos conduz em um mergulho profundo nesse mar turbulento das relações políticas e pessoais daquela parte do Oriente Médio ou, como ele mesmo diz,“não faço filmes políticos, faço observações de situações políticas e sobre pessoas presas em situações políticas.”

O Milênio da próxima semana conversa com o diretor israelense Eran Riklis e tenta mostrar um outro lado para este debate polarizado. Um olhar que promove a reflexão e o diálogo e que acredita ser possível encontrar um caminho para, nas palavras de Riklis “criar talvez não o paraíso, mas algo bem próximo disso no Oriente Médio.” Segunda-feira, 11 de fevereiro, às 23h30, na Globo News.

 

por Rodrigo Bodstein

20 minutos com Julian Assange

qua, 06/02/13
por Equipe Milênio |

 

 

Muitas são as perguntas a fazer a Julian Assange, a começar pelas razões que fazem dele um personagem tão controverso: o vazamento de documentos secretos de Estado no WikiLeaks servem ou não para fazer avançar a liberdade de imprensa, são ou não positivos para a democracia? 

São perguntas que me assaltam a caminho da embaixada do Equador em Londres e se misturam a lembranças de uma era ainda pré-WikiLeaks, quando fotos tenebrosas vazadas para a mídia internacional correram o mundo, mostrando soldados americanos torturando prisioneiros iraquianos.  

Gostaria muito de discutir essas questões com ele. Pertenço a uma categoria de profissionais que reconhece no trabalho de Assange, independente de qualquer tipo de julgamento, um momento marcante na história do jornalismo contemporâneo, porque sua filosofia se apoia num princípio incômodo, que funciona mais ou menos como um termômetro do modus operandi de nossa profissão:  segredos são feitos para serem desvendados.  

Não fosse assim, e o Primeiro Ministro Mariano Rajoy não teria agora que explicar aos espanhóis o que faz o seu nome entre os beneficiários de depósitos polpudos que constam no “livro secreto” do tesoureiro de seu Partido Popular, apenas para mencionar um escândalo recente que me assalta agora, no momento em que  escrevo essas linhas, assim como as fotos das torturas e humilhações de prisioneiros iraquianos me assaltaram em Londres.  

Segredos.  Fontes. E a preservação das fontes. Que tipo de sentimentos sofre um profissional quando uma de suas fontes secretas amarga uma prisão desumana pelas informações que passou?  Como teria sido possível que o soldado Bradley Manning terminasse sendo vítima de hackers – os que trabalham para a CIA?

Sim, eu gostaria muito de discutir essas questões com ele.

Mas não haverá tempo para discussões. Na sala de reuniões da pequena e modesta Embaixada do Equador para a qual Paulo Pimentel e eu somos conduzidos, a porta se fecha e uma voz se levanta:  “você está ciente de que Julian Assange vai falar nessa entrevista exclusivamente sobre seu livro”? De pronto, respondo ter deixado claro, na troca de correspondência com a editora Boitempo, dona dos direitos de sua publicação no Brasil, que mesmo considerando interessante o conteúdo do livro eu tinha outras perguntas a fazer e não pretendia que fossem censuradas.

Começo perturbador.  Na sala de reuniões, um segundo jovem sorridente de longos cabelos avisa que vai gravar a nossa gravação da entrevista.  Esta é a sua função no staff de Assange: registrar com sua câmera tudo o que acontece com ele.  “Bem,” argumentamos, “é um pouco incômodo, mas”…  Mais incômoda ainda será a pressão de um terceiro membro da equipe, que abre e fecha a porta por três ou quatro vezes, pedindo que aceleremos a montagem dos equipamentos de câmera e luz.   Assange não tem muito tempo, porque  vai conceder mais entrevistas a jornalistas brasileiros depois da nossa.  O rapaz adverte que não haverá contemplação para além dos vinte minutos que nos foram reservados.  Ainda mais perturbador.

Finalmente entra Assange.  Um homem magro, pálido, com cabelos lisos e brancos em abundância,  caminha rapidamente em minha direção, vestido com uma velha camisa da seleção brasileira que não lhe cai nada bem.  “Mas o que é isso”?, eu pergunto.  Vamos jogar futebol”?   Ele responde desajeitadamente:  “Homenagem ao Brasil”.  

Mais e mais perturbador.  Brasil e futebol.  O clichê dos clichês.  Percebo no comportamento de Assange e seu staff um viés do marketing que cerca uma estrela de cinema em véspera de lançamento de filme. Um tema para a entrevista, um tempo cronometrado, algum simbolismo a passar do tipo “eu visto a camisa de vocês.”. 

Começo com uma pergunta pessoal, sobre seus sete meses de confinamento na embaixada do Equador.  Ele responde falando do livro.  Este é um jogo de cartas marcadas, eu penso, em que ele tem que sair vencedor.  Percebo a agilidade da inteligência de Assange e a frieza do jogador que não move um músculo da face.  Por trás da câmera, o “croupier” que cronometra o tempo vai me acenando com uma irritante contagem regressiva.  

Lamento”, diz Assange.  “A embaixada é latino-americana, mas o horário é anglo-saxônico”.   Soa pouco elegante ouvir isso de um homem que enaltece no prefácio do livro os avanços em direção à auto-determinação  do país que o acolhe e de seus vizinhos.

Julian Assange é um anglo-saxão num espaço latino-americano e parece não se sentir à vontade dentro dele.  Nem diante da mídia que o ajuda a transmitir suas idéias pelo continente.  Mas, por mais perturbador que isso possa parecer, é indispensável conhecê-las.  Elas ajudam a pensar e refletir melhor sobre a grande teia em que todos nos encontramos.      

 

 por Elizabeth Carvalho

O homem que fez sangrar as veias da Internet

sex, 01/02/13
por rodrigo.bodstein |

 

Na próxima segunda-feira, o Milênio apresenta uma entrevista com Julian Assange, fundador do Wikileaks, e discute a guerra virtual pela informação, os rumos da Internet e a importância da criptografia para a liberdade dos usuários. 23h30, na Globo News.

A Internet talvez não seja tão etérea quanto parece. O sonho de um mundo nas nuvens, quase como uma mistura do universo do filme Tron com viagens intergalácticas em que tudo flui em um rio digital e as distâncias não mais importam, precisa de uma estrutura bem real para existir. Tubos, cabos intercontinentais, fibras óticas, centros de endereçamento e hubs nas principais cidades mantém a roda girando, como lembra o jornalista Andrew Blum em seu livro “Tubes”.

O primeiro passo aconteceu com a ARPANET, um experimento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e de algumas universidades, ganhou volume em 1983, com a adoção do protocolo TCP/IP, o que permitiu unificar diversas redes ao redor do mundo e, a partir daí, o crescimento foi exponencial. De alguns laboratórios isolados, na década de 1970, a “rede das redes” tornou-se tão densa que está hoje em nossos celulares, aparelhos de televisão, computadores, tablets e, no futuro próximo, em nossos óculos.

Por mais que ela tenha crescido, alguns princípios continuam os mesmos. Segundo Andrew Blum, “cada endereço de IP é de conhecimento público e todo o processo é baseado na confiança de que a informação chegará ao seu destino.” Enquanto a confiança é a base da parte técnica, o desafio parece ser o uso que se faz da rede. São inúmeros os casos em que empresas são processadas por violação de privacidade ou por vender os dados dos usuários. Nas palavras de Julian Assange, “a Internet tornou-se a mais importante máquina de espionagem já inventada.”

Todo tipo de comunicação flui por essas veias que atravessam o planeta e pulsam na velocidade da luz. Governos, usuários civis, militares, todos utilizam essa ferramenta, e, como Assange disse “não há mais divisão entre a Internet e a civilização moderna.” Essa integração, porém, tem custos. Em artigo para a Vanity Fair, em 2012, Michael Joseph Gross resumiu as consequências da expansão. Os principais desafios da rede, segundo Gross, giram em torno de quatro temas: 1 – soberania, 2 – pirataria e propriedade intelectual, 3 – privacidade e 4 – segurança.

Essas fronteiras, delimitadas por interesses políticos e econômicos, colocam novas questões com relação à ética e implicam em um novo tipo de guerra. Antes, a batalha pela informação era baseada em “quem iria escrever a história” ou “quem iria desenhar os mapas”. Hoje, mais do que o conteúdo a ser escrito, a guerra é pautada pelo controle sobre o que é veiculado, sobre a forma com que os dados vão circular. É um conflito mais sutil, mas que envolve bilhões de dólares. Informação é o petróleo do século XXI.

Em 2012, o Congresso e o Senado dos Estados Unidos concordaram em dar aos militares norteamericanos o poder de conduzir ataques online e veio a público a operação “Jogos Olímpicos”, realizada desde 2010 contra o programa nuclear iraniano. Esta semana, foi noticiado que hackers chineses atacaram computadores do New York Times, supostamente por causa de um relatório sobre o enriquecimento do premiê Wen Jiabao. O ciberespaço, considerado por uns o ápice da liberdade humana, ganhou, oficialmente, a categoria de campo de batalha. Ainda nessa linha, Assange ressalta que a NSA, National Security Agency, em comunicado ao Congresso afirmou interceptar, pelo menos, “1.6 bilhões de comunicações por dia” e, ele ressalta, “há 7 bilhões de pessoas no planeta.”

Pirataria e privacidade foram questões em alta ano passado. O debate sobre SOPA (Stop Online Piracy Act), o PIPA (Protect IP Act) e o ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement)) levou milhares de pessoas às ruas nas principais capitais do mundo contra esses projetos de lei, que buscam maior “ordem” na internet. A questão, sustentam os críticos, é quem seriam os beneficiados por esses esforços e que riscos para os direitos de privacidade e liberdade de expressão haveriam.

Nesse conflito virtual, dominado por corporações e governos e com consequências reais, uma organização ganhou destaque. Fundado em 2006,o Wikileaks começou a jogar na rede informações confidenciais. Procedimentos de Guantánamo, comunicações entre embaixadas americanas (Cablegate), interceptações telefônicas do escândalo do petróleo no Peru, documentos sobre a crise na Islândia, sobre a guerra no Iraque – pelos quais o soldado Bradley Manning está sendo julgado e o que traz a questão sobre a segurança das fontes – e sobre a guerra do Afeganistão. A lista parece não ter fim.

Julian Assange talvez seja tão polêmico quanto a organização que dirige. Alvo de investigações por parte dos Estados Unidos por causa dos vazamentos, acusado de ter estuprado duas mulheres na Suécia – fato que nega -, obcecado pelo trabalho, pediu asilo político ao Equador – país que recentemente foi foco de críticas com relação à liberdade de imprensa, um valor que está como norma absoluta do Wikileaks. Esta semana, anunciou sua candidatura ao senado australiano e, mesmo confinado, vai publicar um livro. O Milênio apresenta, na próxima segunda-feira, o homem que fez sangrar as veias da Internet. Dia 04 de fevereiro, 23h30, na Globo News.

por Rodrigo Bodstein



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