O segredo é o inimigo da verdade
Desde a entrevista ao Milênio, Mary Robinson prossegue em viagens pelo mundo e continua a incomodar os acomodados. O exemplo mais recente do ativismo dela se deu na África do Sul, onde desancou o partido no comando do país, o Conselho Nacional Africano, que teve em Nelson Mandela seu líder histórico reverenciado até hoje. Só que, em tempos recentes, o grupo político sul-africano, no poder desde 1994, dá sinais de perda de rumo, em meio a casos de corrupção e planos de criar leis para reprimir os críticos, em nome da segurança nacional.
Robinson aproveitou justamente um evento em Joanesburgo em homenagem a Mandela para denunciar que a “autoridade moral do CNA tinha sofrido erosão” devido a uma série de denúncias de corrupção. Ela exortou o partido a abandonar um projeto de lei repressivo sobre segredos oficiais, visto como ameaça à liberdade de imprensa. E indicou que os líderes deviam dedicar mais esforço a combater pobreza e desigualdade no país, “questões que precisam ser enfrentadas se a democracia tão longamente buscada na África do Sul for passar às próximas gerações”.
Mandela, com 94 anos e saúde frágil, não foi à homenagem que incluiu a apresentação de Robinson, mas seus assessores não escondem que ele concorda com muitas das críticas da ex-presidente da Irlanda e ex-comissária de direitos humanos da ONU. Aos mais próximos, Mandela se diz insatisfeito com algumas tendências do partido que ele ajudou a desenvolver na luta contra o regime racista do apartheid. De público, porém, ele tende a conter suas críticas, na expectativa de que uma reforma interna corrija os desvios que Robinson apontou.
“Se vocês aprovarem uma lei que esconde as ações do estado, que interfere com a liberdade da imprensa em investigar corrupção, isso vai bloquear os esforços dos que têm denúncias a fazer, e assim provocarão um aumento nos níveis de corrupção no futuro”. Segundo Robinson, “o interesse público exige a verdade básica, com transparência e cobrança ao governo”. E conclui com a afirmação que ecoa muito além da África do Sul: “O segredo é o inimigo da verdade”.
por Silio Boccanera