Um otimista bem informado
Um exercício de reflexão: pense na última vez em que você conversou com um interlocutor que tivesse convicções firmes, e defendesse essas convicções com argumentos pertinentes e raciocinio lógico. Pois eu tive essa oportunidade há alguns dias. Escalado pelo Milênio para entrevistar o cientista social Ignacy Sachs, tive ali a oportunidade de estar frente a frente com um grande pensador do século XX. Mais do que isso, com um homem que não apenas viu boa parte das transformações do século passado, como também participou delas.
Nascido na Polônia, numa família judia abastada, Sachs veio para o Brasil em 1941, fugindo do nazismo. Formou-se em economia no Rio, voltou nos anos 50 para Varsóvia, onde trabalhou no governo comunista. No final da década foi para a Índia , onde concluiu um doutorado em economia com viés social. De lá seguiu para Paris, onde ajudou a criar a Escola de Altos Estudos em Ciências Humanas. Durante toda essa trajetória, Sachs nunca se afastou dos princípios humanistas, sempre associado ao que se convencionou chamar de pensamento de esquerda.
Neste sentido, defende avanços da economia planificada e uma análise crítica do que funcionou e do que fracassou no antigo bloco comunista. Também é um pioneiro do que hoje parece o senso comum, as idéias ligadas á sustentbilidade. Defensor de um desenvolvimento baseado num tripé – econômico, social e ambiental, Sachs nos recebeu na casa de amigos onde estava hospedado em São Paulo, um dia depois de chegar de Paris. E, aos 85 anos, se mostrou mais firme do que nunca em suas convicções. Na conversa, com câmera ligada ou não, nem um mísero traço do esnobismo acadêmico que acomete com freqüência especialistas de importância bem menor do que a dele.
Aqui e ali, a reafirmação da admiração e da esperança no Brasil, e a reverência explícita a um brasileiro, muitas vezes esquecido entre nós: o geógrafo Josué de Castro, autor da “ Geografia da fome “e um ícone do humanismo. Sobraram elogios também para outro brasileiro, José Graziano, diretor da FAO, a Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Da entrevista que rendeu um programa e do papo informal, ficam a lembrança de um homem extremamente educado, que fez questão de cumprimentar com a mesma deferência todos os integrantes da equipe e não reclamou dos pedidos para gravar imagens extras, e de um intelecual antenado com seu tempo, inquieto e proativo e, principalmente, que não se permite ser pessimista mesmo com todos os muitos problemas do mundo atual. Como ele mesmo disse “Pessimista é um otimista bem informado. E eu me recurso a me considerar tão bem informado a ponto de olhar para o mundo de forma pessimista.”
por Marcelo Lins