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Jaron Lanier: Por uma internet mais humana

sex, 27/01/12
por rodrigo.bodstein |


No Milênio de segunda-feira, 30/01/2012, às 23h30, Jorge Pontual entrevista Jaron Lanier, um dos críticos da Web 2.0 e defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita.

 

Precisamos de uma internet mais antropocêntrica, menos focada em algoritmos.” A afirmação é de Jaron Lanier, precursor da realidade virtual e um dos críticos da Web 2.0. Ele quer não apenas a liberdade de trocar informação, mas a liberdade de pensar e de ser criativo em um modelo que, atualmente, anestesia, cada vez mais, os usuários, com a ilusão de acesso a um conteúdo ilimitado. Hoje, baixar filmes, discos, livros e encontrar pessoas, quase que instantaneamente, parece natural, mas nem sempre foi assim. Há pouco tempo atrás, até mesmo discos eram objetos raros e era preciso bons contatos e um certo grau de logística para conseguir o material em primeira mão. As mudanças no dinamismo dos fluxos e a estruturação da legislação dos direitos autorais aconteceu, gradualmente, a partir da década de 60.

Naquela época, o mundo estava em ebulição, com revoluções, golpes de Estado, ditaduras, guerras, feminismo, descolonização, bossa nova, rock n´roll e crises nucleares. O governo dos EUA, então, decidiu estabelecer um mecanismo para que a troca de informações cruciais não fosse afetada, caso um ponto da cadeia fosse destruído por um ataque inimigo. Surgiu a ARPANET. Não chegava perto da rede que temos hoje, mas definiu o princípio básico de dividir a informação em pacotes. Assim, os dados percorriam diferentes rotas e eram reagrupados na máquina de destino, compondo a mensagem original. Aos poucos, ganhou os contornos atuais. Em 1989, surgiu o hipertexto. Na década de 1990, os navegadores. Nos anos 2000, a rede saiu dos computadores e ganhou os celulares, televisores, tablets e outros aparelhos. A cada nova etapa, o nível de fluxos e trocas aumentava exponencialmente e, com o maior acesso à informação, surgiam novos desafios para a defesa da propriedade intelectual.

Mas, para entendermos um pouco da relação entre a internet e os direitos autorais, precisamos responder a uma questão: O que significa propriedade intelectual? Segundo as informações disponíveis no site da WIPO (World Intellectual Property Organization) podemos sistematizar, dividindo em dois troncos principais. O primeiro envolve a propriedade industrial, soluções para problemas técnicos. O segundo, os direitos autorais que protegem a forma de expressão das ideias e não as ideias em si. Um exemplo: podemos fazer um poema sobre a saudade, filmes, livros, etc, mas não podemos ter direitos sobre o sentimento “saudade”. Nesse segundo tronco, é importante a distinção entre direitos econômicos e morais. A parte financeira, ligada a reprodução e comercialização, pode ser distribuída entre autores, produtores e difusores da obra, mas os direitos morais sobre o conteúdo permanecem com os autores. Em geral, duram até 70 anos depois da morte do autor. A proteção desses direitos começou na Convenção de Berna, em 1883, mas, apenas em 1967, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi criada para sistematizar e controlar essas questões no âmbito internacional.

Internet, direitos, e, agora, o consumidor. Ele, que na década de 60, dependendo do que buscasse, precisava de amigos no exterior para conseguir discos e livros específicos, cerca de 50 anos depois, consegue tudo o que quer quase instantaneamente e, algumas coisas, baixa de graça. É uma mudança considerável. Podemos ver um show de qualquer parte do mundo, recortar e compartilhar o que queremos. A informação passsou a ser organizada e reorganizada em cada ponta da rede. Podemos dizer que o acesso tornou-se mais aberto, mas as empresas que baseiam sua renda no antigo sistema de royalties estão em crise. Como atingir um sistema que equilibre flexibilidade e dinamismo com o controle sobre a reprodução e comercialização dos produtos culturais? Até que ponto esse conflito afeta nossa sociedade?

É um debate que vem se intensificando nos últimos anos e, em janeiro de 2011, ganhou as manchetes do mundo com a tentativa de passar duas leis no Congresso dos Estados Unidos: SOPA (Stop Anti-Piracy Act) e PIPA (Protect IP Act). São esforços para bloquear o acesso a sites que comercializam conteúdo, como música, filmes e livros, de maneira ilegal. Duas posições ficaram claras. Por um lado, as grandes gravadoras e estúdios apoiaram os projetos de lei e, por outro, sites como Google, Facebook e Wikipedia, além de 10 milhões de americanos, se colocaram contra o maior controle. O Milênio de segunda-feira, dia 30/01, acrescenta mais uma posição para pensar o futuro do mundo virtual. Em entrevista a Jorge Pontual, Jaron Lanier, defende uma internet aberta, mas não completamente gratuita.

A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações “sugeridas para o seu perfil” escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por “gostos”, tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Segundo ele, a estrutura atual cria uma “agência de espionagem privada” que desvirtua o propósito inicial de permitir que cada usuário possa trocar seus bits com outros, como em um grande mercado, e tudo seja acessível a uma taxa razoável. Esse fluxo permitiria que a criação individual fosse devidamente remunerada e estimularia o trabalho intelectual. De certo modo, muito além de direitos autorais, a necessidade de reformar o sistema é o que está nas entrelinhas de toda essa discussão.

É o momento de repensarmos a forma como estamos nos constituindo como sociedade e no efeito desses mecanismos virtuais que estão virando parte essencial da vida cotidiana. Cada dia que passa, estamos mais presos em um sistema que direciona o acesso a informação e promove uma identidade linear aos seus usuários. Segundo Jaron, “precisamos pensar contra as ferramentas disponíveis na internet para sermos livres“. A liberdade é o eixo principal do debate, mas qual é a melhor maneira de exercê-la? Qual é o preço do acesso completamente gratuito? Como evitar a censura?

 

Deixe seu comentário e veja a entrevista dia 30/01/2012, às 23h30, no Milênio. Só na Globo News.

 

Para saber mais sobre SOPA e PIPA: Não perca o Globo News Especial deste domingo, às 20h30.

por Rodrigo Bodstein

K., o armador genial

qui, 26/01/12
por Equipe Milênio |

Aos 88 anos, Dr. K dribla e chuta com as duas, mas o gênio dele ainda é a cabeçada. Henry Kissinger espera, mira e pá! Há meses vinha negociando um encontro com o mais influente diplomata do século 20. Graças à mediação de Israel Klabin e da jornalista Cristina Aragão, nos encontramos na tarde de quarta-feira, mas nunca havíamos negociado o tempo da entrevista.

“Quanto tempo?”, ele perguntou.
“Uma hora.”
“Nem pensar. Out of question.”
“Fico feliz com 45 minutos.”
“Achei que seriam 10 minutos. Dou 30″, disse Kissinger.
“Fechado.”

Depois de passar semanas lendo sobre as negociações dele com os chineses aprendi alguma coisa. Trinta minutos é o tempo do programa Milênio. O livro que lançou este ano, On China, foi lançado no Brasil com o título Sobre a China, mas começamos pelo assunto que bate mais no peito do que na cabeça de Kissinger: futebol.

“Vou dizer que o Brasil não vai ganhar a Copa de 2014.”
“Fico triste porque suas previsões são quase sempre certas. Infelizmente, concordo. Viu o jogo do Santos com o Barcelona?”
“Barcelona é o melhor time desde o Brasil da Copa da 70.”

Será o melhor time da história? Melhor do que o Santos de Pelé ou do que a seleção húngara de 54? Infelizmente não esclarecemos a questão, mas na minha pesquisa sobre Henry Kissinger descobri que a paixão dele pelo futebol não é um jogo de relações públicas. A paixão é genuína e ele planeja comemorar seus 90 anos na Copa do Mundo no Brasil.

Criança, judeu, em Fürth, na Bavária, ele era viciado em futebol. Cabeçudo, magrelo e baixo, nunca foi o jogador mais habilidoso do time, mas gostava do jogo bonito e limpo, tinha disciplina, brigava pela bola e sacava tanto sobre táticas que chegou a ser capitão do time. E na Alemanha, capitão é capitão. Manda – e Kissinger sempre gostou de mandar. Fürth, perto de Nuremberg, foi uma das pioneiras e mais radicais do antissemitismo na Alemanha. As discriminações começaram na década de 30 e os judeus foram proibidos de participar de eventos públicos, inclusive jogos de futebol. O jovem Heinz Kissinger, fã incondicional do Greuther Fürth, conhecido como “Kleeblatt-Elf” (o “time do trevo”), contrariava as ordens oficiais e as instruções paternas e ia para o estádio com o irmão, Walter. Mais de uma vez foram surrados por gangues alemãs, mas a empregada cuidava deles, das roupas rasgadas e não contava para os pais.

Em 1938, a situação se agravou. O pai, que adorava a Alemanha e achava que a aberração nazista seria passageira, não podia mais dar aulas. Concordou com a mulher, Paula, e vieram para os Estados Unidos. Heinz tinha 15 anos e ficou marcado pela humilhação do policial da imigração na hora da partida. Um dia voltaria. Voltou como soldado do Exército americano e, graças ao talento e à cultura, foi colocado em posições de chefia, com ajuda do mentor Fritz Kraemer, um prussiano de origem aristocrática que descobriu a genialidade de Heinz, já com o nome Henry. Aos 21 anos, o jovem soldado foi enviado para a linha de frente numa das mais brutais batalhas do final da guerra, a de Bulge, mas Kissinger nunca deu um tiro. Era o único que falava alemão no batalhão e, à medida que os americanos avançavam, assessorava superiores. Na primeira cidade conquistada pelo batalhão dentro da Alemanha, Krefeld, ele recebeu a tarefa de cuidar da lei e da ordem. Em oito dias, tudo funcionava, da coleta de lixo à energia elétrica. As responsabilidades dele cresceram. Foi promovido a sargento, medalhado e transferido para o divisão de contra-espionagem em Hannover. Começou como motorista, mas, em poucos meses, era o rei da cocada. A missão dele era identificar agentes da Gestapo e desnazificar a área. Tinha plenos poderes, inclusive de ocupar a maior casa da região, tomar a amante do industrial e dar festas generosas. Pontificava.

Henry lidava com os ex-nazistas sem violência e brigava com judeus que queriam vingança pelos maus tratos, embora a maior parte da própria família, 13 pessoas, como ele conta, “tenha virado sabão”. Quando cobrei dele a omissão pelos direitos humanos, ele lembrou a infância e a adolescência reprimidas pela violência: “o difícil era achar o equilíbrio certo entre o uso da força e da justiça”, disse Kissinger sobre os anos como assessor de Segurança Nacional e secretário de Estado de Nixon e Ford. O homem da détente com a União Soviética na Guerra Fria, da abertura de relações com a China, do bombardeio do Camboja e Hanói no Natal, da Operação Condor na América do Sul, da guerra e da paz no Vietnã, teve mais influência na ordem internacional do que qualquer outro estadista do século 20.

O mundo de hoje é mais ou menos seguro do que no dia em que ele entrou na Casa Branca em 69 e começou sua reforma internacional? A resposta esta no programa Milênio onde, infelizmente, há pouco sobre futebol e muito sobre política internacional.

por Lucas Mendes

Kissinger e o jogo da política internacional

sex, 20/01/12
por rodrigo.bodstein |
categoria Programas

 

Na próxima segunda-feira, dia 23/01, o Milênio entrevista um dos mais importantes diplomatas do século XX, Henry Kissinger, às 23h30, na Globo News.


Em 1969, você estava de um lado ou de outro. Agora existem tantas mudanças revolucionárias acontecendo, em tantas partes do mundo simultaneamente, que as consequências são imprevisíveis”. A comparação, feita por Henry Kissinger -  um dos personagens mais importantes da história da diplomacia contemporânea – em entrevista ao Milênio, resume as diferenças entre a ordem internacional vigente durante boa parte do século XX e o momento atual. Mas, por mais que o adversário estivesse bem definido, as consequências de um erro eram devastadoras.

Durante a Guerra Fria, cada palavra ou decisão era determinante para o futuro da humanidade. Calcular a percepção do inimigo tornou-se uma questão de sobrevivência. A tecnologia nuclear determinava a hierarquia na segurança mundial e a disputa pelos corações e mentes era acirrada. Era o auge da realpolitik. Neste jogo de xadrez complexo, dividido em vários tabuleiros, poucos foram tão hábeis quanto Henry Kissinger, nome que foi sinônimo do poder americano. Hoje, presta consultorias e continua atuante no meio acadêmico. Seu mais novo livro, Sobre a China, norteou a entrevista feita por Lucas Mendes no escritório da Kissinger Associates, em Nova York.

Kissinger vivenciou os horrores da Segunda Guerra Mundial e viu a Guerra Fria se delinear. Alemão de família judia, nasceu em 1923, em Fürth. Imigrou para os Estados Unidos aos 15 anos e logo fez carreira no exército. Como falava alemão, rapidamente foi destacado para a divisão de inteligência. Aos 23 anos, comandava um destacamento da contra inteligência americana em Hesse, cidade de seu país natal.

A tese de doutorado, escrita no início dos anos 50, “Peace, legitimacy, and the equilibrium: (a study of the statesmanship of Castlereagh and Metternich)” – Paz, legitimidade e equilíbrio (um estudo do estadismo de Castlereagh e Metternich) em tradução livre -, indica a maneira como ele enxergava o mundo. O profundo estudo sobre o Congresso de Viena moldou a maneira como conduziu a política externa americana. Kissinger traduziu a lógica do equilíbrio europeu, alinhavada em 1815, para um mundo bipolar e nuclearizado.

A carreira de Kissinger foi marcada por muitas decisões difíceis – apoio a ditaduras, derrubada de governos, bombardeios. Hoje, ele enfrenta diversos processos e precisa de aconselhamento jurídico antes de viajar para fora do país. Mas, manteve sempre em mente o equilíbrio do poder relativo entre as potências. Segundo Kissinger, “”No mundo real, para agir você tem que ter valores, porque as decisões difíceis para um país são sempre muito disputadas: 51% a 49%. Então, se não tem convicções morais, você não consegue agir. Mas, ao mesmo tempo, se você não tem o equilíbrio de poder, os fortes podem dominar como quiserem. Então, eu acredito que você precisa de equilíbrio e também de um senso de justiça. Você precisa dos dois, lado a lado. Caso contrário, o sistema internacional não funciona.

A necessidade de equilíbrio se fez mais presente depois dos eventos de 1962. Poucos anos antes de Henry Kissinger chegar à Casa Branca, aconteceu uma das maiores crises na política internacional. Aviões de espionagem americana avistaram silos nucleares em Cuba. Navios militares americanos e soviéticos ficaram frente a frente. Em treze dias, a destruição do planeta quase vira realidade. Depois da crise dos mísseis, ficou claro que havia a necessidade urgente de uma comunicação direta entre os líderes soviéticos e americanos. Entre as milhares de ogivas, submarinos, porta-aviões e operações secretas, surgiu o telefone vermelho e a diplomacia ganhou novos contornos. Para manter a ordem internacional, era necessário amenizar as tensões.

Nesse sentido, o talento de Kissinger ficava cada vez mais em evidência. Ao mesmo tempo em que tentava encontrar uma saída para a Guerra do Vietnã, estabelecia a Détente com União Soviética e delineava uma relação estratégica com a China, reforçando o peso da diplomacia. Em entrevista a Lucas Mendes, a um mês dos 40 anos do encontro com Chu En-Lai, em 1972, Kissinger fala sobre a impressão que teve daquele país, a relação da China com os Estados Unidos e analisa o equilíbrio da região. Considera improvável um confronto direto entre os Estados Unidos e a China, mas observa com atenção os acontecimentos no Sudeste Asiático.

Depois de uma vida em posições de enorme responsabilidade, considerado um diplomata habilidoso por uns, figura polêmica por outros, criticado pelos defensores de direitos humanos e aclamado analista das relações internacionais, ainda guarda traços do rapaz tímido que, com sotaque carregado e apaixonado por futebol, desembarcou nos Estados Unidos para fugir de uma guerra e se tornou um dos personagens centrais do embate entre as duas superpotências do século XX.

por Rodrigo Bodstein

A casa com a árvore mais alta

qui, 19/01/12
por Equipe Milênio |

 

programa:

 

“Minha casa é a que tem a árvore mais alta da rua”, instruiu-nos Zygmunt Bauman, para que o repórter-cinematográfico Paulo Pimentel ao volante e o repórter ao lado atrapalhado com GPS não se perdessem em Leeds, norte da Inglaterra.
Ali, em confortável casa protegida ou ameaçada pela tal árvore, o professor mora desde os anos 70, época em que deixou sua Polônia natal para dar aulas de Sociologia na Universidade de Leeds, de considerável reputação internacional, sobretudo na matéria dele.

Bauman está com 86 anos e se aposentou há mais de dez, porém continua prolixo na produção de artigos, conferências e livros.
Suas obras correm mundo, inclusive o Brasil, onde tem uma dúzia de livros publicados e bem vendidos pela Editora Zahar.
O lançamento mais recente, no Brasil, no Reino Unido e em dezenas de países, foi 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, que reúne as colunas ou “cartas” escritas por ele para a revista semanal italiana La Repubblica Delle Donne. entre 2008 e 2009.

Mas ele não para de escrever e comentar sobre assuntos diversos da cultura contemporânea e por isso já prepara mais um livro, que reúne desde artigos e ensaios a pequenas observações do dia-dia-dia.
– Será uma espécie de diário” – explica-nos Bauman enquanto nos oferece salmão e suco de frutas em seu escritório. — Por isso mesmo, vai ter o título: Isto Não É Um Diário”.
– Parece o Magritte e seu quadro de um cachimbo com o título Isto Não É Um Cachimbo? – ouso comparar, aproveitando que o professor não larga o cachimbo e fuma-o sem parar durante nosso encontro.E no espírito de intelectual interessado em vários assuntos, ele já nos remete a um estudo de Michel Foucault sobre o quadro de Magritte.
O local de trabalho do professor em casa é aconchegante, com vista para o jardim, e estantes tomadas por seus muitos livros traduzidos em vários idiomas, além de fotos e lembranças das três filhas e da mulher falecida há poucos anos.
Carros acelerados e barulhentos percorrem uma avenida próxima, mas não o incomodam, diz ele rindo, aos 86 anos, “porque já estou meio surdo mesmo”.

De fato, o telespectador poderá notar que as perguntas soam em tom mais alto do que as respostas, a pedido dele, preocupado em garantir que nos ouvisse. Dá para perceber também o forte sotaque polonês do professor, apesar do inglês fluente e rico na escolha de palavras e expressões.

Ele tem voltado à Polônia com frequência, desde que deixou de ser persona non grata , após a queda do comunismo – como já tinha ocorrido com ele sob a ocupação nazista. Vai a trabalho, para consultas acadêmicas ou dar palestras, porque não tem mais família lá.
O bom humor do professor não se abala quando o cinegrafista interrompe a gravação e brinca: “o senhor está muito levado, mexendo-se demais na cadeira”. Ele ri e promete se comportar melhor.
Bauman esteve no Brasil uma só vez, há mais de 10 anos, convidado pela Sociedade Brasileira de Sociologia, para uma conferência em São Paulo.
– Antes da era Lula –, comenta.
– Foi então durante a presidência de seu colega sociólogo Fernando Henrique Cardoso? – perguntamos.
– Ele é sociólogo? Eu não sabia.

Nossa conversa gravada cobre assuntos variados. Poderíamos ter continuado o papo por muitas horas e tratado de outros tópicos, mas o programa só dura meia-hora. E o professor já nos advertira de que se cansa com facilidade. Por isso, o Milênio oferece apenas uma amostra do vasto repertório de Zygmunt Bauman.

 

por Silio Boccanera

Zygmunt Bauman e o sistema que hipotecou o futuro

qui, 12/01/12
por rodrigo.bodstein |

 

 

Em agosto de 2011, uma revolta em Londres chamou a atenção do mundo. Sem liderança aparente ou qualquer tipo de exigência, jovens foram às ruas. Incendiaram e saquearam lojas, invadiram shopping centers e destruíram símbolos da sociedade de consumo que os excluía.

 

A questão era intrigante. O que levou essas pessoas a essas ações violentas? Embora compartilhassem o contexto de crise econômica e falta de oportunidades com aqueles que levaram a cabo os movimentos da Primavera Árabe, os jovens do Reino Unido não queriam transformar a ordem. Segundo Zygmunt Bauman, “foi uma revolta de consumidores desqualificados”. Eles queriam, na verdade, participar do sistema. O sociólogo viu naquela revolta o símbolo do momento em que vivemos.

 

Bauman foi uma testemunha das mudanças desse século de extremos. Nascido em 1925, na Polônia, sobreviveu ao nazismo, vivenciou o comunismo e, há 40 anos, pesquisa e mora na Inglaterra. Sua maior contribuição foi o conceito de liquefação dos laços sociais. Por mais que nossas relações não tenham perdido densidade ou complexidade, elas passaram a ser mais fluidas e incertas. As mudanças no modo de produção desencadearam uma série de pequenas revoluções no cotidiano que, aos poucos, criaram o contexto para que a sociedade atual se desenvolvesse.  De uma fábrica que detinha cada etapa da confecção de um bem, temos hoje cadeias de produção que se espalham pelo mundo como teias que se entrelaçam graças à tecnologia da informação e aos transportes cada vez mais rápidos. O tempo que era linear tornou-se instantâneo e o conhecimento passou a ser a base para a geração de valor. Em poucos anos, o capital que era sólido e fixo, ganhou enorme liberdade no espaço e no tempo.

 

Como consequência, todo o tecido social foi afetado. No nível do trabalho, a atualização e a capacitação profissional passam a ser constantes e a renovação dos quadros não mais obedece uma ordem linear. Foi rompida a sequência entre escola, universidade e trabalho. O mercado busca cada vez mais a especialização e muitos diplomados acabam em subempregos ou desempregados. Na arquitetura, os não-lugares – shopping centers, estradas, aeroportos – representam pontos de conexão em uma rede de fluxos indefinidos. Governos ficam à deriva em um contexto que Bauman classifica como “divórcio entre política e poder”. Na vida pessoal, a constante necessidade de se redefinir, de se aprimorar e de se adaptar cria um ambiente de insegurança e angústia. A saída, para muitos, é o consumo. Um alívio rápido que permite que se estabeleçam laços com determinado grupo ou idéia, mesmo que de maneira fugaz, pois sempre haverá algo mais novo ou mais interessante. Os estímulos constantes e a necessidade de criar para agregar valor fecham o ciclo de um sistema que se retroalimenta e se expande a uma velocidade que parece sempre maior do que se pode acompanhar.


Para Bauman, aqueles jovens demonstraram a crise de um sistema consumista que hipotecou o futuro, desmantelou gradualmente as estruturas que mantinham a coesão social e comercializou a moral. O correspondente Silio Boccanera foi até a casa de Zygmunt Bauman, em Leeds, para conversar com um dos sociólogos mais importantes de nosso tempo. Veja a entrevista completa no Milênio desta segunda-feira, 16/01, às 23h30 na Globo News.

 

 

Fotos: Julia Pimentel

 

por Rodrigo Bodstein

Larissa Behrendt e a causa aborígene

qua, 11/01/12
por Equipe Milênio |

 

 

Pelas estatísticas, eles representam entre um e dois por cento da população – pouco mais de 100 mil entre 22 milhôes de habitantes, e isso é um bom sinal:   há aproxidamente cinquenta anos, quando foram finalmente incluídos na contagem do censo,  sobravam não mais do que 40 mil dos 300 mil aborígines que os ingleses encontraram na Australia ao final do século XIX.  A visão que até então predominava na nova nação, construída como branca e européia, era a de que os indígenas desse lado do mundo eram um pedaço da pré-história que sobreviveu intacto no mundo moderno e estavam condenados à extinção: o melhor a fazer era deixá-los ir minguando aos poucos.

Muita coisa mudou a partir de então.  E a Australia chegou ao final do século XX pedindo sucessivas desculpas aos aborígenes pelo século e meio de massacre, de preconceito e de exploração da chamada geração roubada, em que dezenas de milhares de crianças indígenas foram sequestradas de suas famílias.

Mais uma década vencida, e o ativismo pela causa aborígene tornou-se o alvo de um dos principais prêmios nacionais.   É da procuradora e professora universitária Larissa Berendt o título de cidadão australiano do ano concedido pelo governo em 2011.  Larissa é filha de um aborígene com uma inglesa, autora de vários livros premiados, e uma defensora intransigente dos direitos dos primeiros habitantes da australia que, segundo ela, estão longe de serem reconhecidos.  É o que nos conta nesta entrevista em sua sala na Escola de Direito em Sydney

 

por Elizabeth Carvalho



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