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Salazar: de Lanzarote a Londres, via Las Vegas e Maynooth

seg, 18/04/11
por Equipe Milênio |

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O interesse do Milênio em Salazar começou com a morte de José Saramago.

O repórter cinematográfico Paulo Pimentel, que registra com maior regularidade as imagens do Milênio na Europa, tinha ido cobrir a morte do escritor português na ilha de Lanzarote, onde o premiado Nobel de Literatura tinha passado os últimos anos.

Na volta à sua base em Londres, via Lisboa, Pimentel leu a bordo do avião, numa revista portuguesa, referência a uma recém-lançada biografia do ditador António de Oliveira Salazar, que comandou Portugal com linha dura e ideias moles durante quase meio século.

“Isso rende um Milênio” – pensou logo Pimentel, com seu faro jornalístico de 30 anos em coberturas para a Rede Globo e a Globo News, além dos muitos trabalhos que realiza como cinegrafista freelance para emissoras de TV europeias. São dele, em geral, as fotos que ilustram o blog dos Milênios feitos na Europa.

repórter cinematográfico Paulo Pimentel

Pimentel trouxe o artigo e concordamos que Salazar era um assunto ótimo para o Milênio, um programa de ideias e temas de impacto na sociedade e na história. Mas como sempre, era preciso ler o livro primeiro, para saber se tinha qualidade para justificar uma entrevista com o autor.

Encomendar o livro, até então não publicado no Reino Unido, foi uma operação complexa, que me obrigou a comprá-lo de uma editora em Nova York, que o enviou a Las Vegas(!), de onde um portador me trouxe em mãos a obra que, para surpresa minha, veio dos EUA em português, embora exista uma edição em inglês. Nem tentei entender o porquê.

Segundo obstáculo foi encarar 802 páginas, em meio a tantos livros para ler, tantas outras entrevistas a preparar. Mas aos poucos consegui mergulhar na biografia (a chuva constante em Londres serve para alguma coisa) e logo fiquei intrigado pela figura de Salazar, quem era e o que fez durante períodos-chaves na história recente, da Segunda Guerra Mundial à descolonização da África. Havia ainda sua relação com Mussolini, Franco, Hitler, e com o Brasil, que ele cultivava e repelia ao mesmo tempo.

fotos: Paulo Pimentel

O autor da biografia, Filipe Ribeiro de Meneses, não morava nem em Portugal nem no Reino Unido, mas na República da Irlanda, onde é professor de História na Universidade da Irlanda, filial de Maynooth, perto de Dublin.

Logo no primeiro contato, Meneses mostrou boa-vontade com nosso pedido de entrevista. Conhece o Brasil, que visitou quando seu pai serviu como diplomata em Brasília. A programação do encontro ainda caminhava quando ganhou uma dimensão peculiar no dia em que Pimentel e eu fomos entrevistar para o Milênio outro autor com interesse em Portugal. Era o historiador britânico Edward Paice, que escreveu sobre o mega-terremoto e a tsunami em Lisboa, em 1755, e foi convidado do Milênio em janeiro (clique aqui e reveja esse programa).

Paice queria conhecer Meneses, com quem compartilhava interesse sobre as colônias portuguesas na África. E também quis ler a biografia de Salazar.

Combinamos então um encontro a três em Londres, no próprio escritório de Paice, vizinho ao Big-Ben. E ali foi feita a entrevista sobre Salazar que o Milênio agora leva ao ar.

O livro nos ofereceu a oportunidade de discutir com o autor desde o Salazar jovem, quase-padre, depois o professor universitário, até o ministro das Finanças que virou ditador todo-poderoso.

Seria quase como examinar a evolução de Salazar, não fosse essa palavra tão inapropriada para descrever uma homem e político congelado em suas crenças e seus preconceitos, irredutível em sua visão de mundo mais apropriada para a Idade Média do que para um país europeu no século vinte. Achava, por exemplo, que o Brasil tinha se tornando independente cedo demais, era um país imaturo e devia suas benesses à colonização portuguesa.

O subsecretário de estado americano George Ball ofereceu uma descrição mais pitoresca, ao visitar Lisboa em 1963, para negociar com Salazar: “- Um reacionário!” – escreveu Ball a seu chefe, o presidente Kennedy “- Salazar vive absorto numa dimensão temporal muito diferente da nossa; parece que ele e todo o seu país vivem em mais do que um século ao mesmo tempo, e que os heróis do passado continuam a moldar a política portuguesa”.

A conclusão de Ball foi de que Portugal era governado por um triunvirato: Vasco da Gama, Infante Dom Henrique e Salazar.

O Milênio joga uma luz sobre o líder que virou sinônimo de Portugal no século vinte. Ou seria o século quinze?

por Silio Boccanera

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4 Comentários para “Salazar: de Lanzarote a Londres, via Las Vegas e Maynooth”

  1. 1
    Jvirote:

    Melhor do que a própria apresentação da obra do entrevistado foram as pertinentes e bem colocadas perguntas do apresentador Sirio Boccanera. Competente repórter que surpreender nas inteligentes argumentações junto a seus entrevistados, para satisfação dos telespectadores ávidos por elucidativas entrevistas. Parabéns equipe Milenio!

  2. 2
    Joaquim Pereira Damasceno:

    É sempre um enorme prazer assistir uma entrevista muito boa na televisão. Quase uma surpresa já que não há mais tantos programas de qualidade na telinha.
    Foi um prazer enorme poder ter dios programas com análises sobre o caudilho de Portugal e com discussões aprofundadas e acuradas sobre as relações com outros ditadores e fascistas europeus, além de uma visão crítica profunda sober a excrescência que foi o controlo português sobre as colônias em África.
    Um pecado que portugueses e mais portugueses vêem como um pecadilho, mas que nunca esteve bem contextualizado até essa entervista.
    Agradeço a possibilidade de vê-la e agradeço ao entrevistador que estava muito bem preparado para a tarefa.
    Vou comprar o livro.
    Um abraço agradecido deste telespectador assíduo e sempre surpreendido com a qualidade do programa.

  3. 3
    JP:

    O fortíssimo sotaque do entrevistado dificultou terrivelmente o entendimento de várias informações.
    Merecia uma legenda, mesmo que o idioma seja o mesmo!

    PS. o regime de Salazar era fascista e covarde. Daí a “neutralidade” durante a segunda guerra.

  4. 4
    Jackson Kuntz:

    Achei o historiador bem defensor do Salazar, se não fosse o Boccanera arrancar algumas posições, ele tinha falado só bem do político português.



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