Um vídeo que tem sido compartilhado nas redes sociais afirma que vacinas para a Covid-19 podem criar seres geneticamente modificados. A mensagem é #FAKE.
— Foto: G1
O vídeo, de pouco mais de 21 minutos, foi gravado por uma osteopata norte-americana chamada Carrie Madej. Ela diz: “As vacinas para a Covid-19 são projetadas para nos transformar em organismos geneticamente modificados. A tecnologia do DNA e RNA recombinante vai causar nas pessoas alterações genéticas permanentes e desconhecidas. Cria uma nova espécie, e talvez destrua a nossa”.
Médicos entrevistados pela CBN afirmam que as premissas não fazem qualquer sentido à luz da ciência. A sequência genética humana não é afetada pela técnica mencionada, que é nova e vem sendo usada em vacinas em testes pelo mundo, com bons resultados – é o caso do imunizante desenvolvido pelo laboratório norte-americano Moderna e o da multinacional Pfizer formulado com a farmacêutica alemã BioNtech.
O infectologista Leonardo Weissmann explica que o DNA de quem recebe doses de vacinas não tem como ser alterado da forma narrada no vídeo. Ele esclarece do que trata a técnica do DNA ou RNA recombinante. “Por técnicas de biotecnologia, um pedaço do DNA humano de interesse é conectado ao plasmídeo de uma bactéria, ou seja, a uma molécula do DNA bacteriano, formando o DNA recombinante. Portanto, o que é alterado não é o código genético humano, mas o do micro-organismo.”
Em outro ponto do vídeo, a osteopata diz: “Esse tipo de vacina como as da Covid-19 nunca foi usada em humanos, e agora querem injetar em todo mundo. Estão pulando os testes em animais e passando direto pros testes em humanos. Não estão usando protocolos sérios que provam que as vacinas são seguras e eficazes. Não há estudos randomizados. Dizem que não têm tempo para isso. Basicamente só é preciso provar que a vacina está provocando o surgimento de anticorpos”.
É verdade que se trata de um tipo novo de vacina, mas não há motivos para que se desconfie dela, como se humanos fossem servir de cobaias para aventureiros, segundo os médicos entrevistados pela CBN. Segundo Leonardo Weissmann, “a tecnologia é recente e testada em seres humanos com a pandemia de Covid-19, porém, foram, sim, realizados testes prévios em animais”.
O virologista Rômulo Neris, doutorando pela UFRJ, diz que a autora do vídeo não parece entender do que está falando. “A médica autora do vídeo atua no Phoenix Medical Group of Georgia, nos Estados Unidos, e suas especialidades são clínica médica, medicina integrativa e medicina preventiva, pelo currículo disponível online. O currículo não aponta especialidade em imunologia, epidemiologia, virologia ou áreas similares. É importante considerar a opinião de especialistas em vacinas e sistema imune durante essas discussões”, alerta.
Neris reforça que não é possível que o DNA humano seja reescrito dessa maneira que Carrie descreve. “O princípio dessa vacina é aplicar DNA ou RNA que contenha instruções para produzir um pedaço da estrutura do vírus – uma parte do esqueleto dele –, incapaz de infectar ou causar doença no indivíduo. Nossas células, então, produzem esses pedaços e em seguida destroem a cópia com as instruções. Essas vacinas não têm a capacidade de modificar ou reescrever nosso DNA. Ele fica protegido no núcleo das células, e essa vacina funciona no citoplasma, fora dele”, esclarece.
Apesar disso, Neris pontua, cientistas estudam e consideram a possibilidade da chamada integração do DNA dessas vacinas. Ainda assim, não é algo a ser temido, nem motivo para deixar de se vacinar, caso esse tipo de imunizante seja aprovado e disponibilizado.
“Não há conspiração ou ignorância alguma aí. A integração seria quando o DNA da vacina entra no núcleo e passa a fazer parte do nosso, alterando permanentemente aquela célula. A chance de um evento desse acontecer é extremamente baixa, menor do que a chance de uma célula humana sofrer mutação espontânea, um fenômeno que raramente leva a algum tipo de doença”, explica.
A tecnologia do DNA ou RNA recombinante é bem recente, e ganhou força nos últimos dez anos, conta o virologista, mas não há por que desconfiar das vacinas que estão sendo desenvolvidas, uma vez que só conseguem aprovação substâncias que comprovadamente não gerem riscos sérios à saúde.
Ele se refere ao trecho do vídeo em que a narradora fala do ritmo acelerado das pesquisas das vacinas para a Covid-19, em meio à urgência gerada por uma pandemia que já deixou mais de 665 mil mortos no mundo.
“Existe uma série de diretrizes que precisam ser seguidas para aprovação de uma vacina, mesmo em protocolos acelerados. Nenhuma etapa foi pulada. As agências de saúde relevantes sugeriram que as etapas podem ser feitas em conjunto. Vacinas aprovadas e em uso são seguras, eficientes e, na maioria dos casos, não causam nenhum tipo de reação adversa ou efeito colateral”, diz Neris.
“Ainda não existem vacinas de DNA aprovadas para uso em humanos, embora existam vários estudos em fase avançada usando estas tecnologias contra o HIV e hepatites B e C, por exemplo. Existem 4 vacinas de DNA aprovadas pra uso veterinário que demonstram segurança e eficácia”, afirma.
O virologista também ressalva que os testes prévios em animais não são obrigatórios, ao contrário do que é afirmado no vídeo. Só que ele lembra que isso não é necessariamente perigoso, como o leigo pode supor, porque a primeira fase dos testes serve para aferir a segurança das vacinas.
Segundo o pneumologista Rodolfo Fred Behrsin, professor do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, para modificar o código genético humano seria necessário um mecanismo que não existe neste tipo de vacina. “O material da vacina teria que entrar em todas as células do organismo, produzindo tal mudança, o que não parece ser viável. Os volumes administrados em cada paciente são pequenos. Além disso, a vacina será testada em relação a efeitos colaterais antes de liberada.”
O médico lamenta a existência de detratores das vacinas, algo que não surgiu agora, durante a pandemia da Covid-19, mas, sim, muitos anos atrás. Os efeitos da desinformação são nefastos, destaca o médico. “Infelizmente, o movimento antivacina tem seguidores em todo o mundo. Doenças quase erradicadas no Brasil, como o sarampo, voltaram a preocupar, devido a informações equivocadas e argumentos dos mais criativos. Desta vez, focam na vacina contra o coronavírus, deixando inseguras muitas pessoas que podem ser prejudicadas caso não se imunizem, por medo.”
Segundo o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, a esperança nas vacinas para o coronavírus não deve arrefecer por conta dessas informações infundadas difundidas nas redes sociais.
“Este tipo de vacina nunca foi usada, em lugar algum, mas por ser inovadora. Os estudos demonstram extrema segurança. O material genético é sintético, não há integração com nosso genoma. Neste modelo, justamente por ser sintético, uma vantagem é a velocidade que se ganha para a produção da vacina. Se uma se mostrar eficaz, é possível produzi-la em altíssima escala sem precisar cultivar vírus, multiplicar, isolar, atenuar, pegar um pedaço.”
O boato também foi checado por agências internacionais, como a Reuters.
É #FAKE que vacinas contra o coronavírus possam gerar seres geneticamente modificados — Foto: Reprodução
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Como identificar se uma mensagem é falsa
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