Por Fantástico


Família de Gana busca explicações para a morte de parente em aeroporto no Brasil

Família de Gana busca explicações para a morte de parente em aeroporto no Brasil

Uma família de Gana, país africano, busca explicações para a morte de um parente no Brasil. Evans, de 39 anos, passou sete dias retido no aeroporto de Guarulhos enquanto tentava entrar no país como refugiado.

Ele teve uma infecção grave, foi levado para um hospital e morreu. É uma história que começa em Gana, passa pelo México e termina em São Paulo.

Evans Ossêi Ússu era um cidadão de Gana, país da África ocidental. Ele morreu depois de ficar sete dias retido no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Evans aguardava resposta para um pedido de refúgio no Brasil, depois de ter sido impedido de entrar no México.

A prima dele, que mora na Alemanha, contou que o primo precisava de uma cirurgia delicada e foi orientado a tentar um procedimento menos invasivo nos Estados Unidos ou no México.

“Eles têm uma máquina especial. Não temos isso em Gana. O visto americano foi negado e ele conseguiu o visto mexicano. Mas ele foi barrado e a gente não sabe por quê. Podem ter pensado que ele queria na verdade entrar nos Estados Unidos, mas ele mostrou todos os relatórios médicos. Até pediu para ser escoltado pela imigração até o hospital para comprovar que ele iria mesmo ser operado”, explica Priscilla, prima de Evans.

Além do visto, Evans carregava uma carta do médico mexicano confirmando a cirurgia, que custaria US$ 22 mil.

O Fantástico entrou em contato com a Embaixada do México, mas não obteve retorno.

No dia 2 de agosto, Evans decolou de Gana para o Qatar. De lá, ele embarcou em um voo para São Paulo e pegou uma conexão para o México. Ele foi barrado pela imigração mexicana e obrigado a voltar para o Brasil.

Segundo a família, Evans pediu refúgio para se tratar no Brasil, porque não tinha condições de saúde para fazer a viagem de volta até Gana. A ideia dele era tentar fazer o tratamento em São Paulo, já que tinha dinheiro para pagar por isso.

Evans ficou retido dentro do aeroporto, em um local chamado "área restrita", onde imigrantes aguardam as respostas da Polícia Federal para solicitações de refúgio.

“Ele mandou mensagem para um dos meus tios, dizendo que estava com dor, e que já tinha pedido quatro vezes por ajuda para as autoridades do aeroporto”, conta a prima.

A situação de saúde piorou. Em um áudio, um integrante da comunidade ganense em São Paulo contou que Evans sentia muita dor, mas ninguém entendia.

No dia 11 de agosto, Evans foi finalmente levado para o Hospital Geral de Guarulhos, mas morreu dois dias depois, no dia 13, com uma infecção generalizada, após um quadro inicial de infecção urinária.

A notícia só chegou à família quase três semanas depois, no dia 2 de setembro.

Quem localizou os parentes de Evans em Gana foi Daniel Perseguim, pesquisador do Fórum Fronteiras Cruzadas, da Universidade de São Paulo.

“Se o Evans fosse uma pessoa dos Estados Unidos, do Canadá ou da Europa, isso não teria acontecido com ele. Ele não teria ficado durante sete dias deitado no chão do aeroporto, sem nenhum tipo de assistência”, afirma Daniel Perseguim.

Após o caso do Evans, o governo brasileiro mudou as regras de acolhimento a imigrantes em busca de refúgio.

Desde o dia 26 de agosto, uma nota técnica do Ministério da Justiça orienta que passageiros vindos de voos com destino final em outros países sejam barrados pela Polícia Federal caso não apresentem visto de entrada ao Brasil.

“O que nós identificamos a partir desse ano foi um aumento explosivo no número de solicitações de refúgio a partir do aeroporto de Guarulhos. É importante ressaltar que essa medida se aplica única e exclusivamente nessa situação muito pontual de passageiros em trânsito no Brasil, que têm como destino países seguros onde não está em risco a sua vida. Então a medida é a orientação para que as companhias aéreas façam com que esses passageiros prossigam suas viagens até o destino final”, afirma Jean Uema, Secretário Nacional de Justiça.

“No caso do sr. Evans, mesmo de acordo com as novas regras, ele teria direito a fazer a solicitação do refúgio. Essa morte indica que as estruturas ali dentro não estavam funcionando”, explica Murillo Ribeiro Martins, defensor público da União.

Murillo Ribeiro diz que a responsabilidade pela morte do Evans ainda está sendo apurada.

A Secretaria Nacional de Justiça informou que tomou conhecimento da morte de Evans no dia 16 de agosto e que, imediatamente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou ofício ao Ministério das Relações Exteriores solicitando que a Embaixada de Gana fosse comunicada - o que, de fato, foi feito pelo Itamaraty.

A Polícia Civil de São Paulo disse que instaurou um inquérito para investigar o caso.

O Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, disse que "os passageiros que aguardam o processo de admissão no país pela Polícia Federal ficam sob os cuidados das companhias aéreas até a sua conclusão". E informou ainda que, “no dia 11 de agosto a equipe de atendimento, ao ser acionada, providenciou atendimento e encaminhamento do passageiro ao Hospital Geral de Guarulhos".

A companhia aérea Latam informou que, "após o passageiro passar mal, solicitou atendimento ao serviço médico do aeroporto e que acompanhou o atendimento médico prestado e fez contato com as autoridades de Gana e do Brasil após a confirmação do óbito".

De acordo com a Secretaria de Saúde de São Paulo, o Hospital Geral de Guarulhos disse que também informou a morte de Evans ao consulado e a Embaixada de Gana, mas que depois de 16 dias sem resposta, acionou o serviço funerário local.

Evans foi sepultado no dia 29 de agosto.

“Em Gana, respeitamos os mortos. Existem várias coisas que precisamos fazer antes de um enterro. Por que ele foi ignorado no aeroporto? Qualquer ser humano normal deveria saber que ele não estava bem”, questiona Priscilla, prima de Evans.

O Fantástico entrou em contato com a embaixada e o Consulado de Gana, que não se manifestaram.

O pesquisador Daniel Perseguim diz que foi buscar o nome do Evans e descobriu que existia um rei que chamava Osei-Ussu - o mesmo nome do Evans. Daniel perguntou para o tio do Evans que contou que Evans era tataraneto de um rei no Gana.

“Antes de fazer essa viagem, Evans adotou três sobrinhos e tinha se responsabilizado pelas pessoas que agora vão ficar desassistidas por um tratamento desumano que ele foi submetido no Brasil”, lamenta o pesquisador.

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