Quem aprecia uma boa cerveja com os amigos nem se dá conta de todo o trabalho que existe para deixá-la pronta para consumo. Não, não é somente a temperatura que importa. Para que a cerveja esteja no ponto, ela passa por um longo processo de fabricação, que exige a perícia do cervejeiro e demanda uma verdadeira ciência.
A Ciência Cervejeira é o estudo que busca aprimorar a bebida. É assunto sério, com cursos profissionalizantes, faculdades e até mestrado e doutorado. Com pesquisas, descobrem-se os melhores métodos de produção, quais matérias-primas aperfeiçoam a bebida e como deixar o aroma agradável para cada perfil de consumidor. No Brasil, a prática ainda é incipiente, mas dá passos importantes e com profissionais dedicados.
É o caso de Amanda Reitenbach, engenheira química de Florianópolis, com mestrado e doutorado na área. No doutorado, realizado na instituição alemã Versuchs- und Lehranstalt für Brauerei in Berlin (VLB), Amanda desenvolveu o que chama de “nariz artificial”. A ferramenta simula o olfato humano e identifica diferentes aromas em cervejas. O mecanismo é utilizado em cervejarias para automatizar o controle de qualidade. O “nariz artificial” identifica até 37 compostos aromáticos prejudiciais à qualidade da cerveja e alerta o produtor sobre o problema. Na prática, ajuda no resultado de uma cerveja melhor para o consumidor.
“É uma ferramenta que será importante para cervejeiras que não têm estrutura laboratorial bem equipada e com analistas contratados”, explica Amanda.
Além do nariz artificial desenvolvido no doutorado, Amanda criou outro produto de destaque durante o mestrado. É a cerveja pró-biótica. Alimentos (e bebidas) pró-bióticos têm vários benefícios à saúde. Ajudam no funcionamento intestinal e fortalecem o sistema imunológico, ajudando a prevenir doenças como gripes e infecções.
“Meu objetivo maior na Ciência Cervejeira é sempre trabalhar com transferência de tecnologia. É fazer com que a ciência não se restrinja à universidade e seja aplicada na indústria e chegue ao consumidor final”, conta Amanda.
De Minas para Bélgica
Gabriela Montandon é outra pesquisadora que ajudou a aprimorar a bebida no Brasil. Cursou doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que contou com quase dois anos em um laboratório da Universidade Católica de Leuven (KU Leuven), em Gent, na Bélgica (onde mora atualmente). Durante a pesquisa, a microbiologista desenvolveu uma variedade singular de cerveja, de “grande riqueza sensorial”. O que isso quer dizer?
Riqueza sensorial significa que a cerveja criada por Gabriela leva o consumidor a uma experiência além da usual a cada gole. É uma cerveja com certa picância, frutada e com diferentes aromas. Segundo a própria criadora, é algo muito parecido às cervejas belgas. A cerveja foi lançada comercialmente em 2015. Foram 40 mil litros fabricados pela cervejaria Grimor (na qual Gabriela é sócia) e vendida em empórios, casas especializadas e até uma rede de supermercados de Belo Horizonte.
Bastaram poucos meses para os lotes se esgotarem. Alcançar o sucesso de público, porém, não foi nada fácil. A cientista precisou passar horas e horas no laboratório.
Durante o doutorado, Gabriela fez um trabalho inédito ao selecionar as primeiras leveduras brasileiras para a fabricação de cerveja. Leveduras são micro-organismos que promovem a fermentação e têm poder de definir características especiais da bebida. Se as leveduras forem de qualidade, a cerveja também será.
Para conseguir esse feito, Gabriela precisou desbravar um campo novo. “Várias vezes as tentativas me levaram a cervejas ruins. Precisei de muita pesquisa e testes para listar as leveduras corretas, que produziam cervejas de qualidade”, lembra a pesquisadora.
Realizar parte do doutorado na Bélgica foi fundamental para o sucesso da empreitada. Segundo Gabriela, a Ciência Cervejeira por lá é um campo maduro e que utiliza de alta tecnologia.
“A ciência, no contexto geral, traz benefícios em todos os âmbitos. É um trabalho metódico, de comprovar hipóteses, de conhecer e aprimorar processos e matérias-primas de forma mais aprofundada. A ciência se dedica a inovar ou aumentar a compreensão das técnicas da produção da bebida que, certamente, levará ao consumidor final uma cerveja melhor", explica Gabriela.
Um brinde à Ciência da Cerveja.