O trabalho acadêmico de uma cervejeira mineira poderá ser um dos grandes passos para o desenvolvimento da escola brasileira de cerveja. Após quatro anos de pesquisa e muito trabalho, Gabriela Montandon conseguiu isolar a primeira levedura em território nacional para produção industrial de cerveja de que se tem notícias.
Agora doutora em microbiologia pela Universidade Federal de Mingas Gerais (UFMG), Gabriela, 31 anos, explica que tudo começou por suas necessidades como cervejeira caseira. Enquanto comprava leveduras importadas, percebeu que estava próxima do Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de Fungos da UFMG, com um banco de milhares de levedos. Entre elas as da cerveja, as Saccharomyces cerevisiae. “Comecei o trabalho do zero, para não dizer do menos 1. Ninguém tinha trabalhado com levedura de cerveja ainda, em um contexto científico”, comenta.
Foi necessário muito trabalho durante os quatro anos de doutorado, parte deles na Bélgica, no Laboratory of Enzyme, Fermentation and Brewing Technology, em busca da ciência por trás das leveduras nativas do Brasil e se elas poderiam ser fonte para o mercado de cerveja. “Fiz uma seleção de vários micro-organismos que vieram de ambientes naturais do Brasil como Floresta Amazônica, Serrado, de outras bebidas, de madeiras brasileiras”, comenta. Até chegar em uma cultura de levedura boa para uma escala industrial, foram centenas de fermentações em diferentes escalas.
E para confirmar seus estudos, Gabriela colocou sua própria cervejaria, a Grimor, em risco. Ela precisou postergar a produção de bebidas de linha para saber se seus estudos estavam corretos, e assim nasceu a Grimor 18, uma Blond Ale. “Ela é uma agulha no palheiro. Foi realmente uma levedura, a melhor em termos de tempo de fermentação, açúcares residuais, álcoois superiores e tudo envolvido na produção”, explica. “Levedura é um organismo vivo e muda em escala industrial. Às vezes parece boa em pequenas produções, mas muda em escala maior”, diz.
Felizmente, deu certo e a cerveja mostrou os aromas esperados da fermentação. Gabriela está orgulhosa, mas mal teve tempo para ficar feliz com o resultado, tamanho o estresse do processo. “E foi tudo produzido por mim, das perguntas que eu fiz e respondi. Mas muitas pessoas elogiaram, revistas fora do Brasil, na Alemanha, Estados Unidos. Então eu acho que tenho que me orgulhar”.
Escola brasileira
Com o trabalho já ganhando reconhecimento pelo meio acadêmico, ele poderá ajudar o mercado brasileiro na busca de sua própria escola cervejeira. “Acho que a escola brasileira pode vir da biodiversidade do país, de micro-organismos como a levedura, e também de frutos, madeiras nossas, processos de produção, envelhecimento, utilização quem sabe de bebidas mistas como acontece em alguns países. Isso tudo, o jeitão brasileiro, auxilia muito se temos nossas próprias matérias-primas”, argumenta.
No entanto, o uso da levedura isolada por Gabriela ainda pode demorar um pouco para chegar em outras cervejas. Pertencente a UFMG, ela terá que passar por uma série de processos burocráticos, de licenciamento e de proteção para seu uso. “Essa (uso por cervejarias) é a intenção. Espero que ainda esse ano esteja concluído”, diz.