Após chuva, Dinomar dos Anjos, comerciante de Mimoso do Sul, tenta recuperar roupas lavando estoque em córrego.
Um mês após as chuvas que atingiram treze cidades do Sul do Espírito Santo, o g1 foi à Mimoso do Sul, município mais atingido pela tragédia. No local, a limpeza das ruas ainda está acontecendo e comerciantes se esforçam para reabrir os estabelecimentos. Alguns tentam recuperar parte da mercadoria que foi tomada pela lama para tentar reabrir e minimizar os prejuízos.
Um mapeamento das áreas afetadas pela inundação no município, realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) junto a outros órgãos do governo do estado, traduziu em números a extensão da tragédia.
Cidade de Mimoso do Sul, no Espírito Santo, totalmente alagada após enchente — Foto: Reprodução/TV Gazeta
De acordo com o levantamento, na sede do município, 3.989 imóveis foram atingidos. Um total de 2.996 casas, 12 escolas, 29 estabelecimentos de saúde, 806 comércios e 29 igrejas.
Dez mil pessoas tiveram que deixar as suas casas em algum momento. 18 das 20 mortes provocadas pela enchente aconteceram na cidade, uma pessoa segue desaparecida. Ainda na cidade, 3 mil pessoas continuam desalojadas e 57 desabrigadas.
Vale lembrar que a cidade do sul capixaba possui pouco mais de 26 mil habitantes, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020.
Após um mês da enxurrada, moradores de Mimoso do Sul, no Sul do ES, tentam se reeguer
Outros distritos atingidos foram Ponte de Itabapoana, Santo Antônio do Muqui e Conceição do Muqui, que seguem até hoje com problemas e acessos e estradas bloqueadas inteira ou parcialmente.
Roupas lavadas no córrego
Comerciante de Mimoso do Sul tenta recuperar mercadoria atingida por lama de enxurrada e lava 11 mil peças de roupas em córrego. — Foto: Arquivo pessoal
Um exemplo entre os mais de 800 comerciantes afetados pela chuva é o proprietário de uma loja de roupas no centro de Mimoso do Sul, Dinomar dos Anjos.
Dinomar surpreendeu ao dar uma entrevista dois dias após a chuva mantendo o sorriso no rosto. Na ocasião, ele disse que mesmo diante da tragédia mantinha a esperança de conseguir reverter a situação.
Nesta semana, novas placas de gesso aguardavam instalação na loja e o material também para refazer a rede elétrica também está comprado. A estimativa do comerciante é de um prejuízo de R$ 40 mil só com a questão estrutural e mais de 11 mil peças de roupas perdidas.
Um mês depois da chuva, ele conta que tirou mais de três caminhões de mercadoria da loja, que está vazia. Não deu para aproveitar nada, o teto caiu, prateleira e móveis foram perdidos, paredes estão estufadas.
“Depois de uns dias, levei tudo para uma fazenda de uma amiga e comecei a lavar o que podia com mangueira e no córrego. Foram 12 dias de limpeza, com a ajuda de cerca de 10 pessoas”.
Segundo Dinomar, algumas peças como as de linho não puderam ser aproveitadas e foram jogadas fora. Já as que foram lavadas no córrego ainda vão passar por uma lavagem específica em lavanderia.
“A ideia é doar uma parte e vender a preço a um terço do preço a outra parte. É uma luta muito grande, mas a vitória vai vir, porque Deus é conosco!”, desejou Dinomar.
23 mil peças lavadas para reabrir loja
Em Mimoso do Sul, Flávio Alves de Souza lavou o estoque e gastou mais de R$ 50 mil na limpeza de 23 mil peças, entre sapatos, cintos e roupas. Espírito Santo — Foto: Bernardo Bracony
Flávio Alves de Souza é vizinho de loja do Dinomar. Tem o seu comércio há 25 anos. Também lavou o estoque e gastou mais de R$ 50 mil na limpeza de 23 mil peças, entre sapatos, cintos e roupas.
“Recuperei 90% do que tinha na loja. Foi um desafio feito em três frentes, 5 mil peças lavadas em um sítio, manualmente, e o restante em lavanderias nas cidades de Cachoeiro de Itapemirim e Colatina”.
Flávio pretende reabrir a loja nesta terça-feira (23). O que foi instalado no local não é mais de madeira como antes, agora é de aço.
“Mandei fazer as prateleiras, expositores e também as prateleiras do estoque em aço, nada mais de madeira ou MDF. Eu tenho medo de acontecer de novo. [...] É recomeçar e ponto, não tem que questionar, olhar pra trás. É olhar para cima e para frente. E assim vamos vivendo, um dia depois do outro, sem programar muito”, disse.
Compra no comércio local
Prefeitura de Mimoso do Sul faz um apelo para que as pessoas comprem no comércio local. Espírito Santo. — Foto: Bernardo Bracony
O prefeito Mimoso do Sul, Peter Costa, está confiante na recuperação da cidade e enumera as etapas que já foram realizadas.
“Esse mês foi o mais difícil da minha vida, com certeza, de muito trabalho, mas as coisas estão começando a voltar a sua normalidade, especialmente falando sobre a limpeza. As doações estão chegando e a gente pede ainda a ajuda de voluntários para ajudar com limpeza e distribuição de recursos. Estão chegando cerca de 200 a 300 kits de doações de eletrodomésticos para famílias mapeadas pelas equipes de assistência social, em parceria com o governo do estado, e a pessoas já começaram a receber".
De acordo com o prefeito a obra de dragagem dos quatro rios que passam pela cidade já começou a acontecer e, atualmente, a maior dificuldade da cidade é em relação às estradas rurais.
"Mimoso do Sul é o segundo maior município do Sul do Espírito Santo em extensão territorial. A Prefeitura está em contato com o Departamento de Edificações e de Rodovias (DER), para tentar solucionar isso o mais rápido possível, com liberação dos acessos", disse.
Peter Costa, prefeito de Mimoso do Sul. Espírito Santo — Foto: TV Gazeta
O prefeito faz um apelo para que as pessoas comprem no comércio local.
"O dinheiro precisa circular na cidade, a gente precisa que as pessoas comprem no comércio local. A gente ouviu reclamações de que os preços estão mais altos em algumas lojas e as equipes de fiscalização do município estão de olho nisso. Também recebemos a informação de que lojas de outras cidades estavam vindo aqui para vender móveis em tendas na rua, mas isso não pode, já atuamos e a situação foi resolvida", explicou.
Montanha de lama
Parque de Exposições de Mimoso do Sul virou lixão improvisado. Espírito Santo — Foto: Bernardo Bracony
A lama e o entulho que foram recolhidos nas ruas de Mimoso do Sul foram colocados em dois locais. Um grande lixão foi criado na entrada da cidade e outro, ainda maior, foi improvisado no Parque de Exposições da cidade.
A ideia é levar o material do Parque de Exposições para um aterro sanitário em Cachoeiro de Itapemirim, mas o custo desse transporte e não existe previsão para que isso aconteça.
“A gente não tem como mudar isso agora, não temos esse dinheiro, vamos precisar do apoio do governo do estado. Seriam necessárias algo perto de 9 mil viagens de caminhão para fazer o transporte de todo o resíduo”, explicou o prefeito.
Montanha de roupas
Tão impressionante quanto a montanha de lixo é a quantidade de roupas que lotam o Ginásio de Esportes de Mimoso do Sul. Para entrar no local é preciso passar - literalmente - por cima de uma montanha de roupas.
A cidade não precisa mais de doações de roupas e o município faz um apelo para que as doações desses itens parem de chegar. Atualmente, o mais necessário são voluntários para ajudar na limpeza de casas.
Quem perdeu tudo e precisa de roupas para a família entra, senta sobre as peças, procura e escolhe o que pode servir. A maior parte dos sapatos está do lado de fora do ginásio e, neste caso, o desafio é encontrar os dois pés do mesmo par.
A lavradora Marinete dos Santos (no centro da imagem, de blusa estampada) mora na região de São Pedro, no interior de Mimoso de Sul. Espírito Santo — Foto: Bernardo Bracony
A lavradora Marinete dos Santos, é da região de São Pedro, no interior de Mimoso de Sul, e foi ao local em busca de doações.
“Eu peguei roupas, principalmente pra roça. Vamos entrar no período de colheita do café e a gente não pode parar. Agora lá tá bom, passou um pouco a destruição. Eu consegui pegar muita coisa aqui, se procurar muito a gente acha sim”, falou.
Solidariedade dentro de casa
Casa da Wayne dos Santos, um mês após a chuva em Mimoso do Sul. Espírito Santo — Foto: Bernardo Bracony
Outra pessoa que o g1 conseguiu reencontrar foi a Wayne dos Santos, que também chamou atenção logo após a enchente quando foi flagrada em uma busca solitária, na casa tomada pela lama, atrás de documentos, de remédios da filha que é cardíaca e do clarinete que usava para tocar na igreja.
A empreendedora está morando na casa dos pais juntamente com os quatro filhos. Entre os itens acima, o clarinete é o único que foi encontrado com a ajuda de cinco voluntários.
“A ficha está começando a cair agora. Estou na casa dos meus pais, não tem como voltar para onde eu morava. Era uma casa alugada e não sobrou nada, nem o forro do teto. Vou devolver para dona e queria achar outro lugar pra mim, mas tá difícil por enquanto, não tem casa disponível para alugar em Mimoso”.
Além disso, Wayne falou também sobre a dificuldade de encontrar um móvel para comprar.
“Não tem onde achar um guarda-roupas na cidade ou, quando acha, os preços estão muito altos. Vou tentar pela internet, mas aí é ver se vão entregar aqui”.
A Wayne vendia suculentas e cactos, perdeu tudo, estavam na parte de trás da casa, onde tinha uma estufa.
Wayne dos Santos (esquerda) está com os quatro filhos na casa dos pais, em Mimoso do Sul. Eles também abrigam a família da Eliene (direita), que perderam a casa com a chuva. Espírito Santo. — Foto: Bernardo Bracony
Além dela e dos quatro filhos, estão juntos na casa mais três desabrigados. Um senhor de 81 anos, a esposa de 77 anos e o neto de 35. Os três foram resgatados de helicóptero no telhado da casa após mais de 8 horas de espera, e deixados pelos bombeiros numa área próxima a casa da família de Wayne.
“Como meu pai é pastor, acaba sendo uma referência na região e eles foram trazidos pra cá. A casa deles era própria e desabou, eles não têm para onde voltar, também estão procurando um local para alugar. Enquanto isso, ficam com a gente, todo mundo junto e se ajudando. As minhas filhas pequenas já chamam eles de vovô e vovó”, contou Wayne.
Nos dois casos, as duas famílias receberam doações de roupas e cestas básicas, além da entrega de kits "lar essencial" - citado pelo prefeito -, composto por eletrodomésticos da linha branca, kit gás, cama, colchão e kit dormitório.
Buscas por desaparecido foram suspensas
Desde o dia 22 de março, os bombeiros atuaram no resgate e remoção de pessoas em regiões alagadas, buscas por desaparecidos e reposição de itens de primeira necessidade, e ainda estão trabalhando no restabelecimento da cidade.
Atualmente, Mimoso do Sul está com 100% das unidades hospitalares, 95% da rede elétrica e 90% da distribuição de água restabelecida. O trabalho de limpeza da cidade ultrapassou os 60%.
Após o escoamento da água, as equipes de busca fizeram um levantamento nos imóveis atingidos, em busca de possíveis vítimas, pois ainda havia pessoas desaparecidas.
As buscas foram encerradas no dia 15 de abril, uma pessoa desaparecida não foi localizada.
Lailson Rogério Firmino, de 52 anos, desapareceu na madrugada do dia 23 de março. Família acredita que ele foi levado por correnteza de rio. Espírito Santo. — Foto: Reprodução/Redes sociais
O homem que ainda deixa saudade para a família é Lailson Rogério Firmino, de 52 anos, pedreiro que saiu de casa na madrugada do dia 23 de março. Familiares acreditam que ele foi levado pela correnteza do Rio Muqui.
Ao todo, as chuvas no Sul do Espírito Santo deixaram 20 mortos, sendo 18 na cidade de Mimoso do Sul e 2 na cidade de Apiacá.
Cartão Reconstrução
Nesta segunda-feira (22), teve início a entrega do Cartão Reconstrução direcionado às famílias residentes nos 13 municípios capixabas mais impactados pelas chuvas do mês de março.
O valor do auxílio foi reajustado para R$ 3,5 mil, com previsão de atendimento a cerca de 17 mil famílias. O investimento estadual previsto é de mais de R$ 60 milhões.
Cartão Reconstrução, que prevê R$ 3 mil para famílias vítimas de chuvas no Espírito Santo. — Foto: Divulgação
Serão contempladas famílias residentes nos municípios de Alegre, Alfredo Chaves, Apiacá, Atílio Vivácqua, Bom Jesus do Norte, Guaçuí, Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, Muniz Freire, Muqui, Rio Novo do Sul, São José do Calçado e Vargem Alta.
O pagamento do benefício será liberado por lotes mensais, à medida que o processo de triagem da documentação das famílias for feito. A previsão é que o pagamento do segundo lote aconteça no dia 17 de maio.
Um calendário de pagamento será disponibilizado no site da Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), nas próximas semanas.
Doações suspensas
Ponto de distribuição de doações em Mimoso do Sul. Espírito Santo — Foto: Ana Elisa Bassi
O Programa ES Solidário, coordenado pelo governo do estado, encerrou o recebimento de doações no dia 15 de abril.
Foram recebidos 84 mil itens (entre doações entregues e produtos comprados com o dinheiro doado), distribuídos nos 13 municípios afastados pela chuva, incluindo cestas básicas, alimentação, kits de higiene pessoal, colchões, cobertores, ração animal, entre outros.
Desses, quase 39 mil itens foram entregues somente em Mimoso do Sul. Também foram distribuídos 227 mil litros de água aos municípios, sendo 143 mil litros para Mimoso.
O Corpo de Bombeiros prossegue realizando a entrega de itens de ajuda humanitária, atualmente, em 13 pontos de apoio distribuídos no município. Também há cozinhas comunitárias produzindo refeições.
Saúde
Fichas dos pacientes do Hospital de Mimoso do Sul dois dias após a enchente. Espírito Santo — Foto: Ana Elisa Bassi
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa/ES) informou que a rede de atendimento público em Mimoso do Sul é composta por um hospital, que é de gestão municipal, um pronto-atendimento e Unidades Básicas de Saúde.
Mimoso do Sul conta, atualmente, com aproximadamente 160 colaboradores na força-tarefa, dispõe de 11 pontos de apoio, sendo cinco na sede e seis na zona rural. No total, 3.757 pessoas foram atendidas emergencialmente nas Atenções Primária e Especializada.
A secretaria disse ainda que o município notificou, desde o dia 22 de março, 133 casos suspeitos de leptospirose. Desses, ainda nenhum foi positivado, isso porque o diagnóstico dessa doença é mais complexo e requer duas coletas com intervalo de 14 dias.
Já com relação às hepatites A e E, assim como para doenças gastrointestinais, nenhum caso foi notificado aos serviços de saúde.
Educação
A Secretaria de Estado da Educação (Sedu/ES) informou que as atividades nas escolas afetadas, recentemente, pelas chuvas no sul do Espírito Santo retornaram.
A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Antônio Sabatini Simoni, localizada em Mimoso do Sul, teve o retorno das aulas no dia 15 de abril, de forma remota (não presencial), por uma questão de segurança em função das estradas na região.
Já o Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em Tempo Integral (CEEFMTI) Antônio Acha e a EEEFM Monsenhor Elias Tomasi, também localizadas em Mimoso do Sul, retornaram presencialmente para os professores na segunda-feira (15) e para os estudantes nesta terça-feira (16) em todos os turnos de aula.
As três escolas totalizam 1.704 alunos.