Um levantamento feito pelas afiliadas do G1 com um quarto de todas as universidades federais em nove estados e no Distrito Federal mostra que a redução da verba repassada pelo Ministério da Educação é sentida principalmente no cancelamento de obras, no congelamento de bolsas de auxílio para estudantes, na demissão de funcionários tercerizados e na economia no consumo de energia elétrica, água, papel e outros insumos básicos.
Isso acontece, segundo a Comissão de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Conof), porque algumas despesas das universidades estão garantidas por lei, ou seja, o governo federal é obrigado a buscar recursos para elas. Esse não é o caso das ações citadas acima, que estão sujeitas a cortes orçamentários.
Para Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, esses cortes são um reflexo da combinação entre os aumentos salarias e o teto dos gastos, que impediu o crescimento do orçamento global.
"O que acontece é que, como o [gasto com] pessoal tem tido aumentos sistemáticos, e o orçamento global não cresce na mesma proporção, acaba que esse acréscimo das despesas pessoais comprime as outras despesas de custeio, e comprime os investimentos" - Gil Castello Branco
Dados obtidos pelo G1 mostram a evolução da verba repassada pelo MEC às universidades federais na última década — Foto: Juliane Monteiro/G1
De acordo com os especialistas, as universidades têm basicamente quatro despesas principais, mas só duas delas são obrigatórias:
- Pagamento de aposentadorias e pensões – OBRIGATÓRIA
Essas despesas são consideradas previdenciárias, e não de educação, segundo Emmanuel Zagury Tourinho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Ele estima que a parcela do orçamento destinada ao pagamento de aposentados varie "entre 20 a 25%" do total orçamentário de cada universidade. Essa é uma despesa obrigatória para o governo federal. - Pagamento de pessoal ativo – OBRIGATÓRIA
O pagamento do salário de professores e funcionários técnicos e administrativos também está garantido por lei, assim como a assistência médica e odontológica, o auxílio-transporte, o auxílio-alimentação e as dívidas de precatórios, explica Cláudio Riyudi Tanno, consultor de educação da Conof. Elas também podem ser consideradas de "custeio", de acordo com Castello Branco, mas são obrigatórias, ao contrário dos outros gastos de funcionamento. - Funcionamento (custeio) – NÃO OBRIGATÓRIA
Chamadas normalmente de "custeio", essas despesas são "destinadas a manter a capacidade operacional" das universidades, segundo Tanno, e incluem, por exemplo, o pagamento da conta de luz, de água, de telefone, o pagamento de serviços terceirizados de segurança, limpeza, reformas, a manutenção de equipamentos, a compra de materiais como papel e outros programas de permanência, como as bolsas de auxílio-transporte e auxílio-alimentação dos estudantes, e bolsas de pesquisas acadêmicas. Nenhum destes gastos, porém, está garantido por lei, e dependem do direcionamento das políticas públicas, além das oscilações da economia. - Reestruturação e expansão (investimentos ou capital) – NÃO OBRIGATÓRIA
Os gastos de "investimento" ou "capital" são ligados às obras das universidades, como a construção de um novo laboratório ou de um prédio para abrigar os estudantes de um curso novo da instituição, ou ainda a compra de um veículo para a instituição. Assim como as despesas de custeio, as verbas para investimentos não são obrigatórias. Gil Castello Branco considera esse um "gasto nobre", porque ele significa "uma melhora de infraestrutura, seja em termos de equipamentos ou mesmo de instalações para a universidade funcionar".
Mudanças de nomenclaturas
Apesar de ser composto sobre esses quatro "pilares", o orçamento das universidades federais aparecem de forma diferente a cada edição da Lei Orçamentária Anual. Isso acontece porque a metodologia sofre alterações do governo federal ano a ano.
De acordo com o MEC, as mudanças em geral representam melhorias na apresentação dos gastos. Mas Castello Branco, da Contas Abertas, afirma que existe um lado ruim nessa evolução.
"O que acontece frequentemente é que o governo muda nomes de programa, nomes de ações sem que ele apresente um 'de' e um 'para', para que você possa saber que aquele que acabou passou a ser assumido por outra área, ou por que política pública", explicou ele.
"Realmente nós perdemos um pouco essa possibilidade de ter esses dados homogêneos para poder comparar uma série histórica mais ampla, e mais útil."
Definição do orçamento
Desde 2010, um decreto determina que o Ministério da Educação siga uma planilha específica para definir, junto com as universidades, a distribuição das verbas discricionárias, ou seja, de custeio e investimento. Chamada de "matriz Andifes", essa planilha é elaborada com base em diversos parâmetros, segundo Tanno.
Entre os parâmetros estão o tamanho a produtividade e os indicadores de qualidade de cada instituição. Veja abaixo:
- O número de matrículas e a quantidade de alunos ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação
- A oferta de cursos de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento
- A produção de conhecimento científico, tecnológico, cultural e artístico, reconhecida nacional ou internacionalmente
- O número de registro e comercialização de patentes
- A relação entre o número de alunos e o número de docentes na graduação e na pós-graduação
- Os resultados da avaliação pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
- A existência de programas de mestrado e doutorado, bem como respectivos resultados da avaliação pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
- A existência de programas institucionalizados de extensão, com indicadores de monitoramento
Esse esquema, porém, só vale para as universidades que têm mais de 11 anos de existência. Para as demais, a decisão sobre o orçamento é feita ano a ano, com base nas demandas de cada universidade, que precisam ser justificadas.
Nova metodologia
A partir de 2018, a comparação do orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual das universidades deixa de ser possível com os anos anteriores, já que o Ministério da Educação adotou uma nova metodologia que restringe ainda mais os gastos à "matriz Andifes".
Agora, ele centraliza metade dos recursos destinados às obras de expansão, reestruturação e à aquisição de equipamentos. A outra metade que será administrada pelas instituições de ensino federais será gasta da forma que elas decidirem – seja com contratações, licitações ou compra de materiais.
Em nota, o MEC afirma que "só é possível ter uma avaliação após a complementação de todo um ano fiscal", mas afirma que a "a nova metodologia melhora a gestão dos recursos para novos investimentos".
De acordo com o ministério, os investimentos "agora obedecem a critérios objetivos de acordo com a matriz de gerenciamento de obras, acordada entre o MEC e a Andifes, que prioriza, por exemplo, construção de salas de aula e laboratórios de ensino, levando em conta indicadores gerenciais de cada empreendimento. Isso permitirá distribuir o recurso de acordo com a real necessidade das unidades, após uma análise global da rede".