08/10/2011 07h00 - Atualizado em 08/10/2011 14h42

Universidade nº 1 em ranking mundial tem só cinco estudantes do Brasil

Instituto de Tecnologia da Califórnia tem pouco mais de 2 mil estudantes.
'Aqui o lugar respira ciência', diz brasileiro aprovado em processo seletivo.

Ana Carolina MorenoDo G1, em São Paulo

Fernando Ferrari de Goes estuda ciência da computação no Caltech (Foto: Arquivo pessoal)Fernando Ferrari de Goes estuda ciência da
computação no Caltech (Foto: Arquivo pessoal)

Cinco brasileiros podem dizer, hoje, que estudam na melhor universidade do mundo: o Instituto de Tecnologia da Califórnia. O Caltech, como é conhecido, apareceu em primeiro lugar no ranking das melhores faculdades do mundo divulgado na quinta-feira (6) pelo Times Higher Education (THE), superando instituições tradicionais como Harvard, Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), Cambridge e Oxford.

Se tornar um aluno do Caltech é uma vitória para qualquer estudante. Trata-se de um instituto pequeno se comparado à Universidade de Harvard, por exemplo, que no ano passado liderava o ranking. O Caltech tem 2.175 universitários matriculados, 967 em cursos de graduação e 1.208 na pós-graduação. Harvard, por sua vez, tem mais de 21 mil alunos, dez vezes mais a população acadêmica do instituto californiano.

O grupo brasileiro é composto atualmente por três doutorandos e dois estudantes de graduação. Mas, para desembarcar na cidade de Pasadena, na região de Los Angeles, onde fica o campus, eles tiveram que passar por um processo de seleção extenso que inclui análise de currículo, vestibular em inglês, prova de proficiência no idioma e, no caso dos candidatos da pós-graduação, uma bateria de entrevistas presenciais.

Segundo relato deles ao G1, são necessários no mínimo cinco meses para reunir todos os documentos requisitados pela universidade, incluindo cartas de recomendação e certificados de participação em atividades extra-curriculares. É necessário ainda marcar as provas específicas com antecedência, pois elas não são frequentes no Brasil.

Um dos brasileiros aceitos pelo Caltech é Fernando Ferrari de Goes, de 27 anos, que cursa o doutorado em ciência da computação desde 2009. Bacharel e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele decidiu realizar seu doutorado fora do Brasil e se inscreveu para o processo seletivo em cinco universidades americana e uma canadense. Foi aceito em todas.

Goes, que tem família em Piracicaba, no interior de São Paulo, explica que a melhor parte do seu curso é a interdisciplinaridade, já que seu departamento engloba tanto a computação quanto a matemática.

“Você leva uma vida de pesquisa, nem parece vida de aluno. Você tem horário flexível, mas, ao mesmo tempo, em todo momento você tá pensando, porque o problema só acaba quando você o resolve”, conta ele, que trabalha com processamento geométrico.

O brasiliense Guilherme de Freitas mora com a mulher e o filho a dois blocos da universidade (Foto: Arquivo pessoal)Guilherme de Freitas mora com a mulher e o filho a dois blocos da universidade (Foto: Arquivo pessoal)

Brasileiro ganha US$ 30 mil para estudar
Os doutorandos recebem bolsa de estudos – a maioria concedida pelo próprio Caltech – que cobre a anuidade de US$ 30 mil (cerca de R$ 50 mil) e ainda paga um salário de pesquisador que varia entre US$ 25 mil e US$ 30 mil por ano.

Segundo Guilherme de Freitas, de 29 anos, o valor é suficiente para se manter e a contra-partida da bolsa exige apenas que o estudante auxilie os professores em pesquisas ou dê monitoria para alunos. “Em outros lugares você precisa dar aulas também, mas aqui eles preferem te deixar focado só na pesquisa”, diz.

A estrutura oferecida pelo Caltech permite a Freitas conciliar a vida acadêmica e a família recém-formada, que inclui sua esposa Melissa, da África do Sul, e seu filho Leonardo, de apenas sete meses.

Filho de funcionários públicos de Brasília, Freitas conta que sempre escutou os pais falarem sobre a importância da educação. “Eles têm origem humilde. Meu pai foi criado em uma fazenda em Barretos [interior de São Paulo] até os 14 anos, e minha avó materna tinha três anos de educação formal. O que fez eles mudarem de vida foi a educação”, conta ele.

Hoje ele termina sua tese sobre a aplicação da teoria dos jogos no desenho de regras e regulações, que pretende defender até meados de 2012.

O economista conta que a estrutura do Caltech lhe permite trabalhar na sua pesquisa e cuidar do bebê, que dormia em seu escritório na tarde de quinta-feira (6), enquanto ele respondia às perguntas do G1. “Moro a dois blocos da universidade e minha esposa dá aulas em casa. Não tenho chefe nem horário fixo, é um pouco corrido, mas dá para ter tempo para o meu filho”, diz.

Freitas, que pretende ser professor universitário e credita parte de sua vocação aos docentes com quem teve aulas na Universidade de Brasília (UnB), conta que seu departamento se reúne todas as sextas-feiras para um happy hour descontraído no campus, a convite de seu orientador.

Alex Takeda, de 20 anos, cursa a graduação em física no Caltech (Foto: Arquivo pessoal)Alex Takeda, ao centro, com dois amigos no
campus do Caltech (Foto: Arquivo pessoal)

Cotidiano
Apesar de poucos, os brasileiros se adaptaram bem ao estilo de vida local, e dividem casas fora do campus – algumas no estilo das fraternidades americanas – com estudantes do país e internacionais. E vivem um cotidiano típico das universidades norte-americanas.

“É completamente diferente [das faculdades brasileiras], não tem um curso fixo, então você pode escolher as aulas que vai fazer de acordo com os requerimentos, tem aulas com várias pessoas diferentes. É um sistema muito bom porque dá uma liberdade a mais para escolher o seu currículo”, conta Alex Atsushi Takeda, de 20 anos, que saiu de Londrina, Paraná, rumo aos Estados Unidos e hoje estuda física no Caltech.

Ele aproveitou que a graduação no instituto exige um curso básico para todos os alunos para experimentar aulas de outras carreiras antes de optar pela física.

Takeda vai cursar, nos próximos três meses, aulas de física clássica analítica, mecânica quântica, mecânica estatística, relatividade geral, física da neurociência e uma matéria de humanidades, que ainda não escolheu. Segundo ele, não há horário fixo para aulas e o tamanho varia entre 3 ou 4 alunos por sala e 300 pessoas em um auditório. “Tem aulas de manhã, de tarde e de noite, não tem um calendário muito fixo”, explica ele.

Segundo o site oficial do instituto, 91% das aulas são para turmas de até 50 pessoas, e um terço delas têm no máximo dez estudantes.

Dá para estudar em uma faculdade de nível tão alto e ainda ter vida social? Segundo Takeda, sim, desde que o estudante se organize. “Aqui a coisa não é tão baseada em prova, é baseada em trabalhos de casa. A tarefa semanal é bem importante. Mas de vez em quando dá tempo de curtir a cidade”, conta ele.

Pedro Coelho, recifense de 24 anos que desde os 15 estuda no exterior, afirma que, “por ser uma escola tão pequena, existem poucas atividades relacionadas à vida social do campus, então para se ter uma 'vida normal' os alunos terminam tendo que explorar a agenda de lazer de Pasadena e Los Angeles”. Ele faz seu doutorado em bioquímica no Caltech depois de ter cursado a graduação e o mestrado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Segundo ele, a opção pelo instituto aconteceu porque ele tem um “excelente programa em bioquímica” e ele já queria viver na Califórnia.

A sensação é que o lugar respira ciência"
Pedro Coelho, doutorando em bioquímica do Caltech

No topo do ranking
O programa específico da área de pesquisa do estudante deve ser o principal fator de escolha de uma universidade, segundo dica de Goes. Assim como os demais brasileiros no Instituto de Tecnologia da Califórnia, ele gostou de saber do título que a escola recebeu no ranking do THE, mas não dá muita importância a esse tipo de lista.

“Fiquei contente, mas tem vários rankings e cada um tem um critério diferente. No final, o que importa é se tem alguém na sua área de quem você gosta, não se a universidade é a primeira ou está mais para baixo na lista.”

Os brasileiros acham que o título é merecido, e creditam o mérito ao tamanho do Caltech. “Aqui a pesquisa é muito focada, abrangendo relativamente poucas áreas, mas é pesquisa de primeira qualidade. E, devido à pequena quantidade de alunos, os professores tipicamente têm mais tempo para os alunos que em outros lugares”, conta Freitas.

Pedro Coelho trocou a Universidade de Oxford pelo Caltech (Foto: Arquivo pessoal)Pedro Coelho trocou a Universidade de Oxford pelo Caltech (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo o recifense Pedro Coelho, o Caltech “tem uma concentração anormal de pessoas entusiasmadas com ciência. A sensação é que o lugar respira ciência. O interessante é que os alunos não só são muito talentosos, mas também realmente gostam do que fazem e conseguem encontrar satisfação na vida científica desde uma fase muito jovem. O ambiente intelectual é bastante rico e existe uma cultura 'hands-on' [‘mão na massa’] de aprender ciência fazendo ciência, que acho que é um dos diferenciais daqui.”

O calouro Ariel Setton, paulista de 18 anos, chegou ao campus há menos de um mês e é o brasileiro mais novo no Caltech. Apesar de ser recém-chegado à universidade, já tem sua opinião sobre ela. “A melhor coisa sobre o Caltech é a atmosfera de cooperação. Em algumas universidades, o ar é muito competitivo entre os alunos, mas aqui podemos confiar uns nos outros como se fôssemos irmãos”, diz. Ele afirma que é difícil encontrar pontos fracos no Caltech, pelo menos por enquanto.

Ariel, como os demais estudantes do primeiro ano da graduação, é obrigado a morar nas residências universitárias dentro do campus. Ele afirma que já tem uma amizade próxima com seu colega de quarto, um aluno chinês. Segundo o Caltech, a partir do segundo ano os alunos podem escolher onde morar.

O jovem paulista recomenda o Caltech a outros brasileiros. “Acho que seria bom se mais estudantes brasileiros e de outros países viessem para cá. É uma oportunidade de outro mundo, e gostaria que todos aqueles interessados em ciências e tecnologia desfrutassem dela.”

Processo de seleção
Os brasileiros provam que é possível ser aceito pelo Caltech, mas alertam que o processo seletivo é trabalhoso. Alex Takeda decidiu em agosto de 2008 se inscrever no instituto, e afirmou que precisou correr contra o relógio para cumprir todos os requisitos e enviar sua aplicação dentro do prazo, que ocorre todos os anos em dezembro.

Segundo a assessoria de imprensa da instituição, estudantes internacionais de graduação precisam fazer o vestibular padronizado americano, chamado Scholastics Aptitude Test (SAT). O exame conta com uma prova de redação e provas menores com matérias escolhidas pelo candidato. Em geral, para quem quer estudar em um instituto tecnológico, as provas devem incluir matemática, química e física. Além disso, é necessário fazer o Toefl, exame americano que mede a proficiência em inglês de estrangeiros.

Os brasileiros que realizaram o SAT contam que as questões de exatas não são muito exigentes. “A redação foi um pouco mais complicada para mim, mas no geral achei que as provas de matéria são até simples”, conta Takeda. Ele recomenda que os candidatos treinem em provas anteriores para se familiarizarem com o exame.

Para Ariel, que pensava em estudar no exterior desde o primeiro ano do ensino médio, quando o coordenador de sua escola sugeriu a ideia a ele e seus pais, “o SAT não é muito mais complicado do que o Enem, em algumas áreas, como Matemática, ele é até mais simples”.

Além disso, é preciso preencher o formulário de inscrição da universidade, que pede que o estudante explique porque quer estudar lá, e comprovar um bom histórico escolar, participação em atividades acadêmicas e conseguir boas cartas de recomendação.

Já quem quer cursar a pós-graduação no Caltech deve realizar a prova Graduate Record Examination (GRE), um tipo de vestibular padrão para estudantes de pós-graduação. E, segundo aconselha Fernando Goes, começar desde cedo a fazer pesquisa. “Meu diferencial [para ser aceito] foi o fato de que comecei a fazer pesquisa bem cedo. No segundo ano da graduação já estava interessado, no terceiro já tinha bolsa. Passei três anos com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)”, diz ele.
 

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