Conheça alguns vícios mais comuns dos comentaristas de futebol
Vícios do “futebolês”
A linguagem esportiva está sempre a merecer a nossa atenção. Basta um descuido nosso e lá estão os velhos vícios de volta.
Vamos comentar hoje uma série de exemplos coletados por nossos leitores.
Jogavam Flamengo e Peñarol no Estádio Centenário em Montevidéu. Logo após o árbitro ter encerrado o jogo, os jogadores uruguaios partiram para a briga e agrediram os rubro-negros. Além da triste cena de selvageria explícita, tivemos o desgosto de ouvir de um comentarista “especializado”: “Transformaram o Estádio Centenário numa verdadeira praça de guerra”. Por que verdadeira? Poderia ter sido uma “falsa” praça de guerra? E, cá entre nós, ninguém aguenta mais a tal “praça de guerra”. Eta chavãozinho batido! Minha ênfase é intencional. Afinal, todo chavão é “batido”.
Outro dia, o repórter que fazia a cobertura do treino do Corinthians: “O clima entre os jogadores é de alto astral”. O astral entre os jogadores pode estar alto, mas a linguagem dos repórteres esportivos está muito pobre. Foi o décimo quinto alto astral que ouvi só naquele mês. De vez em quando, o “alto astral” poderia virar “bom ambiente”, “jogadores animados”, “time otimista”...
Pode haver quem ache que eu esteja sendo muito rigoroso, mas é importante alertar nossos jornalistas esportivos para a pobreza dos clichês: “lenda viva”, “monstro sagrado”, “subiu no 3o andar (para cabecear)”, “chutar contra o patrimônio”, o zagueiro que “não perde a viagem”...
Mais incrível foi o narrador de um jogo da série B dizer que “o Fulano de Tal cobrou o manual”. Pelo amor de Deus, quem cobrava “manual” era “beque” da década de 50. É do tempo do off side e do center half. É do tempo que narrador era speaker.
Por falar em narrador, um alerta vermelho: “O atacante estava literalmente impedido”. Literalmente como? A quem interessar possa: LITERAL significa “transcrição por escrito, com todas as letras; fiel ao texto original, sem alterar palavra”. Logo, é impossível alguém ficar “literalmente impedido”. Não dá para aceitar nem como metáfora.
Já que falamos de palavras mal usadas. É bom lembrar a “febre” do DEFINIR: “As datas dos jogos ainda não foram definidas” (marcadas, fixadas); “O técnico ainda não definiu o time que sairá jogando” (decidiu, escalou); “Ele ainda não definiu quem será o substituto” (escolheu, decidiu)... Além do empobrecimento vocabular, o verbo DEFINIR está sendo mal usado.
Para facilitar as coisas: “DEFINIR o adversário” não é determinar quem será ele e sim dizer como ele é (negro, alto, forte, 27 anos...).
Portanto, esta história de “definir placar” é uma asneira imensa. DEFINIR não é “dar fim”. Trocaram o velho chavão “dar cifras definitivas ao placar” pelo modernoso e duvidoso “definir o placar”. Piorou.
Para terminar, dois errinhos:
1o) “A bola passou entre a barreira.” Entre a barreira e o quê? Ora, a bola passou pelo meio da barreira ou entre os jogadores que estavam na barreira.
2o) “Ronaldinho preferiu correr com a bola ao invés de chutar.” O certo é “em vez de chutar”. Ele trocou uma coisa por outra. AO INVÉS DE significa “ao contrário de”. Só devemos usar AO INVÉS DE, quando forem coisas opostas. E “correr com a bola” e “chutar” não são coisas opostas.
ENTRE ou DENTRE?
Leitora quer saber quando usar ENTRE e DENTRE.
1) A preposição ENTRE só deve ser usada com “unidades” (entre elementos ou entre conjuntos):
“A bola passou entre os jogadores da barreira.”
“Ronaldinho ficou entre o pai e a mãe da noiva.”
“Andava entre as árvores da floresta.”
“Desejamos a paz entre as nações.”
Devemos evitar o uso da preposição ENTRE antes de palavras com ideia “coletiva”:
“A bola passou entre a barreira.” (= “no meio da barreira” ou poderia ser “entre a barreira e o juiz”)
“Ronaldinho ficou entre o casal.” (= “entre os pais da noiva” ou poderia ser “entre o casal e a noiva”)
“Andava entre a floresta.” (= “entre as árvores” ou poderia ser “entre a floresta e o rio”)
“Desejamos a paz entre a população.” (= “entre os homens, entre as pessoas, entre os habitantes, entre os povos” ou poderia ser “entre a população e o governo”)
2) Devemos usar a forma DENTRE quando há um sentido de “movimento” ou de “posse” (=de entre):
“Dentre os relacionados, saiu Ronaldinho.”
“Dentre os candidatos, surgiu Fulano de Tal.”
“Um dentre os acusados é o assassino.”
“Alguém dentre nós terá de resolver o problema.”
PARA ONDE ou PARA AONDE?
Leitor quer saber qual é forma correta: “PARA ONDE ou PARA AONDE vão nossas crianças?”
O certo é “PARA ONDE vão nossas crianças”.
A forma “para aonde” simplesmente não existe.
Existem AONDE (=quando você vai “a” algum lugar) e PARA ONDE (=quando você vai “para” algum lugar):
“Ipanema é a praia AONDE ela vai em todos os fins de semana.” (=Ela vai à praia);
“São Paulo é a cidade PARA ONDE ele foi transferido.” (=Ele foi transferido para São Paulo).