Entenda quando 'meio' é numeral e quando é advérbio de intensidade
MEIO ou MEIA?
1) A palavra meio, quando significa “metade”, é numeral. Deve concordar com o substantivo a que se refere: “Bebeu meio litro de uísque”; “Bebeu meia garrafa de cerveja”; “Leu um capítulo e meio”; “Leu uma página e meia”; “É uma hora e meia”; “É meio-dia e meia (hora)”...
2) A palavra meio, quando significa “mais ou menos”, é advérbio de intensidade. Os advérbios são palavras invariáveis (=não se flexionam em gênero e número): “A aluna ficou meio nervosa”; “Os clientes saíram meio satisfeitos”; “A atleta está meio cansada”; “Ela é meio poderosa”...
-> A dúvida
Pergunta do leitor: “Lendo recentemente um conto de Machado de Assis (Capítulo dos Chapéus), deparei-me com a seguinte frase: ...foi à sala de visitas, chegou à janela meia aberta, viu... Pensei tratar-se de um erro de revisão, mas em um outro conto (Casa Velha), deparei-me com frase semelhante. Custa-me crer que Machado de Assis tenha cometido tal erro. Em que ocasiões pode meia ser usada? Meia ou meio cansada?”
Rigorosamente, segundo as regras da gramática tradicional, os advérbios não se flexionam (= sem feminino, sem plural): “ela está meio cansada” e “a janela está meio aberta”.
Não sei se houve erro de impressão ou se o grande Machado cometeu um erro gramatical. E não estou muito preocupado com isso. Já disse muitas vezes: não devemos reduzir fatos linguísticos a discussões simplistas de certo ou errado.
Não sou adepto da “teoria da exceção”. Respeito o fato de uma palavra ou alguma estrutura sintática ter sido citada ou usada por um ou outro autor. Isso não significa, entretanto, que eu também vá usar ou ensinar aos meus alunos.
Se ninguém diz que “ela está muita cansada ou pouca cansada” e que poucos dizem “meia cansada”, prefiro seguir a maioria: “ela está meio cansada”, porque não está “muito cansada” nem “pouco cansada”.
-> Outra dúvida
Outro leitor comenta: “Machado de Assis estava certo ao escrever ‘janela meia aberta’. Você não acha que ele quis dizer que a janela estava aberta pela metade ou então que tinha a metade aberta?”
Não é a primeira vez que leio essa interpretação. Pode até ser verdadeira, mas acredito mesmo que tenha havido o que alguns autores hoje chamam de “concordância atrativa” (= é feita por proximidade em vez de seguir a lógica gramatical). Isso significa que o advérbio “meio” estaria concordando com o adjetivo “aberta” devido à proximidade.
Isso explicaria também o caso do “meia cansada”. Aqui fica muito difícil sustentar a ideia de “metade”. Se a pessoa ficou “meia cansada”, certamente não ficou “metade” cansada.
ESTADIA ou ESTADA?
Sempre ensinei que estadia é “o período em que o navio fica no porto para carga e descarga” e estada é “o ato de estar, permanência”.
Sempre brinquei em minhas aulas: “quando entro num hotel e me desejam um boa estadia, eu me sinto um navio, mas...tudo bem. O importante é ser bem tratado durante a estada no tal hotel”.
Juro que é última vez que direi tal “gracinha”. Eu sei que o novíssimo Aurélio considera estadia sinônimo de estada, permanência. Sendo mais justo ainda: o dicionário Michaelis já dizia isso há mais tempo.
Isso significa, portanto, que estada e estadia, no sentido de “permanência”, são sinônimos. Para os navios, só vale a estadia.
ATERRIZAR ou ATERRISSAR?
O velho dicionário Caldas Aulete só registrava a forma aterrissar. No entanto, a forma aterrizar já está devidamente registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, e por vários dicionários, entre eles o próprio Aulete digital, o Houaiss, o Michaelis e o Aurélio.
Aqui não há mais discussão. As duas formas são totalmente aceitáveis.
MAU-OLHADO ou MAL-OLHADO?
As duas palavras existem, mas apresentam significados diferentes:
a) mal-olhado = adjetivo, é o “que não é bem visto, bem aceito; malvisto;
detestado, odiado” (Dicionário Michaelis).
b) mau-olhado = substantivo, é a “qualidade que a crendice popular atribui
a certas pessoas de causarem desgraças àquelas para quem olham”.
Observação: o adjetivo mal-olhado não aparece no dicionário Aurélio, mas está registrado no dicionário Michaelis e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL.