Um grupo de empresas multinacionais de tecnologia, como Microsoft e Facebook, pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que policiais, ministério público e a Justiça brasileira peçam conteúdo de conversas de usuários de seus serviços no país diretamente ao governo dos Estados Unidos. A proposta é que, em vez de acionar as subsidiárias brasileiras destas empresas, o pedido seja feito por meio de um tratado binacional assinado em 1997.
A ação é liderada pela Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro), que representa mais de 1,5 mil companhias do setor. Segundo a advogada Adriele Pinheiro Reis Ayres de Britto, que representa a entidade, a maioria das firmas brasileiras atuam no setor, mas não possuem redes sociais.
A ação cita inúmeros casos de:
- multas milionárias;
- bloqueio de funcionamento e;
- ao menos, um pedido de prisão de executivos.
As empresas pleiteam o mesmo tratamento judicial dado a bancos e outras grandes empresas. Nestes casos, o pedido das informações é encaminhado ao governo norte-americano pelo Ministério da Justiça.
"Hoje em dia, os dados pessoais valem mais que dinheiro, não há previsão legal para a guarda dos dados aqui", afirmou Adriele.
Cooperação internacional
A controvérsia diz respeito ao modo de obtenção das informações protegidas por sigilo em investigações relativas a crimes. Quando se trata de dados bancários, a Justiça brasileira usa o Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT), que estabelece um rito de comunicação direta entre o Ministério da Justiça brasileiro e o Departamento de Justiça dos EUA.
É por meio do Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT) que a força-tarefa da Lava Jato solicita informações protegidas por sigilo bancário a países como a Suíça, por exemplo. A operação possui mais de 180 iniciativas de cooperação internacional em curso.
"Não está se seguindo o devido processo legal previsto no nosso caso. Por meio do MLAT existe um espaço maior para a ampla defesa", acrescentou Natália Peppi Calvacanti, que também advoga pela Assespro.
Nesta terça-feira (5), o Facebook se uniu à ação como "amicus curiae", o que permitirá à empresa incluir documentos no processo e sustentar seus argumentos perante os ministros quando o caso for levado a julgamento.
A empresa é dona do WhatsApp e responde a processo por desobediência no cumprimento de determinações judiciais.
Outras empresas com interesse direto no assunto podem solicitar ao STF participação como amicus curiae, seja para concordar ou discordar dos argumentos do Facebook e da Assespro.
A discussão na Justiça envolve mensagens de texto, vídeo, fotos e áudios que são compartilhados entre os usuários pelos aplicativos das companhias. Não há lei brasileira nem norte-americana impedindo a entrega dos chamados "metadados", como o endereço de IP dos equipamentos.
Outras exceções dizem respeito a casos de abuso sexual de menores, quando há ameaça a vida, terrorismo, sequestro, suspeita de suicídio e outros casos em que as empresas se dispõem a fornecer informações diretamente para o Judiciário local.
Marco Civil da Internet
Os juízes têm se baseado no Marco Civil da Internet quando querem o conteúdo de conversas trocadas por meio de aplicativos de mensagem instantânea entre suspeitos de crime, por exemplo.
A lei de 2014, que regula direitos e deveres de provedores, empresas e usuários de internet, estabelece que "coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais" devem seguir a legislação nacional quando ocorre em território brasileiro.
O Facebook e a associação de empresas de TI alegam, por outro lado, que texto, vídeo e fotos trocados entre usuários de serviços de mensagem instantânea são armazenados fora do Brasil e sua disponibilização deve seguir as leis deste outro país, como os Estados Unidos.
"A Constituição brasileira se vê estapeada", afirmam os advogados da Assespro na petição inicial da Ação de Declaração de Constitucionalidade (ADC) 51. "Não existe na Ordem Jurídica destas bandas de cá disposição legal que obrigue os provedores estrangeiros ou empresas a eles afiliadas a armazenar tal conteúdo em território nacional."
Na avaliação da especialista em direito digital Pamela Meneguetti, advogada do escritório Pinheiro Neto, o Marco Civil da Internet não exclui a aplicação de tratados internacionais como o MLAT, que constituem meio legítimo para a obtenção de conteúdo de provedores de aplicação de Internet sediados no exterior.
“O Poder Judiciário deve usar o MLAT e não acionar a subsidiária no Brasil. Não existe previsão legal no Marco Civil que justifique a imposição dessa obrigação às subsidiárias” afirmou.
Mas no entendimento do promotor de Justiça e coordenador da Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal, Frederico Ceroy, não é possível comparar dados protegidos por sigilo bancário de brasileiros no exterior com o conteúdo de mensagens armazenadas em servidores localizados fora do país.
"Só o Facebook está com essa ideia, isso é um problema muito sério a médio e longo prazo", disse Ceroy, acrescentando que costuma recomendar a outras empresas de TI uma colaboração efetiva no Brasil, sem necessidade do tratado bilateral.
"Exigir o uso do MLAT para alvos nacionais vai enfraquecer o marco regulatório, abrir a porta para um movimento regulatório pesado e colocar em xeque todos os avanços do Marco Civil da internet, inclusive liberdade de expressão."