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Por Alexandro Martello, g1 — Brasília


Nos primeiros anos de seu terceiro mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o que mais arrecada, após a transferência a estados e municípios, desde a primeira gestão da presidente Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014, ou seja, em cerca de dez anos.

O cálculo, que leva em conta a proporção da receita com o Produto Interno Bruto (PIB) — considerada mais apropriada por especialistas — abrange o ano de 2023 e a previsão para 2024 (que consta no relatório de receitas e despesas do orçamento, divulgado em julho).

Receita líquida por governos
Em percentual (%) do PIB, na média, após a transferência a estados e municípios
Fonte: Tesouro Nacional

Por governos, na média, o que mais arrecadou foi o presidente Lula, em seu segundo mandato (2006 a 2010), seguido por Dilma 1 (2011 a 2014), por Lula 1 (2003 a 2006) e o parcial de Lula 3 (2023 e previsão para 2024).

No segundo mandato de Dilma, interrompido pelo processo de "impeachment" em 2016, no mandato tampão de Temer (2017 e 2018) e no governo de Bolsonaro, a arrecadação líquida ficou, na média, abaixo de 18% do PIB, assim como nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

  • A média da receita líquida, de toda série histórica, entre 1997 e 2023, é de 17,7% do PIB.
  • A série histórica do Tesouro Nacional começa em 1997, ou seja, não considera os dois primeiros anos da primeira administração do tucano Fernando Henrique Cardoso.

De acordo com o economista Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV Ibre, especialista em cenários econômicos, análise de atividade e contas públicas, o ritmo da arrecadação, na comparação entre governos, nem sempre tem a ver com decisões tomadas por um presidente da República e sua equipe econômica.

"Nessa história de governos arrecadam mais ou menos, a gente tem que tomar um pouco de cuidado. A arrecadação tem ciclos. No ano que a economia cresce mais, ela vai melhor. Geralmente quando PIB está indo muito bem, a arrecadação cresce mais do que o PIB. E o mesmo acontece quando a economia está indo muito mal, em recessão. Tem queda da arrecadação em proporção do PIB. Não tem a ver [sempre] com decisões de aumento de alíquota, ou criação de tributos ou de ampliação da base tributária, mas com crescimento da economia", avaliou Bráulio Borges.

O economista observou, entretanto, que decisões de governos influenciaram a carga tributária no passado de tal modo:

  • De 1999 a 2005: Fernando Henrique promoveu, no seu segundo mandato, um grande ajuste fiscal pelo lado da receita, com aumento de tributos, para cumprir o ajuste fiscal exigido pelo FMI, que emprestou dinheiro ao Brasil com contrapartidas.
  • De 2005 a 2011: Lula não teve decisão política de aumentar alíquotas, base tributária, ou criar impostos novos, tendo a arrecadação oscilado, no período, pelo comportamento da economia.
  • De 2012 a 2014: houve decisões deliberadas de reduzir alíquotas pela então presidente Dilma Rousseff, abrangendo combustíveis, automóveis e ampliação do Simples Nacional em 2014, com aumento da renúncia de arrecadação.
  • De 2017 a 2018: Temer recompôs parte dos tributos reduzidos durante a gestão da presidente Dilma, como a tributação sobre combustíveis.
  • De 2019 a 2022: Bolsonaro reduziu a carga tributária, principalmente no último ano de governo, marcado por eleições, abrangendo combustíveis, IPI de produtos e obteve no Congresso a redução também do ICMS estadual sobre telecomunicações, combustíveis e energia elétrica, entre outros.
  • De 2023 a 2024: Em seu terceiro governo, Lula vem recompondo a base de arrecadação, retomando a tributação sobre combustíveis e focando o aumento nos contribuintes com maior poder aquisitivo (fundos exclusivos e "offshores", por exemplo), além de fechar brechas utilizadas por empresas.

O g1 entrou em contato com o Ministério da Fazenda e com o Tesouro Nacional e questionou por qual razão os governos petistas figuram como os que mais arrecadam, se o arcabouço fiscal foca o ajuste das contas públicas na alta da receita e se isso não gera efeitos ruins na economia. Mas não obteve resposta até a última atualização dessa reportagem.

Previsão é de alta da arrecadação em 2024

A previsão para o ano de 2024, feita em julho deste ano pela área econômica, é de que a receita líquida atingirá 18,8% do PIB.

  • Esse patamar está acima da média da série histórica, entre 1997 e 2023, de 17,7% do PIB.
  • Se confirmado, será o maior nível desde 2011 (18,9% do PIB), quando a presidente Dilma Rousseff assumiu seu primeiro mandato.
  • O recorde da série histórica foi em 2010, o último ano do segundo mandato de Lula, também período de eleições — quando a receita líquida somou 20,2% do PIB.
  • O resultado do governo Bolsonaro foi influenciado pela pandemia, que derrubou a arrecadação em 2020 para o menor nível em 22 anos: 15,8% do PIB.

Receita líquida ano a ano
Em percentual (%) do PIB, após a transferência a estados e municípios
Fonte: Tesouro Nacional e Ministério do Planejamento

No ano passado, o governo Lula aprovou o arcabouço fiscal, a nova regra para as contas públicas.

A arrecadação tem avançado neste ano por conta, principalmente, de medidas aprovadas em 2023 pela equipe econômica, tais como:

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Segundo números preliminares do Tesouro Nacional, a carga tributária somou 32,44% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023.

Gastos públicos

Despesa total por governos
Em percentual (%) do PIB, na média
Fonte: Tesouro Nacional

Em termos de despesas públicas, o governo Bolsonaro foi o que mais gastou. O número, entretanto, sofre forte impacto da pandemia da Covid-19. Novamente, o cálculo é feito em termos de porentagem do PIB.

No ano de 2020, período de maior isolamento das famílias, a então equipe comandada por Paulo Guedes, na Economia, também com decisões tomadas pelo Congresso Nacional de aumento do auxílio emergencial, elevou os gastos para 25,6% do PIB — recorde da série histórica.

Em 2020, foram gastos R$ 524 bilhões para combater os efeitos da pandemia, valor que recuou para R$ 121 bilhões em 2021 e para R$ 20,8 bilhões em 2022. Os números são do Tesouro Nacional.

  • A média dos gastos públicos, de toda série histórica, é de 17,6% do PIB.

Em segundo lugar, nos gastos, está o segundo mandato de Dilma Rousseff, interrompido pelo processo de impeachment, quando as despesas somaram 19,7% do PIB, seguido pela média parcial de Lula 3 (19,5% do PIB) e por Michel Temer (19,4% do PIB).

Despesas totais do governo
Em percentual (%) do PIB
Fonte: Tesouro Nacional e Ministério do Planejamento

A previsão para o ano de 2024, feita em julho deste ano pela área econômica, é de que a despesa total atingirá 19,4% do PIB, pouco abaixo do registrado em 2023 (19,6% do PIB).

  • Esse patamar está bem acima da média da série histórica, que começa em 1997, de 17,5% do PIB.
  • O valor estimado para este ano está próximo do registrado entre 2015 e 2019, quando ficou, na média, em 19,5% do PIB.
  • Até 2014, as despesas não haviam atingido a marca de 18% do PIB, com exceção de 2010, último ano do segundo mandato de Lula (18,2% do PIB).
  • O recorde da série histórica foi em 2020, na gestão Bolsonaro (ano da pandemia da Covid-19) — quando a receita líquida somou 25,6% do PIB.
  • Em 2021 e 2022, últimos anos da gestão Bolsonaro, a média de gastos caiu para 18% do PIB. Nesse período, estava em vigor o teto de gastos, pelo qual as despesas não podiam crescer acima da inflação.

PEC da transição e o arcabouço fiscal

O arcabouço fiscal, a nova regra para as contas públicas aprovada em 2023, traz um limite para as despesas: elas não podem crescer mais de 70% da alta das receitas, ou não podem avançar mais do que 2,5% em termos reais (acima da inflação) todo ano.

O economista Bráulio Borges, pesquisador do do FGV Ibre, analisou que o arcabouço fiscal fará com que a despesa, na proporção do PIB, fique em torno de 19,5% do PIB.

Por isso, a busca do déficit fiscal zero — na mira para os próximos anos —, terá de ser feita por meio da alta da arrecadação. "É a grande crítica ao arcabouço", declarou.

Ele elogiou o esforço do governo em fazer revisão de cadastros, como no INSS, BPC e auxílio-doença, para coibir fraudes, mas observou que serão necessárias reformas mais profundas nos gastos obrigatórios para manter o arcabouço fiscal de pé.

Sem essas mudanças, acabará nos próximos anos o espaço para gastos livres do governo. E o arcabouço fiscal terá de ser revisto, opinou o economista.

"Medidas de combate à fraudes, aumento da fiscalização são bem-vindas. Mas isso tem fôlego curto. Resolve um ano, dois anos. Não é algo mais persistente, permanente. A gente vai ter que em algum momento, acho que vai ficar para um próximo governo, falar de 'revincular'. Ter vinculações mais compatíveis com o equilíbrio fiscal, e que façam sentido para as políticas públicas", declarou Bráulio Borges.

Ele defendeu o fim da vinculação da saúde e da educação à receita corrente líquida, o que geraria perda de recursos para essas áreas; que as aposentadorias não seja mais vinculadas ao salário mínimo, ou que o mínimo deixe de ter aumento acima da inflação.

Além disso, afirmou que será necessária uma nova reforma da previdência, que ficará insustentável diante das mudanças demográficas.

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