Lula entregou o projeto do arcabouço fiscal ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) — Foto: Diogo Zacarias/ Presidência da República
O governo federal entregou nesta terça-feira (18) ao Congresso Nacional a proposta completa para o novo arcabouço fiscal, que irá substituir o teto de gastos.
O texto atualizado elenca uma série de despesas que não serão enquadradas nos limites das novas regras. Também traz mais detalhes sobre as metas de resultado e explica o que acontece caso essas metas não sejam cumpridas (veja mais detalhes abaixo).
A expectativa é controlar despesas e frear o aumento da dívida – assim, os juros poderiam cair.
Veja, a partir das perguntas abaixo, como funcionarão as regras depois de aprovadas pelo Congresso:
Relator do projeto do arcabouço fiscal deve ser definido nesta quarta-feira
O que já sabíamos?
- As contas públicas perseguirão uma meta de resultado primário (saldo entre a arrecadação e as despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros da dívida); nos próximos anos, a meta busca um superávit (com receitas maiores que despesas) antes do pagamento de juros da dívida.
- Essa meta tem um intervalo de cumprimento em percentual do PIB.
- Se as contas estiverem dentro da meta, o crescimento de gastos terá um limite de 70% do crescimento das receitas primárias (ou seja, da arrecadação do governo com impostos e transferências).
- Já caso o resultado primário fique abaixo da banda de tolerância da meta, o limite para os gastos cai para 50% do crescimento da receita.
- Há também uma banda de crescimento real da despesa primária (acima da inflação), que vai de 0,6% a 2,5% ao ano.
- Há um piso anual para investimentos públicos, com base no previsto pelo Orçamento em 2023 (cerca de R$ 70 bilhões) e corrigido pela inflação ao longo do tempo.
O que passamos a saber com o texto completo?
1) O governo prevê que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) contenha o chamado Anexo de Metas Fiscais.
O Anexo deve incluir, para o ano e para os três anos seguintes:
- Metas anuais para o resultado primário do Governo Central, para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, bem como seus intervalos de tolerância;
- Marco fiscal de médio prazo, com projeções para os agregados fiscais que compõem os cenários de referência.
Segundo o texto, o Anexo de Metas Fiscais deve prever os impactos dessas metas na trajetória da dívida pública ao longo dos próximos 10 anos.
Além disso, no PLDO encaminhado este ano, o Anexo também precisará estabelecer critérios para a variação da despesa primária, corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial do país).
O novo arcabouço diz ainda que, para estabelecer esses critérios, será considerado o IPCA observado de janeiro a junho e as projeções de inflação do governo referentes ao período de julho a dezembro (veja mais detalhes abaixo).
2) Órgãos e Poderes terão um limite individualizado para despesas primárias a partir de 2024. São eles:
- O Poder Executivo federal;
- O Supremo Tribuna Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, a Justiça do Trabalho, a Justiça Federal, a Justiça Militar da União, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no âmbito do Poder Judiciário;
- O Senado Federal, a Câmara dos Deputados e o Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo;
- O Ministério Público da União e o Conselho Nacional do Ministério Público; e
- A Defensoria Pública da União.
Para 2024, esses limites serão equivalentes às verbas determinadas pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano passado e referentes a 2023, excluídas algumas despesas específicas (veja mais detalhes abaixo).
Já para os anos seguintes, os valores serão equivalentes ao limite do exercício anterior, corrigidos pela inflação e sem considerar eventuais alterações de orçamento feitas caso o resultado primário do governo seja maior ou menor do que o intervalo de tolerância.
3) As despesas serão corrigidas por um cálculo de inflação que deve ser mais benéfico para o governo em 2024.
O texto do novo arcabouço fiscal prevê que os limites de despesas vão crescer pela inflação acumulada de janeiro a junho, mais a projeção do governo para os meses de julho a dezembro.
O novo cálculo, que leva em conta o ano inteiro de 2023, e não apenas a inflação de 12 meses acumulada até o meio do ano (junho), deve dar ao governo vantagem para o aumento de gastos em 2024, segundo economistas.
Com o novo intervalo de correção, a previsão é que as despesas do governo tenham um avanço real (acima da inflação) de 2,3%, segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena. Se confirmado, ficará quase no limite de crescimento real estabelecido pelo novo arcabouço, que é um crescimento real de até 2,5%.
4) Algumas despesas não serão enquadradas nos limites estabelecidos pela nova regra fiscal. Entre elas:
- Transferências constitucionais;
- Créditos extraordinários;
- Transferências aos fundos de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para pagamento do piso da enfermagem;
- Despesas com projetos socioambientais ou mudanças climáticas custeadas com recursos de doações ou de acordos judiciais ou extrajudiciais;
- Despesas das universidades públicas e dos hospitais federais e das instituições federais;
- Despesas das instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao MEC;
- Despesas de instituições científicas, tecnológicas e de inovação custeadas com receitas próprias, de doações ou de convênios, contratos ou outras fontes, celebrados com os demais entes federativos ou entidades privadas;
- Despesas com recursos transferidos pelos estados e municípios para a União e que sejam destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia;
- Despesas com eleições;
- Despesas com o aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes;
- Despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA);
- Gastos com gestão de florestas do Instituto Chico Mendes;
- Repasse de recursos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb);
- Precatórios relativos ao Fundeb.
Parte dessas exceções já era prevista na regra do teto de gastos.
5) O presidente da República em exercício precisará se justificar ao Congresso caso descumpra as metas estabelecidas.
O novo arcabouço ainda prevê que o presidente da República precisará encaminhar uma mensagem ao Congresso Nacional caso não cumpra as metas de resultado das contas públicas.
Na mensagem, o chefe do Executivo federal terá de explicar as razões para o descumprimento e as medidas que serão adotadas para correção.
Nesses casos, no entanto, não haverá punição ao governo ou ao presidente da República.
6) Caso as estimativas de receita ou despesas descumpram a meta nos resultados trimestrais, os Poderes poderão adotar algumas medidas. São elas:
- Limitação de gastos nos trinta dias subsequentes, no valor necessário e seguindo os critérios da lei de diretrizes orçamentárias; e
- Limitação de cronogramas e limites de pagamentos das despesas primárias.
O texto ainda destaca que as despesas enquadradas como obrigações constitucionais e legais da União – inclusive as destinadas ao pagamento do serviço da dívida e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias – não poderão ser limitadas.
7) O Banco Central precisará apresentar ao Congresso Nacional uma avaliação sobre o cumprimento dos objetivos e metas.
Segundo o novo marco, o BC terá um prazo de noventa dias após o fim de cada semestre para apresentar, em uma reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso, uma avaliação sobre o cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, de forma a evidenciar o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços.
8) O excedente de arrecadação que poderá ser usado para investimentos será limitado até o ano de 2028.
O projeto também prevê que o excedente de arrecadação que poderá ser usado para investimentos ficará limitado a R$ 25 bilhões de 2025 a 2028. O valor também será corrigido pela inflação.
Qual o objetivo do governo com as novas regras?
O centro da proposta do Ministério da Fazenda é manter o resultado primário positivo e dentro da meta estabelecida para os próximos anos.
Atualmente, a meta de resultado primário é um valor exato – e uma das mudanças propostas pelo arcabouço é que haja um intervalo de resultados possíveis (veja mais detalhes no próximo tópico).
Quando o governo estiver dentro da meta, o crescimento máximo dos gastos está limitado a 70% do crescimento da receita apurada no ano anterior. O dado será considerado entre julho de um ano e junho do ano seguinte, para permitir a inclusão das metas na proposta do orçamento.
Então, na prática, se o montante arrecadado pelo governo aumentar R$ 100 bilhões nesse período, por exemplo, os gastos públicos poderão ser elevados em até R$ 70 bilhões no ano seguinte — desde que o resultado primário esteja dentro do intervalo estabelecido e o aumento não seja maior que um crescimento real de 2,5% contra o ano anterior (saiba mais abaixo).
Dessa forma, o governo espera dar previsibilidade para os gastos, reduzir os juros do país e, assim, controlar a trajetória da dívida pública.
O que muda em relação ao teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer, é que a possibilidade de gastos públicos aumenta conforme a arrecadação do governo, e não com uma trava rígida e de acordo com a inflação do ano anterior.
O entendimento do governo Lula é que o teto de gastos engessou o orçamento e não permitiu que o país investisse como deveria nos últimos anos, trazendo prejuízos para diversas áreas, como infraestrutura, moradia, educação e saúde.
Como vai funcionar?
O intervalo, ou “banda”, para o resultado do primário vai funcionar nos moldes do que hoje acontece com o sistema de meta da inflação: existe o centro da meta e as faixas de tolerâncias para mais e para menos.
Para 2024, por exemplo, a meta do governo é igualar a receita e a despesa – o que resultaria em um resultado primário de 0% do PIB. Pelo sistema proposto, a meta será considerada "cumprida" se ficar entre um déficit de 0,25% e um superávit de 0,25%.
Caso o resultado primário do governo fique acima do teto da meta, o excedente poderá ser utilizado para investimentos. Se o resultado primário ficar abaixo da banda, as despesas no ano seguinte poderão crescer somente 50% do crescimento da receita no exercício seguinte.
Além disso, há ainda limites, mínimo e máximo, para o crescimento real (descontada a inflação) da despesa primária, que varia entre 0,6% e 2,5%.
- Caso o Brasil tenha dificuldade de compor as receitas (cumprir metas e arrecadar impostos), o crescimento real dos gastos não poderá ser inferior a 0,6%.
- Já em bons anos, em que o Brasil conseguir aumentar muito a arrecadação, o crescimento real dos gastos não pode ultrapassar 2,5%.
Na prática, esse intervalo funcionará como o novo teto de gastos. O teto anterior previa a correção dos gastos apenas pela inflação — ou seja, com crescimento real de 0%. Essa nova regra flexibiliza o limite anterior.
Um ponto: a proposta prevê que as despesas de saúde cresçam a 15% da receita líquida e as de educação, a 18%. Ou seja, terão crescimento real, acima da inflação.
O que o governo espera alcançar?
Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo prevê:
- zerar o déficit público da União no próximo ano;
- superávit de 0,5% do PIB em 2025;
- superávit de 1% do PIB em 2026;
- e estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.
Na avaliação de equipe de Haddad, o ajuste é importante, mas gradual. A previsão é que, neste ano, o governo feche com déficit na casa dos R$ 100 bilhões.
Segundo o governo, com o novo arcabouço, será possível estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula, a no máximo 77,3% do PIB. Porém, a dívida pública não é uma meta, e sim um objetivo do governo.
Quando começa a valer?
O novo arcabouço fiscal passa a valer assim que for aprovado pelo Congresso Nacional, como um projeto de lei complementar. Propostas desse tipo precisam de maioria absoluta de votos favoráveis, de 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado.
A medida precisa, portanto, de menos votos do que foi necessário para aprovar o teto de gastos, que era uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para ir à promulgação pelo Congresso, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos, na Câmara e no Senado, com apoio de, no mínimo, 308 deputados e 49 senadores.
A “anulação” do efeito constitucional do teto de gastos já foi tratada pela PEC da Transição, aprovada enquanto o governo Lula ainda era formado. O texto dava prazo até o fim de agosto para que fosse enviado ao Congresso um novo regime fiscal em substituição ao teto de gastos, mas não há um prazo exato para aprovação.
Mas o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta quinta-feira que a proposta deve chegar ao Congresso Nacional já na próxima semana, antes do feriado.
O Planalto trabalha para que o orçamento de 2024 já seja construído com base no novo arcabouço fiscal, já que ele prevê metas de crescimento da economia e de controle dos gastos já para o próximo ano.