O governo anunciou nesta segunda-feira (14), que irá propor oficialmente o retorno da CPMF, que ficou conhecida como "imposto do cheque", com alíquota de 0,2%. Foi anunciado também um corte de gastos no total de R$ 26 bilhões, com medidas como adiamento de reajuste a servidores e redução de ministérios e cargos.
A volta da CPMF, segundo os cálculos divulgados pelo governo, vai ser responsável, sozinha, por metade do ajuste nas contas públicas anunciado para o ano de 2016, que é de R$ 64,9 bilhões.
O anúncio também inclui outras medidas para aumentar a arrecadação do governo, como alíquota progressiva de Imposto de Renda sobre ganho de capital. Veja a lista completa de medidas para aumentar a arrecadação aqui.
Segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a CPMF seria "provisória", durando não mais que quatro anos.
Economistas e analistas financeiros ouvidos pelo G1 criticaram a proposta e acreditam que o governo terá grande dificildade para conseguir aprovar o retorno da CPMF no Congresso. Já a Federação Brasileira de Bancos afirmou que o tributo, "tendo em vista sua ampla cobertura, menor impacto inflacionário, simplicidade e maior rapidez de implantação em relação a outros tributos, facilita o reequilíbrio das contas públicas".
Confira abaixo a análise de professores e analistas do mercado, além de notas enviadas por entidades:
Nelson de Sousa, professor de Finanças do Ibmec/RJ
A CPMF não sei se emplacará, não vejo muito ambiente para aprovação. E é uma tragédia, pois encarece, afasta o investimento, trava mais a economia e pode aumentar ainda mais o desemprego.
O governo tem que propor alguma solução para a situação que ele mesmo criou ou é o principal responsável. Na realidade tem que fazer por aí mesmo. A questão é: qual é o alcance disso e até que ponto isso vai ser aprovado pelo Congresso e entendido pelo sociedade".
Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da consultoria GO Associado
"Não tem sentido, a sociedade não aguenta mais esse tipo de asfixia tributária. É um erro colocar tanto peso do ajuste em aumento de imposto. Aumentar a CPMF vai contra o aumento da competitividade da economia.
O Brasil já tem uma carga tributária mais elevada do que a da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A maior parte do ajuste tem que recair sobre o setor público.
O que se espera é um pacote mais equilibrado com mais ênfase no corte de despesas do governo e na venda de ativos do governo. Insisto nisso: por que o Estado não vende ativos, abate dívida e paga menos juros?"
Judas Tadeu Grassi Mendes, da EBS Business School
“É um enorme 'me engana que eu gosto'. Eles têm que simular um certo corte para ver se sensibilizam o Congresso e a população como um todo para aumentar o imposto. O corte de gasto praticamente não existe. A gente viu esta semana a autorização do Palácio de uma compra de mais de R$ 200 mil para talheres. Eles não dão demonstração nenhuma de corte de gastos. Se a população visse que o governo está fazendo parte dele, ficando enxuto, aceitaria melhor [o aumento de impostos].
O governo já sabe que está batendo na trave esses aumentos, o próprio Congresso já deixou claro que não passa. Então, o que tem que fazer agora? Sinalizar: ‘Vamos dizer que estamos fazendo a nossa parte’. Mas deveria ter demonstrações claras de que está fazendo isso. Primeiro, de 39 ministérios, deveria reduzir para 14 e criar mais um: o de gerenciamento de projetos públicos. No Brasil, não existe um único projeto que é feito no prazo e no orçamento previsto. Outro exemplo: 22 mil cargos comissionado. Na Alemanha só tem 300. Por que aqui tem 22 mil? Nós estamos no ano que vem indo para déficit e eles não fazem a lição de casa.”
Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management
"Não há muita surpresa no anúncio da CPMF. O mercado aparentemente até que não reagiu mal. Mas ao mesmo tempo volta a questão da capacidade do governo de levar isso adiante.
Precisa ver como é que será a aprovação dessas medidas no Congresso, uma vez que elas serão apresentadas na forma de projetos de lei.
O governo ainda está jogando dentro de parâmetros imponderáveis, está precisando da questão política, pois o que se tem é um governo extremamente desgastado e com a própria base aliada não acreditando nessas medidas. Vai ser um embate difícil, vai ter que ser provada a grande necessidade e perenidade dela."
Roberto Vertamatti, economista diretor de economia da ANEFAC
“Boa parte das medidas que o governo acabou de anunciar ainda terão que ser aprovadas pelo Congresso. No caso da CPMF, dificilmente vai ser aprovada porque é um imposto muito complicado e acaba influindo de uma forma muito pesada nos custos em toda a cadeira produtiva.
De qualquer forma o governo está tentando equilibrar as contas. Infelizmente o momento político acaba complicando o cenário. O governo já deveria ter a ajustado isso com o Congresso, mas os canais de comunicação estão muito difíceis. Ao que me parece, e vou usar agora uma palavra forte, é um pouco estabanada a forma como o governo está conduzindo todo esse processo.
O momento político está muito difícil, é um pacote como esse mexe com o bolso de todo mundo. O governo poderia fazer muito mais, na minha opinião. Falta eficiência na máquina pública. Se tivesse mais eficiência poderíamos reduzir os gastos do governo de 15% a 20 % tranquilamente. O governo precisa realmente cortar gastos. Fala que vai cortar 10 ministérios, seria um exemplo de boa vontade. Já deveria ter cortado. Está na mão do governo fazer isso. Eles não tomam essas medidas em função de apoios, em função dos próprios partidos."
Federação Brasileira de Bancos, em nota
“A Febraban entende que as medidas refletem o compromisso do governo em promover o equilíbrio fiscal, condição indispensável para abrir caminho a retomada do desejado crescimento da economia do país. O corte de despesas em R$ 26 bilhões visa adequar o Orçamento de 2016 à capacidade de atuação do Estado brasileiro e emite uma sinalização importante para o restabelecimento da confiança dos agentes econômicos e a retomada futura dos investimentos.
A Febraban compreende a necessidade de complementar o corte das despesas com medidas temporárias de aumento de tributos. Avalia que a contribuição sobre movimentações financeiras, tendo em vista sua ampla cobertura, menor impacto inflacionário, simplicidade e maior rapidez de implantação em relação a outros tributos, facilita o reequilíbrio das contas públicas, enquanto o governo elabora medidas estruturais de adequação das despesas. O caráter temporário deste tributo deveria ser combinado com alíquotas declinantes ano a ano para reduzir os efeitos distorcivos da taxação sobre intermediação financeira.”
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em nota
"O pacote de medidas apresenta o pecado capital de sempre: não ataca a causa dos desequilíbrios fiscais que vêm deteriorando a confiança das empresas e das famílias do país. Os problemas do Brasil são estruturais. Há anos gasta-se mais do que se arrecada, criando-se mais impostos para cobrir o buraco das contas públicas. Este é o ponto: não há mais espaço para novos aumentos da carga tributária. Aliás, elevar impostos em um momento de grave recessão como o que estamos vivendo aprofundará o problema fiscal, simplesmente porque ninguém, nem pessoas nem empresas, tem atualmente condições de pagar mais tributos. Prova disso é que a arrecadação está em queda a despeito dos inúmeros aumentos de alíquotas anunciados recentemente.
[...] O Sistema FIRJAN tem defendido de forma insistente um ajuste fiscal com visão de longo prazo, baseado em metas anuais de redução de gastos correntes, programa ousado de venda de ativos em lugar do aumento de impostos e a adoção de uma regra segundo a qual as despesas não podem crescer mais do que o PIB. Só dessa forma o Brasil poderá realmente aspirar sair da crise econômica e política de maneira sustentada, e não com uma panaceia de medidas conjunturais. Lamentavelmente, o país perde mais uma oportunidade de retomar o rumo do crescimento, e de construir uma aliança de toda a sociedade brasileira."
Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em nota
“A ACSP e a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) manifestam, mais uma vez, que são contra qualquer novo aumento ou recriação de imposto. Repetir o que foi feito no passado não vai fazer o país avançar. Tivemos a experiência de criação da CPMF provisória e essa experiência não foi boa. Do ponto de vista econômico, o aumento de imposto não vai resolver a questão porque vai drenar dinheiro das empresas e dos consumidores, agravar a recessão e afetar negativamente na arrecadação. Esse não é o caminho. Os cortes anunciados sempre têm algum impacto mas precisam ser compensados com maior eficiência dos recursos públicos."
José Roberto Afonso e Vilma da Conceição Pinto, pesquisadores da FGV/IBRE
"Até a pouco, as autoridades federais defendiam uma reforma do PIS e depois do COFINS tendo por principal objetivo mitigar sua cumulatividade. Porém, o governo não enviou até aqui o correspondente projeto de lei ao Congresso, não há qualquer referência no orçamento e nem nas medidas adicionais. Ou seja, se faz de conta que nada se prometeu. Porém, o pior é a nova orientação do governo em tentar ressuscitar a CPMF que, por princípio, é o tributo mais cumulativo que pode existir em um sistema tributário. Fica, portanto, a dúvida qual seria o objetivo da reforma tributária. Seria uma reforma estrutural, para mitigar a cumulatividade e caminhar gradualmente rumo à tributação do valor adicionado, ou seria uma tentativa desesperada de aumentar o recolhimento de impostos não importando como seriam geradas?"
José Romeu Ferraz Neto, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (sobre o corte adicional de R$ 4,8 bilhões para 2016 no Minha Casa, Minha Vida)
“Responsável por 60% dos investimentos produtivos, a construção será fundamental para a retomada do crescimento econômico. Quanto mais ela for afetada pelas novas medidas anunciadas pelo governo, mais tardará a recuperação do país."
Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), em nota
"O demorado anúncio sobre a redução dos gastos não fez jus ao tamanho do corte e serviu, na verdade, de pano de fundo para a defesa da [volta da] CPMF e da proposta de apropriação dos recursos do Sistema S. A Entidade considera positivo o corte de cerca de R$ 26 bilhões de despesas orçamentárias de 2016, embora ele ainda dependa, em parte, de negociações com servidores e da capacidade do governo de melhorar a gestão. Entretanto, a iniciativa chega atrasada e, sozinha, ainda é insuficiente para reequilibrar as contas públicas e restabelecer a confiança dos agentes econômicos. Afinal, a medida é divulgada após a perda do grau de investimentos do país anunciada na semana passada pela S&P.
Por outro lado, a FecomercioSP reafirma seu posicionamento contrário à volta da CPMF, um imposto cumulativo e regressivo, que potencializa a carga tributária - principalmente nas cadeias produtivas mais extensas - e reduz a competividade da produção nacional. Além disso, a alíquota de 0,2% sobre movimentações financeiras pode agravar o quadro inflacionário, enquanto a retirada de cerca de R$ 32 bilhões anuais de circulação decorrente da volta do 'imposto do cheque' tende a prejudicar ainda mais a combalida atividade econômica."