No ano passado, o governo gastou bem mais do que arrecadou. Fechou no vermelho, criando o maior rombo nas contas públicas da história. Não sobrou dinheiro nem para pagar os juros da sua dívida pública – o chamado superávit primário, uma espécie de garantia de que o país não dará calote nos credores.
Os gastos do governo em 2014 mais que triplicaram em relação às receitas – todo o dinheiro arrecadado com impostos e outras fontes. Pela primeira vez desde 2009, houve queda na arrecadação total de impostos.
Para tentar salvar as finanças do governo em 2015, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu arrumar as contas até o fim do ano. Criou então a ambiciosa meta de um superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 66,3 bilhões.
Mas essa conta precisou ser revisada devido à piora das projeções para o PIB de 2015. Em julho, o governo reduziu a meta de superávit para 0,15% do PIB.
Três meses depois, o governo cortou novamente a meta fiscal de 2015, dessa vez para um déficit primário de R$ 51,8 bilhões, o equivalente a cerca de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB), – mas admitiu um rombo recorde de R$ 117,9 bilhões. Esse valor considera o abatimento de até R$ 55 bilhões das chamadas "pedaladas fiscais" (pagamentos atrasados a bancos públicos).
O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, disse que o governo deverá revisar novamente para baixo a meta fiscal de 2015 – algo que o mercado financeiro já dava como certo.
Por que o governo gastou mais do que arrecadou em 2014?
Além das despesas maiores em ano eleitoral, a União precisou socorrer o setor energético, prejudicado pela falta de chuvas. Também pagou mais caro para segurar os reajustes na conta de luz e nos combustíveis, que só ocorreram este ano. Além disso, a atividade da indústria e do comércio começou a encolher, e alguns setores passaram a pagar menos impostos, reduzindo a arrecadação do governo. Tudo isso enxugou bastante as receitas, e a conta fechou no vermelho.
Quais os efeitos do rombo nas contas públicas?
Alguns foram imediatos. A dívida bruta do país ficou maior: passou de 56,7% para 63,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o problema foi além. Como o governo não conseguiu colocar “a casa em ordem” ao longo do ano, a agência Standard and Poor's retirou o chamado grau de investimento do Brasil, um selo de qualidade que garante aos investidores que o país tem baixo risco de dar calote.
A nota do país foi rebaixada de "BBB-" para "BB+", com perspectiva negativa. Na prática, alguns fundos de investimento são obrigados a retirar seu dinheiro de países sem esse selo de "bom pagador".
O que é a meta fiscal e por que ela foi reduzida?
A meta de superávit primário é o montante que o governo precisa economizar, a cada ano, para pagar os juros de sua dívida pública. Para fazer essa economia, o setor público precisa gastar menos do que arrecada. Quando isso acontece, as contas públicas têm superávit.
Quando assumiu o ministério da Fazenda no início do ano, Joaquim Levy fixou uma meta de superávit primário de R$ 66,3 bilhões, o equivalente a 1,19% do PIB. Mas em julho, diante de uma queda drástica na arrecadação e da piora nas projeções para o PIB de 2015, o governo reduziu a meta para R$ 8,7 bilhões, ou o equivalente a 0,15% do PIB. O Congresso ainda não aprovou essa mudança.
Como o ajuste fiscal pretende equilibrar as contas do governo?
Na prática, o “aperto” consiste em duas ações: cortar despesas do governo (como gastos da Previdência Social e o Orçamento da União, que cuida, por exemplo, da folha de pagamento dos servidores) e elevar a arrecadação (pelo aumento de impostos e demais receitas).
Ao assumir o ministro da Fazenda, Joaquim Levy prometeu arrumar as contas públicas até o fim deste ano. Mas de lá para cá, deparou-se com uma série de resistências no Congresso e setores empresariais contra o aumento de tributos. Na outra ponta, gastos obrigatórios por lei dificultam o corte de despesas para este ano – dificultando ainda mais o cumprimento da meta
O ajuste fiscal chegou a ser chamado de “saco de maldades”, mas Levy deixou claro que esse seria o único caminho para retomar o crescimento e evitar o pior.
Quais medidas o governo adotou até agora?
O governo tenta emplacar medidas provisórias (MP) e projetos de lei para viabilizar o ajuste fiscal. Apesar de ter implantado algumas delas, como a redução de benefícios previdenciários (que afeta contribuintes e assalariados) e cortes nas desonerações da folha de pagamento de alguns setores (voltando atrás nas políticas de incentivo a empresas), o governo ainda enfrenta a resistência do Congresso para aprovar algumas das propostas, enquanto tenta barrar a chamada "pauta-bomba", com projetos de lei que preveem o aumento de gastos públicos. Veja as medidas aqui.
O governo conseguiu arrecadar mais recursos este ano?
Apesar de medidas como o aumento de tributos da gasolina e redução do IPI para automóveis, a arrecadação registrou o pior desempenho para o mês de agosto dos últimos cinco anos. Segundo a Receita Federal, o governo arrecadou R$ 93,7 bilhões – uma queda real de 9,32% sobre o mesmo mês de 2014. Já no acumulado dos oito primeiros meses do ano, a arrecadação foi de R$ 805,81 bilhões – com queda real de 3,68% frente ao mesmo período do ano passado. Este também foi o pior resultado para este período desde 2010.