Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores — Foto: Divulgação
Pela oitava semana seguida, economistas do mercado financeiro elevaram a estimativa para inflação de 2022, desta vez para 5,65%. Seria o segundo ano seguido de estouro da meta, que é de 3,5%.
Na prática, isso se traduz em mais pressão de preços e incômodo para o bolso dos brasileiros. O país ainda tentava equalizar os efeitos da pandemia nas cadeias de produção, da Covid em si e do câmbio depreciado pela instabilidade política, quando uma guerra entre Rússia e Ucrânia se apresenta como complicador para toda a economia global.
Como definiu o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, os riscos estão "por todos os lados".
"Vai ser mais um ano difícil, infelizmente. A gente não conseguiu eliminar todos os tipos de riscos da pandemia e tem outros que vão atrapalhar o crescimento da economia nos próximos anos", diz Imaizumi.
A seguir, os melhores trechos da entrevista ao podcast Educação Financeira, que também pode ser ouvida abaixo.
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- Muitos dos analistas reconhecem que a inflação foi o grande erro dos economistas desde o início da pandemia. Você concorda com essa análise?
Concordo em partes. Acho que não entendemos muito bem o que era a pandemia e como ela afetou as mudanças de hábitos da população. Em 2020, o primeiro ano da pandemia, o vilão da inflação no Brasil foi o preço dos alimentos. Eram os produtos de origem agropecuária, produzidos em larga escala e destinados ao comércio externo, que são cotados em dólar. E o Brasil teve a moeda que mais perdeu valor frente ao dólar.
Quando a gente olha para 2021, a inflação começou a se espalhar. E, aí, a gente tem que entender por que aconteceu isso, né? Primeiro, começou um desbalanceamento entre oferta e procura de bens no mundo, que afetou a cadeia de produção no mundo inteiro. O caso mais emblemático foi um setor automobilístico, que ficou sem alguns chips necessários para produzir novos veículos e isso fez com que os preços dos novos e dos usados começassem a subir.
Segundo, a reabertura da economia, mesmo com uma segunda onda mais impactante de Covid, fez com que o preço do petróleo disparasse. E o petróleo tem efeitos diretos e indiretos no mercado. Os efeitos diretos estão nos preços dos combustíveis, na hora de encher o tanque. Os indiretos estão, por exemplo, na comida, que sai da lavoura, chega no supermercado e vai para casa. Tem um custo de transporte que também pressiona os preços.
E, para piorar, tivemos efeito do clima, um pouco do reflexo de mudanças climáticas de décadas. Em 2021, nunca choveu tão pouco, comparado aos últimos 90 anos. O Brasil é dependente da energia elétrica vinda das águas, o que afetou o preço da conta de luz.
- Dentro desse contexto dos problemas econômicos que o país tem enfrentado, que importância você daria hoje para a inflação?
É um dos principais problemas para 2022. Estamos, cada vez mais, controlando o quadro sanitário, com a vacinação, dose de reforço. A ômicron foi muito transmissível, porém afetou pouco as internações. O número de óbitos ainda é chato, um número alto, mas menor se comparado com a quantidade de casos.
Então, hoje, a inflação é um risco maior para a economia. Temos uma expectativa de 6% na LCA, mas o viés é de alta. Alguns riscos são semelhantes ao que tínhamos no ano passado, mas podemos ver ainda um aumento de preço de serviços.
Existe um sentimento reprimido das pessoas em consumir o que elas não conseguiram nesses últimos dois anos. Ficamos sem cortar cabelo, sem viajar, sem festas. Esse sentimento vai gerar uma maior procura e isso vai fazer com que talvez os preços aumentem.
A grande questão é que vemos uma inflação alta e o mercado de trabalho que se recupera sem uma volta da renda. Na pandemia, perdemos 12 milhões de vagas de trabalho e algumas sofreram mudanças importantes.
As empresas procuram funcionários com habilidades mais refinadas e o brasileiro, em média, não é qualificado o suficiente para preencher esse tipo de vaga. Muita gente acabou entrando na informalidade.
Até aqui, a recuperação do mercado de trabalho foi em termos de quantidade, mas, quando a gente olha para a qualidade da vaga, ela é muito pior do que antes da pandemia. Isso faz com que o trabalhador informal receba menos.
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- E trabalhadores mais qualificados tiveram que aceitar trabalhos que pagam menos por causa da crise.
Perfeito. Por conta da crise, a inflação pegou em alimentos, energia e combustível. São itens de sobrevivência básica de um indivíduo. Então, no primeiro momento, entre não receber nada por você estar desempregado ou alguma coisa, você prefere receber alguma coisa. Por isso, você vai procurar um trabalho na informalidade.
Com a economia, de alguma forma, crescendo — e talvez tenhamos pouco crescimento este ano — vamos ver uma mudança, em que pessoas vão se reinserindo no mercado de trabalho com um trabalho condizente com a sua qualificação.
- Falando de projeções de inflação, o boletim Focus das últimas semanas mostra uma expectativa para o IPCA de 5,6% neste ano. Dá para chamar isso de alívio, depois dos 10% de 2021?
Costumamos chamar de “desaceleração”. Ainda é um número que vai incomodar e os riscos persistem. Além disso, muitos dos bens e serviços consumidos aqui no Brasil são dependentes do dólar, que pode ter uma pressão extra e muita volatilidade, por conta das eleições. A gente sabe que houve também uma quebra no nível de chuvas e isso pode também afetar. Então, temos riscos por todo lado, né?
- Antes de você detalhar um pouco os riscos mapeados, eu queria entrar nas consequências da guerra na Ucrânia. Quais influências você vê desse conflito na nossa inflação? Onde vai pesar?
Os efeitos econômicos dos conflitos vão depender da duração do confronto e, principalmente, do tamanho das ações que os países vão tomar contra Rússia. Em um primeiro momento, observamos um aumento de preços de algumas commodities agrícolas e energéticas.
Posso destacar o petróleo, já que a Rússia tem cerca de 10% da produção mundial. Isso acaba encarecendo os combustíveis e outros produtos derivados. E tem a questão do gás natural, que a Rússia produz aproximadamente 20% do gás natural no mundo, mas quem vai sofrer com isso são os países mais dependentes dessa fonte de energia, principalmente os europeus.
Outro destaque é o trigo. Juntas, a Rússia e a Ucrânia exportam quase 30% do trigo no mundo. Podemos ver ainda o encarecimento de preços no milho, em fertilizantes, no alumínio, no níquel e outros metais como o paládio e o neon. Esse dois últimos são imprescindíveis para a produção de automóveis e isso vai prejudicar ainda mais a cadeia automotiva no mundo.
Por fim, quando um conflito acontece, investidores procuram ativos mais seguros, com menor risco, e por isso vemos uma procura maior por moedas fortes, como o dólar. Por isso ele pode ter uma valorização importante contra moedas mais fracas, como o real.
Além do efeito no câmbio, a economia russa vai sofrer bastante neste ano de 2022, e isso implica em menor crescimento para o mundo.
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- E, além da guerra, quais riscos devem permanecer neste ano?
Continuamos com um desalinhamento das cadeias globais de produção, então alguns setores seguem com problemas de pressão de custos e falta de insumos.
Temos o risco político, das eleições deste ano, e da própria crise fiscal.
Outro é o risco sanitário. A gente ainda não controlou a pandemia, mesmo com as pessoas circulando mais nas ruas. A Covid ainda pode afetar alguns setores de serviços, como transporte aéreo, turismo e outros. E afeta até a produtividade do Brasil, pois quando se é infectado tem que ficar pelo menos 10 dias em casa, e deixa de consumir.
Mas creio que o sanitário, que foi o principal nos últimos dois anos, seja o menor para 2022.
- Falamos bastante das particularidades da inflação no Brasil, mas a inflação está bem pressionada no mundo todo. Como se separa que é nosso problema e o que vem de fora?
Somos um país menos desenvolvido e isso nos faz sofrer um pouco mais. O Brasil é um país pobre, quem ganha R$ 4 mil por mês está entre os 10% mais ricos da população.
Além disso, o Brasil é muito dependente das commodities. A gente chama de “maldição dos recursos naturais”. Quem foi beneficiado pela desvalorização do real nesses últimos anos foram os exportadores, mas a nossa economia real é muito baseada em bens e serviços, que são atrelados ao dólar. Isso afeta mais nosso dia a dia do que lá fora.
- Quando vamos sair dessa situação de aperto?
Vai ser mais um ano difícil, infelizmente. A gente não conseguiu eliminar todos os tipos de riscos da pandemia e tem outros riscos que vão atrapalhar o crescimento da economia nos próximos anos.
O Brasil tem alguns problemas estruturais, que não permitem que o país cresça da maneira que ele poderia estar crescendo. O crescimento econômico deve vir bem baixo neste ano. A projeção da LCA é de um crescimento de só 0,7% para o PIB.
Mas mesmo antes da pandemia vínhamos crescendo muito pouco. Houve uma crise entre 2015 e 2016 que estávamos quase nos recuperando, e chegou uma outra crise por cima. Isso provoca efeitos de médio e longo prazo.
O Banco Central está com dificuldade de colocar a inflação dentro da meta. Estourou o teto da meta no ano passado, provavelmente vai estourar esse ano.
São problemas estruturais que só vão poder ser corrigidos com um olhar de longo prazo. Por isso se fala de reformas macroeconômicas grandes, que vão gerar algum tipo de impacto.