Sara Delfim, sócia da Dahlia Capital — Foto: Divulgação
O ano de 2022 traz uma equação brutal de complicações financeiras: a inflação acima dos 10%, a taxa básica de juros a caminho dos dois dígitos, desemprego alto e perspectiva de crescimento nulo do PIB brasileiro.
Mas, quando o assunto é oportunidades de investimento, há quem esteja otimista. É o caso da economista Sara Delfim.
A sócia da Dahlia Capital falou ao podcast Educação Financeira sobre os desafios para este ano e, também, das possibilidades de resolução dos problemas na economia. Ela explica também por que acredita nas empresas brasileiras passada a tempestade da pandemia.
Abaixo os principais trechos da entrevista e o áudio do podcast.
OUÇA AQUI 👇
- Os últimos anos foram muito difíceis para a economia, com uma pandemia no meio do caminho. Mas, com uma experiência longa no mercado, você ainda se lembra do seu último ano tranquilo?
É difícil, sempre tem alguma coisa. O nosso trabalho tenta prever o futuro, mas tem coisas que fogem do nosso alcance, como a pandemia. Saímos do Carnaval de 2020 e, de repente, o mundo parou. Tem sempre o imponderável, o imprevisível, então a gente tem que estar sempre preparado.
E no mundo dos investimentos se preparar para o imprevisível é por meio da diversificação de ativos na carteira. Você acaba fazendo um bom equilíbrio e se defendendo bem em períodos mais difíceis. E o Brasil tem 'fantasmas': da inflação, da eleição, dos juros, do barulho político, enfim. Então, é difícil ter um dia, ou uma semana, um mês ou um ano tranquilo.
- Teve algum momento tão maluco quanto uma pandemia?
A mais emblemática para mim, além da pandemia, foi a crise de 2008 nos Estados Unidos. Eu trabalhava na época no Bear Stearns, um banco americano que acabou quebrando e foi comprado pelo J.P. Morgan. Fui para o banco Merrill Lynch, que meses depois também quebrou e foi comprado pelo Bank of America. Foi uma experiência difícil, ver uma crise tão de perto, afetando o seu emprego.
Temos visto os efeitos de contágio da variante ômicron do coronavírus em todo o mundo, mas a economia e os mercados não têm reagido da mesma forma que antes. O que mudou?
Boa parte da resposta é a vacinação. O mundo avançou muito na vacinação, e o Brasil é um grande exemplo. Começamos meio capenga, mas corrigiu rápido.
Obviamente ainda não acabou, mas o mundo está mais preparado, as pessoas estão vacinadas, já existe um protocolo em que as pessoas sabem o que fazer para se prevenir, como isolamento e máscara. Atrapalha um pouco [a recuperação econômica], cria preocupação, mas ela tem sido mais suave, com estatísticas de muita contaminação, mas de casos leves.
- Falando agora do Brasil, entramos em 2022 com uma situação macroeconômica bem complicada, com inflação e juros bem altos, perspectiva de crescimento baixo. Como ficaria sua escala de preocupações para esse ano?
A principal é inflação. Seja no Brasil ou no mundo, esse salto tem quatro causas principais. A primeira delas é a reabertura das economias, com a demanda que acaba voltando, mas com um problema na cadeia de oferta.
Vimos muitas notícias de cidades portuárias na China fazendo lockdowns, por exemplo. Qual é o impacto disso para o mundo? A China é um grande exportador. Se você tem cidades portuárias fechando, setores inteiros precisam parar. São desequilíbrios de oferta e demanda causados ainda pela pandemia.
O segundo ponto é que a gente teve um problema climático generalizado ao longo de 2021. Várias geografias tiveram estiagens mais longas do que o esperado, o que significa problema na oferta de alimentos. Aqui, tinha inclusive risco de racionamento por conta da falta de chuvas. Se tinha uma oferta menor de alimentos, obviamente o preço dos alimentos subiria.
O terceiro item que pressionou a inflação também tem a ver com a seca, que é a energia. Aqui no Brasil, nossa energia depende muito de hidrelétricas. Se não chove, você tem um problema. As usinas térmicas têm um custo maior, por isso que o brasileiro está pagando a tal da bandeira de escassez hídrica.
O quarto elemento é o petróleo. No início do ano passado, o petróleo foi para US$ 80 o barril. Dobrou de preço. Isso afeta o frete, e assim afeta o custo da comida, por exemplo. Você importa fertilizantes para produzir, tem o transporte rodoviário e assim por diante. Toda a matriz de transporte é impactada.
- E como ou quando isso se resolve?
A preocupação é quando essa inflação faz ou irá fazer o pico. Porque dali para a frente, tudo começa a suavizar. O petróleo parou de subir, está chovendo para caramba no Brasil – eu não me lembro de ter um verão tão chuvoso – e tem chovido muito nos reservatórios, que estão sendo reabastecidos.
Nos próximos três ou quatro meses tem uma boa probabilidade de o governo reduzir a bandeira tarifária da conta de luz, que vai reduzir bastante o custo da energia elétrica no Brasil e vai aliviar bastante o bolso do brasileiro.
E por que a inflação é tão importante, né? Porque ela determina o rumo dos juros no Brasil. O Banco Central vem subindo os juros para dois dígitos, talvez vá para 12%, para justamente controlar a inflação.
Se a inflação volta a se acomodar e arrefecer, o próximo passo seria começar um novo corte de juros. Quando você tem uma melhor visibilidade de inflação e juros, começa a ter um melhor humor com ativos de risco, que é a bolsa de valores.
- Ainda sobre inflação global, os analistas estão de olho nos Estados Unidos, que tiveram inflação recorde e o Federal Reserve planeja uma alta de juros. Quanto você se preocupa com isso e qual é o prognóstico para 2022 tendo em vista esse aperto monetário?
O que acontece na maior economia do mundo, que é a economia americana, explica o comportamento dos ativos no resto do mundo. A economia americana se recuperou muito. É uma economia que saiu de dois anos de pandemia e, hoje, está com pleno emprego, que vai crescer entre 2 e 3% em 2022.
Ao longo de 2021, o Fed se comunicou bem sobre o aperto monetário. Se a economia está bem, não precisa mais de ajuda, né? Isso é ruim? Não é ruim, a gente vai voltar para a média histórica de juros. Em algum momento, o patamar que estava muito baixo deveria ser normalizado.
O que é importante dizer é que esse processo de ajuste traz volatilidade. É preciso estar preparado, as variáveis estão mapeadas, e com o tempo elas vão se normalizar e se acomodar. É um processo que deve acontecer ao longo de 2022.
PIB dos EUA cresce 5,7% em 2021, com a maior alta desde 1984
- Mesmo assim, você tem se mostrado otimista com a bolsa neste ano. Temos ativos que não se recuperaram da pandemia, mas os EUA não devem ser um peso contra essa retomada?
Em 2021, o mercado veio se preparando para esse cenário de inflação pressionada e juros voltando a subir no mundo. No Brasil, os juros subiram muito rápido, com oito pontos de aumento. Nenhum outro lugar do mundo a gente viu isso.
Nesse contexto, é normal ter uma migração da renda variável para renda fixa. Eu, pessoalmente, apesar de ser do mundo dos investimentos e trabalhar com isso há mais de 20 anos, tenho um pedaço da minha poupança no CDI. O imprevisível pode acontecer a qualquer momento, você tem que ter uma reserva ali.
Além disso, o Brasil viveu um período de narrativa ruim. Foram resquícios da pandemia ao longo de 2021, o ruído se teria racionamento de energia… Obviamente, isso afeta o PIB, afeta crescimento, afeta o emprego.
Começa 2022, ano de eleição, e está todo mundo com medo. Você junta esses medos em um cenário de juros subindo, a gente obviamente vê uma combinação para as pessoas reduzirem suas carteiras de bolsa e procurarem mais renda fixa.
A bolsa realmente está muito barata. Tem setores que foram literalmente dizimados, as empresas perderam 50%, 70% do seu valor em um ano. Mas o que aconteceu para a empresa perder 70% do seu valor? Mudou o dono da empresa? Não. Mudou o produto? Não, é o mesmo. Mudou a marca? Não, é a mesma. A empresa investiu em tecnologia? Sim. A empresa está mais eficiente, comprou um competidor que estava em situação financeira ruim? Comprou. Então a empresa melhorou? Sim. Por que ela perdeu valor?
As empresas, do meu ponto de vista, nunca tiveram uma saúde financeira tão boa. Elas cortaram custos, investiram em tecnologia, refinanciaram dívidas ou pagaram dívidas caras. Algumas aproveitaram para fazer aquisições.
As empresas que estão na bolsa são as maiores e melhores empresas do Brasil, que sobrevivem em qualquer crise e, na maioria das vezes, saem fortalecidas. Com a inflação começando a normalizar, o BC parando de subir os juros, será um evento muito importante para fazer a bolsa subir.
- Dá para o investidor colher frutos dessa recuperação ainda em 2022 ou essas oportunidades de investimento são para um prazo mais longo?
Depende muito. Se a pessoa está com uma reserva, não tem nenhuma dívida grande, não tem grandes objetivos, como comprar um apartamento em 2023, é um momento bom para construir uma carteira diversificada. A bolsa está muito barata, mas não se pode colocar todos os ovos na mesma cesta.
É a chance de pegar empresas que estão financeiramente sólidas, que têm uma marca boa, um grupo de bons gestores, que não vão fazer barbeiragem. Um pouco na empresa do setor A, um pouco na empresa do Setor B, do setor C. A ideia é criar uma carteira diversificada.
Pode fazer sentido exportar um pouco da nossa poupança para as maiores economias do mundo, então ter um pouco de exposição aos Estados Unidos. Pode ser via BDR ou fundos que investem no exterior. A palavra-chave é diversificação mesmo.
Em resumo, as empresas estão baratas e o fundamento não mudou. A médio prazo, muitas dessas empresas vão voltar a se valorizar. Mas a gente precisa ver inflação arrefecendo e os juros caindo para ganhar esse impulso novamente.