“Teto de gastos foi divisor de águas para queda da inflação”, diz ex-BC
Prever o resultado da inflação no Brasil já foi mais fácil. Das surpresas que a economia tem produzido, a queda da inflação é, certamente, a mais imprevisível – mais pela intensidade do que pelo movimento em si, que já era esperado depois de uma recessão como a que vivemos. O IPCA de agosto ficou em 0,19%, quando o previsto pelos analistas era 0,32%. O relatório Focus desta semana traz previsões para o índice ao final do ano em 3,14%, muito perto do piso da meta de inflação. Este espanto tem se repetido desde o começo do ano. Por quê?
“O divisor de águas deste processo parece ter sido a aprovação do Teto de Gastos. A inflexão é muito nítida porque, até setembro do ano passado, o IPCA vinha muito alto e despenca a partir de então. Em parte também por causa dos alimentos, mas não é só isso. Coincide com o avanço fiscal a percepção de que o governo tinha base parlamentar sólida para aprovar as reformas”, disse ao Blog o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.
Tem mais coisa a ser explicada nesse processo de queda da inflação que temos testemunhado. Os serviços também cederam depois de mais de uma década com preços inflexíveis e altíssimos, sempre rodando acima do IPCA. Além disso, há grande ociosidade da indústria e o desemprego ainda elevado segurando a alta dos preços.
Na entrevista exclusiva ao G1, Schwarstman, sócio da consultoria Schwartsman & Associados, considera que a queda do IPCA pode ser mais consistente e permanente. O economista alerta para riscos que temos pela frente, como as eleições de 2018 e o abandono da agenda de reformas, além da previdência. Veja os principais trechos da entrevista.
A inflação tem caído com mais força e tem surpreendido vocês. O que mais explica esse movimento?
A surpresa de agosto é um dado importante pelo fato de muita gente ter sido surpreendida. É um fenômeno disseminado. Um pedaço da história é por conta dos alimentos, que têm deflação no ano, tem deflação em 12 meses e tem impacto forte no IPCA. Mas se a gente tirar a parte de alimentos e dos preços administrados, a inflação fica baixa do mesmo jeito. Temos em particular a questão dos serviços cuja inflação continua relativamente alta, mas agora tem caído com bastante força.
Isso não explica toda surpresa, não?
O divisor de águas nessa história foi a aprovação do Teto de Gastos (set/2016), dando uma indicação forte de mudança na postura com a politica fiscal mostrando que, senão agora, em algum momento as contas públicas entrariam nos eixos. A aprovação do Teto tirou da frente o fantasma de uma dominância fiscal. A inflexão é muito nítida! Até setembro do ano passado a inflação vinha muito alta e de repente ela despenca e não foi só por causa dos alimentos. Coincide avanço fiscal e a percepção de que o governo tinha base parlamentar sólida para seguir com as reformas.
É grande o risco de o BC descumprir a meta de inflação, com IPCA ficando abaixo de 3%?
É um risco sim, mas pode não acontecer.
Que efeitos podemos esperar deste novo processo inflacionário?
Podemos explorar novos recordes de taxa de juros. Hoje o consenso de mercado dá Selic em 7% até final do ano, abaixo dos 7,25% que aconteceu sob Alexandre Tombini (ex-presidente do BC). O juro baixo na época da Dilma foi porque Tombini era pau mandado do governo. Baixar o juro quando se é pau mandado, as pessoas sabem que em algum momento vai dar errado. E foi pior do que todo mundo esperava.
O juro baixo é a nossa saída para recuperação cíclica. A retomada que já vemos hoje vai ficar mais nítida até o final deste ano ou a partir da segunda metade deste semestre. Por enquanto só tivemos produção industrial reagindo com mais força. Agora vamos ver de maneira mais consistente o consumo reagindo, com vendas no varejo acelerando. O efeito defasado do juro acaba ajudando atividade.
E quanto podemos esperar para a queda dos juros? E ela será permanente?
Nós vamos discutir quanto que o processo de queda de juro é uma mudança de percepção sobre o ajuste fiscal e quanto é um fenômeno puramente cíclico. Hoje é cíclico, mas nós vamos precisar de mais observação. Não vamos ficar permanentemente na casa dos 7% (taxa Selic). Dá para fazer um chute educado sobre a trajetória do juro.
Se a taxa de juro neutra real (taxa que não coloca inflação em risco) está hoje em torno de 4% e a meta de inflação é de 4%, a taxa neutra é de 8%. Espera-se que a Selic chegue em 7%, ou pouquinho menos, e depois deve voltar para 8%. Há muita incerteza nisso porque se melhorar muito fiscal, pode ser que a taxa neutra caia para 3%, 3,5%. Enquanto os juros estiverem abaixo dos 8%, este desvio de 1,5 pp é cíclico, para ajudar a atividade.
Quais os riscos deste roteiro de acontecimentos?
Tem vários. Da atividade econômica propriamente dita, não. Tem espaço grande para crescer, mas vamos acompanhar a evolução do emprego para saber quanto dá para crescer sem bater em níveis de desemprego que comecem a pressionar a inflação.
Se eu estou correto na percepção de que a melhora (nas expectativas para economia) é uma mudança na perspectiva fiscal, que, por sua vez, está ligada ao processo de aprovação de reformas, a gente vai precisar que o conjunto reformas que ainda faltam, ande. Vamos ter que ver se o teto de gastos é sustentável, se teremos uma reforma previdenciária num horizonte razoável. Não está com cara de que acontece este ano, dificilmente em 2018. Então, o cenário para reforma foi para 2019, meio atrasada, mas acontecendo. Para dar certo, teremos que eleger alguém comprometido com isso.
Enquanto isso, essa queda da inflação mais forte do que os economistas esperavam é positiva e benigna?
É positivo e benigno, sim. A questão principal fica para daqui 3, 4 anos. Se a gente não resolver as reformas, o que a gente vai ter lá na frente é um retorno ao que foi governo Dilma. Um desequilíbrio estrutural fiscal muito grande e ninguém com condições de resolver. Em 2018 (por cauda das eleições), estaremos sujeitos a chuvas e trovoadas.