O Banco Central vai descumprir a meta de inflação em 2017 e vai, ao mesmo tempo, ter cumprido a missão de controlar o processo inflacionário no país, reestabelecido a credibilidade na condução da política dos juros e ancorado as expectativas dos agentes econômicos com a inflação futura. Há um ano, apenas metade deste quadro era esperado já que a credibilidade do BC começou a ser restaurada no momento em que Ilan Goldfajn assumiu a cadeira de presidente. Sobre a resposta do IPCA e dos juros, ninguém imaginou o cenário atual.

 

No encontro com jornalistas em Brasília para fazer um balanço do ano e falar dos próximos passos, Goldfajn falou de um tema que é relevante para o equilíbrio do sistema financeiro e também, teoricamente, para o controle da inflação. O recolhimento compulsório é uma quantia de dinheiro que os bancos são obrigados a deixar parada no BC. Atualmente, 45% dos depósitos à vista, 36% dos depósitos a prazo e 30% dos de poupança são recolhidos dos bancos.

 

Isto significa que toda essa dinheirama não pode ser utilizada para nada: nem para dar crédito, nem para comprar títulos do governo, nem para fomentar financiamento da casa própria, etc. Este instrumento tinha algum propósito, teoricamente, quando o Brasil tinha inflação altíssima e precisava de mais ferramentas para controlar a quantidade de dinheiro na praça, só os juros não eram suficientes.

 

Agora que a inflação está baixíssima, vai rodar entre 3% e 4% nos próximos anos, e os juros vão cair para casa dos 6% e ficar em 8% até final de 2019, o sentido dos compulsórios se perde. E sua função, há muitas controvérsias sobre a sua real eficiência, causa distorções na economia e no funcionamento do sistema financeiro.

 

Os bancos alegam que parte do altíssimo spread bancário do Brasil se explica pelos compulsórios. Tudo na vida é assim: quando o preço é 100 e estão gastando 120, alguém tem que pagar a diferença. O mesmo funciona com a taxa de juros. Se os bancos são obrigados a deixar o dinheiro parado no BC, estão, teoricamente, perdendo operações de crédito ou aplicações rentáveis. O custo desta obrigação, na prática, vai para a taxa de juros cobrada dos consumidores.

 

Ilan Goldfajn disse aos jornalistas que os técnicos do BC estão estudando o melhor jeito de reduzir “estruturalmente” os compulsórios.

 

"O compulsório é algo que a gente precisa convergir, no médio e longo prazos, para níveis inferiores. É uma questão estrutural, para reduzir os custos administrativos. E não pensar ela como uma medida de política monetária [relacionada com o nível dos juros básicos da economia]. É pensada de forma estrutural, pensada de médio e longo prazos, para reduzir o custo do crédito", afirmou o presidente do Banco Central.

 

Há um ano Goldfajn apresentou a agenda BC+, um conjunto de medidas que visam reduzir o custo do crédito, melhorar a eficiência do sistema financeiro e do marco legal do BC, e promover a educação financeira. Mexer nas regras dos compulsórios era uma das coisas a serem abordadas.

 

O sistema financeiro do Brasil é um dos mais sólidos do mundo, aqui as regras são mais rígidas do que o BIS, que é uma espécie de banco central dos bancos centrais. Tanto assim que, na crise de 2008, o mercado brasileiro sentiu muito menos do que muitos países, entre emergentes e desenvolvidos. O excesso de limites evitou que exageros fossem cometidos na exposição a riscos, como aconteceu lá fora.

 

Agora que a economia entrou minimamente nos eixos, a inflação está controlada, os juros estão “estruturalmente” mais baixos, podendo ficar assim por muito tempo, está na hora de cuidar da maior distorção que existe no país: a diferença entre os juros básicos da economia e as taxas cobradas na praça. Parece coisa de filme de piada ou ficção, difícil de explicar e de entender.

 

Lá vem a ressalva de novo. Se o quadro político permitir e a reforma da previdência passar, o BC terá mais segurança e liberdade para atuar. Será preciso muita firmeza também para quebrar esta dinâmica perversa que, assim como a solidez do nosso sistema, nos separa de boa parte do mundo – pelo lado negativo.