A reforma da Previdência está pendurada no precipício do desfiladeiro politico desde o estouro do escândalo envolvendo os empresários da JBS e o presidente da República, Michel Temer, em maio passado. Até aquele momento, o governo estava em lua de mel com o Congresso Nacional e tudo indicava que a proposta de mudança do sistema seria aprovada sem dificuldades. O escândalo empurrou a votação e a sua provável aprovação para tempo incerto e imprevisível.

 

O capital político necessário para reunir votos suficientes foi gasto para livrar Temer das duas denúncias criminais feitas pelo MPF. Ainda assim, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não desiste. Está no papel dele e vem subindo o tom das ameaças sobre o que pode acontecer com o país se a reforma não for aprovada o mais rápido possível. Meirelles tem dois motivos básicos para carregar a mão no discurso: há sim um risco grave se o aumento de despesas com aposentadorias não for contido; seu legado será essencialmente comprometido sem a reforma, já que o teto de gastos públicos cairá por terra.

 

Quem perde neste conflito irracional, caro e ineficiente é o país. O entendimento sobre a necessidade de reformar o sistema previdenciário no Brasil já deveria estar superado. Senão pelos privilégios de poucos (servidores públicos) em detrimento de milhões de aposentados que ganham um salário mínimo (trabalhadores do setor privado), ao menos pela noção sobre o envelhecimento da população. Hoje, nove pessoas que estão na ativa sustentam um aposentado. Em 25 anos, serão apenas quatro pessoas por inativo, o que implica em duas possibilidades: ou terão que contribuir com muito mais, ou o beneficiado receberá muito menos do necessário para sobreviver.

 

Mas não, nem a isso chegamos ainda. O ministro da Fazenda, e outros defensores da reforma, ainda gastam voz, saliva e tempo tentando provar que há déficit no sistema, ou seja, que a arrecadação é cada ano menor do que a conta a se pagar. Há cerca de dez dias um relatório preparado por uma CPI da Previdência, desqualificou as contas oficiais e renegou qualquer chance de haver rombo no sistema. A má fé e a ideologia têm tido participação contundente no debate, o que deveria ser motivo de desconfiança, não o contrário. Agora, governo e TCU ficaram com a batata quente na mão e terão quer provar que estão certos, mais uma vez.

 

Enquanto a novela corre, o drama cresce. O recado que vem dos corredores do Congresso Nacional diz que será impossível aprovar uma mudança mais abrangente do sistema. Mas também ninguém garante que uma proposta enxuta – que contemplaria apenas a mudança na idade mínima e uma regra de transição – poderá ser votada e aprovada até o final do ano. Meirelles disse em entrevista à rádio Gaúcha, nesta sexta-feira (03), que se passar apenas um pedaço da reforma, o Congresso terá que voltar ao tema em pouco tempo.

 

O mercado financeiro já “botou preço” nesta fórmula: uma aprovação miúda agora e toda expectativa de mudança mais radical fica para o início de 2019, quando chegar o próximo governo que, além de assumir a bucha da previdência, ser um governo reformista, responsável fiscalmente e disposto a arrumar as contas públicas. Parece muito sonho para uma noite só, ou até para mil e uma noites. De qualquer forma, este roteiro é o que prevalece e por isso não um nervosismo maior nos mercados. O aumento do dólar nas últimas semanas não aconteceu só por nossa causa. Lá fora, a moeda americana está mais forte pela conjuntura da economia dos Estados Unidos.

 

A realidade é que nós não vamos escapar de uma reforma da Previdência. Se serve de consolo, nenhum país do mundo, ricos ou pobres, enfrentou este debate sem conflitos. O conflito faz parte e é bem-vindo, até para que a discussão se aprofunde. O risco está em negar a realidade, ou distorcê-la por má fé ou desonestidade. O que está em risco são as gerações futuras que terão que arcar com um desequilíbrio caríssimo, sem contar com o total engessamento dos gastos públicos. Se quisermos pagar impostos apenas para manter aposentados, terá que ser uma escolha muito clara.

 

Quanto mais tarde fizermos esta escolha, mais dura ela terá que ser. O calendário eleitoral vai nos tirar do caminho e impor um período de luta política num ambiente já totalmente contaminado pelos escândalos de corrupção e um vale-tudo pela sobrevivência. Quem disser que sabe como será esta trajetória e que chances há de aprovação, mesmo que seja da proposta desidratada, está conjecturando. Tudo pode acontecer, o que é ainda mais ameaçador do que saber o que poderia dar de errado.