Por que precisamos da PEC dos Gastos?
Se um país está precisando fazer um ajuste fiscal é porque, geralmente, abusou das politicas econômicas ancoradas nos gastos públicos. Fazer um ajuste crível e eficiente passa ser um desafio hercúleo quando a arrecadação de impostos desaba, aumentando o desequilíbrio entre as receitas e as despesas do governo. É neste contexto que o Brasil debate as saídas para devolver a economia a um estado maior de normalidade e equilíbrio. A Receita Federal divulgou nesta quinta-feira (29), o resultado da arrecadação federal em agosto – queda de 10%, pior resultado em 7 anos e quase o duas vezes maior do que a queda registrada em julho.
Enquanto o caixa do governo esvazia ainda mais, o Congresso Nacional discute o projeto de lei complementar que muda completamente a gestão do orçamento federal pela primeira vez desde a estabilização da moeda, há 22 anos. A PEC 241, ou PEC dos Gastos, como já foi apelidada, está quase pronta para a votação na Câmara dos Deputados – a previsão é que ela aconteça em 11 de outubro. O economista do Itaú Unibanco, Caio Megale, escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico nesta semana, chamando a PEC de “oportunidade histórica”, já que cria condições para repensar as fontes de financiamento das despesas e também mudar a forma de fazer orçamento público no país.
O dinheiro que paga os gastos públicos vem da carga tributária, ou seja, da arrecadação de impostos; do endividamento e das privatizações. Todos concordamos, inclusive a equipe de Henrique Meirelles no ministério da Fazenda, que não há espaço para elevação da carga tributária no país. Ela corresponde atualmente a 32,66% do Produto Interno Bruto, ou seja, de toda riqueza gerada no Brasil, quase 33% vai para o pagamento de impostos. Um aumento deste patamar pode comprometer muito a capacidade de recuperação da economia e, pensando mais no longo prazo, minar ganhos de produtividade tão importantes para o desenvolvimento.
No caso do endividamento público, as notas de risco dadas pelas agências internacionais de classificação dão a dimensão do problema que temos hoje com a dívida pública. O país perdeu o grau de investimento porque o endividamento soberano caminha para a insolvência – ele já chega a quase 70% do PIB e pode alcançar 100% se não houver já uma reversão na administração das contas. A emissão de títulos públicos disparou nos últimos anos para cobrir o buraco dos cofres públicos – já que os gastos não pararam de crescer e as receitas despencaram (e ainda despencam). E a um custo altíssimo porque temos a maior taxa de juros do mundo. Das privatizações sempre podem vir muitos recursos, mas é um dinheiro que entra uma vez e não volta mais, não vira uma receita corrente.
As receitas do governo dependem essencialmente de como caminha a economia porque, se o PIB cresce, o governo arrecada mais imposto sobre a mesma base tributaria. Depois de dois anos de recessão profunda, tudo indica que estamos já no caminho da recuperação – não do crescimento. Vamos falar em crescimento depois de cobrirmos a devastação causada pelos dois anos seguidos de PIB negativo (2015/16). Mas o que importa agora é que vamos voltar para o “azul” no desempenho da economia. Só isto já será suficiente para estimular a arrecadação de impostos – o que pode ajudar o ajuste nas contas públicas. Mas é pouco. E não mexe em nada na dinâmica dos gastos públicos, ao contrário, pode até piorar.
É aqui que entra a “oportunidade histórica” apontada pelo economista Caio Megale. O que a PEC dos Gastos pode fazer para mudar este quadro?
Basicamente ela corta pela raiz um mecanismo que vale há anos no Brasil, qual seja: o gasto público nunca cai, só cresce – previdência e benefícios são os maiores responsáveis por essa trajetória ilimitada e incontrolável. Especialmente nos últimos 20 anos, se a receita aumenta – via crescimento da economia ou da carga tributária, o gasto pode subir ainda mais. Não há um compromisso com a qualidade do gasto, e sim com a quantidade. Para fazer esta quantidade crescer sem limite, o Congresso Nacional superestima as receitas e vai embutindo mais despesas no orçamento. E quando a receita não vem? O governo faz o contingenciamento, ou corte.
Num evento da Fundação Getúlio Vargas, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, sentenciou: “Contingenciamento não é responsabilidade fiscal, é só correção da receita superestimada”. O que ele chama de “responsabilidade fiscal” é a noção de que, ao fazer cortes, o governo está sendo cumpridor das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas não é isso. O contingenciamento não precisaria acontecer se a elaboração do orçamento fosse mais realista, tivesse instrumentos de limites dos gastos e, tão importante quanto isto, não superestimasse as receitas com passes de mágica.
A PEC 241 estabelece que a despesa não subirá mais, a não ser pela correção da inflação do ano anterior, mesmo quando a receita crescer. Aqui está a oportunidade para aprender a escolher as prioridades do país. Se a despesa é limitada, teremos que buscar a qualidade do gasto, a eficiência do gasto. A primeira prioridade da enorme lista que o Brasil tem, a redução do endividamento público está em primeiro lugar. Com a recuperação da economia e um esperado crescimento do PIB nos próximos anos, a receita vai aumentar. Ao invés de sair para “gastar no shopping”, o governo tem que pagar sua dívida. Não é assim que as pessoas fazem?
Vai levar um tempo para que a dívida pública saia da zona de insolvência e é por isso que o ministro Meirelles briga tanto para que a nova regra, prevista na PEC, seja valida por pelo menos 10 anos. Seria tempo suficiente para limpar o risco do endividamento, baixar o custo da dívida e, durante esse tempo, o país reaprender, ou aprender, a construir um orçamento com o que é prioritário. Num ambiente de maior confiança e contenção de gastos públicos, o Banco Central terá uma larga avenida para percorrer reduzindo os juros de forma mais estrutural e não conjuntural. Todo este movimento pode inserir o país num novo ciclo virtuoso, mas não será logo e nem será barato.
Muitas pessoas se perguntam como vamos saber escolher as prioridades, já que tudo é muito complexo no orçamento público. Tem um jeito de facilitar esta compreensão: pense no o investimento público, o dinheiro que sobra depois de pagas as obrigações do governo (previdência e benefícios, mais a máquina pública). No ano passado, ele caiu quase 30 % e deve registrar nova queda este ano. Para estancar este mal desempenho é imperativo fazer a reforma da previdência e rever as políticas de benefícios públicos. Caso contrário, apenas limitar os gastos vai acabar lidando só com a “quantidade” da despesa e não com a “qualidade” dela. Voltar a ter um estado que tenha capacidade de investir no país, já é uma boa prioridade que vale a pena brigar por ela.