Os 'dinheiros' do Brasil e a TLP
Começa mais uma semana em que a política dominará as atenções. A agenda econômica terá temas relevantes, como a divulgação do IPCA-15 na próxima quarta-feira, mas há intercessões preocupantes entre a política e a economia. A que gera maior apreensão é a aprovação da MP 777, que institui nova taxa de juros do BNDES, a TLP. A votação está marcada para acontecer nesta terça-feira e não pode sofrer adiamentos sob risco de a MP caducar e morrer na praia. Este é o maior temor do mercado financeiro agora.
O relator da medida, Dep. Betinho Gomes (PSDB/PE), está há duas semanas suando a camisa para convencer os colegas de que a TLP é boa para o país, mas está enfrentando uma oposição que não esperava – a do senador José Serra, também do PSDB. Serra se colocou contra a proposta publicamente e ganhou apoio de alguns economistas e de outros senadores, questionando a eficiência da mudança. Ainda assim, o relator está otimista com a escolha do parlamento.
“Estou confiante na aprovação do relatório, tenho certeza de que o conteúdo técnico que apresentei convencerá os parlamentares a seguirem o nosso voto. Com a TLP vamos realizar uma reforma no acesso e democratização do crédito, além de ajudar na recuperação das contas públicas”, disse ao Blog.
Como é um assunto muito complexo, explicar o que é bom e o que é nefasto para as contas públicas e para atuação do BNDES demanda muita didática. Para ajudar na comunicação, Betinho Gomes preparou uma apresentação que mostra vantagens da TLP, revela o custo absurdo da taxa atual, a TJLP, que deve ser extinta, e desfaz mitos que rondam a mudança, por exemplo, o fim dos investimentos e a volatilidade dos contratos de financiamento do BNDES, que aumentaria os custos dos empréstimos ao longo do tempo. O documento também mostra o destino dos recursos concedidos pelo banco de fomento, altamente concentrados nas grandes empresas e na região sudeste. (Veja mais slides da apresentação ao final do texto).
Uma das justificativas mais importantes para aprovação da TLP, mas também a mais difícil de explicar, é a redução estrutural dos juros definidos pelo Banco Central. Durante os mais de 23 anos de vigência da TJLP, o BC precisou calibrar a Selic (taxa básica da economia) para compensar a diferença no “preço dos dinheiros” que circulam na economia. Um “dinheiro” que sai do BNDES, mais barato, e outro “dinheiro” que circula na praça para a grande maioria da população.
Como não existem “dois dinheiros” no país, temos apenas uma moeda, a diferença de “preços” entre um e outro, é o que chamamos de subsídio, que precisa ser pago por alguém. O volume de subsídios que foi coberto pelo Tesouro Nacional chegou a R$ 285 bilhões entre 2007 e 2016. “Um volume de recursos públicos equivalente a mais de 10 programas Bolsa Família que foram transferidos como subsídios à indústria sem aprovação do Congresso Nacional”, diz a apresentação do Dep. Betinho Gomes.
O “dinheiro” mais barato concedido pelo BNDES vai para a economia, assim como o do crédito concedido pelo sistema financeiro, com um dos custos mais altos do mundo. Por isso o BC, desde que o Brasil tem uma moeda estável, precisa salgar mais a taxa básica para controlar a demanda na economia. Então, além de a sociedade pagar os subsídios diretamente através da dívida pública contraída pelo Tesouro, arca também com a parte mais pesada do controle da inflação, a alta dos juros.
A taxa básica da economia está em queda e deve terminar o ano em torno dos 7,5%, segundo estimativa do Focus, relatório do BC. A redução da Selic, mesmo mais intensa, não conseguiu evitar o derretimento da inflação este ano, já que o IPCA deve fechar em 3,51%, na previsão dos analistas ouvidos pelo Focus. Este novo patamar de juros deve se manter por mais tempo, ou seja, de forma mais estrutural, porque a economia brasileira está fraca demais e a correção de preços está mais profunda.
Neste ambiente de juros menores, evitar a troca da TJLP é obrigar a sociedade a continuar pagando pelos subsídios caríssimos, sem transparência, já que nada fica registrado no orçamento federal, e sem um acompanhamento mais profundo da alocação dos recursos do BNDES. Os discursos contrários à medida não têm primado pela clareza, ao contrário, adicionam mais dúvidas do que esclarecimentos. Não há, ou pelo menos não deveria haver, nenhuma dúvida sobre o custo que a política dos campeões nacionais do banco estatal já impôs ao país.