O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles vive uma disputa acirrada entre o seu “realismo” e o que a política brasileira entende por realidade. O chefe da equipe econômica que carrega a responsabilidade de tirar o país da crise econômica prometeu, desde seu primeiro dia à frente do cargo, que seria “absolutamente realista” sobre a situação e não assumiria metas que não pudessem ser cumpridas. Meirelles não prometeu salvar a economia, mas ele sabe que toda expectativa criada por sua chegada e a formação do grupo que o cerca se transformou no pêndulo que pode reequilibrar o país.

 

Em um artigo publicado na página de Opinião do jornal “Folha de S.Paulo” neste domingo (7), o ministro Meirelles não economiza adjetivo para apontar os “culpados” pelo quadro atual da economia brasileira: “A deterioração fiscal e o forte intervencionismo causaram queda aguda da confiança, gerando colapso no investimento e reduzindo a atividade econômica e o emprego. A recessão que se seguiu intensificou a queda da arrecadação tributária iniciada em 2011”, diz em seu artigo. Não é a primeira vez que o ministro lança mão da dramaturgia para sensibilizar o poder legislativo – certamente não será a última.

 

O que Meirelles não imaginava desde que está de volta ao poder em Brasília é que o seu realismo seria tão distante da realidade política. Os pontos mais importantes apresentados até agora para gerar mudanças na condução das contas públicas vêm, ou sendo adiados impiedosamente, ou sendo alterados significativamente pelos parlamentares.

 

A urgência embutida nas propostas e reforçada pela recessão, desemprego e pelo tamanho do rombo assumido nos cofres públicos não é “real” o suficiente para convencer os políticos a decidirem o que for melhor para o país. Ao contrário, o corporativismo e o fisiologismo têm vencido as batalhas travadas em Brasília, especialmente a da comunicação. Claro que a percepção sobre o parlamento só piora, mas nem isso é capaz de demover seus representantes porque o que vale hoje é o principio do salve-se quem puder do alcance da justiça – o da opinião pública não faz nem cócegas.

 

Em seu artigo, Meirelles repete com ênfase os números que explicam a fonte dos problemas com as contas públicas. Ele cita que, entre 1997 e 2015, os gastos públicos do governo federal aumentaram 6% ao ano, acima da inflação. E entre 2007 e 2015, a alta foi de 50% acima da inflação. 50%! Nas comparações, o ministro fala do endividamento público que aqui já alcança 70% do PIB, quando entre os emergentes o indicador está em 45%. Sem mexer na estrutura da dinâmica das contas públicas tudo pode ficar ainda pior, alardeia o ministro. E não há como fazer isso sem mexer na Constituição já que, nos lembra o ministro da Fazenda, “80% das despesas do governo federal” estão cravadas na Carta de 88.

 

Os projetos que já estão para apreciação no Congresso propõem alterações na gestão dos cofres públicos e do orçamento federal. Outras reformas esperadas – como da previdência, a trabalhista e a tributária – terão que passar pelo mesmo processo. E pela demonstração dada até agora pelos parlamentares, não será fácil nem óbvio vencer etapas.

 

No texto, Meirelles apresenta seus aliados de luta nada despreziveis: empresários e consumidores, e também o pessoal do mercado financeiro, que estão mais confiantes com futuro. Aqui ele pode estar buscando sensibilizar os nobres colegas do Legislativo a fazerem o que ele, ministro, já conquistou aval da sociedade para tocar e avançar.

 

O ministro faz uma defesa meio às avessas do projeto que prevê a renegociação das dívidas estaduais afirmando que as mudanças apresentadas pelos parlamentares até agora não afetam o debate de mudança no regime fiscal proposto pelo governo, o que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior. O que Meirelles não diz, e o tempo vai dizer se ele deveria ter enfrentado essa “realidade” com mais dureza e menos drama, é que as alterações na forma de assumir os gastos com pessoal nas contas estaduais, retira dos governantes subnacionais o instrumento fundamental para conseguir cumprir o que pode ser a base da nova legislação fiscal, como prevê a PEC dos Gastos.

 

Em entrevista exclusiva ao blog, o secretário de Fazenda de São Paulo, Renato Villela, faz esta ressalva: sem as contrapartidas, ou seja, sem poder mexer na folha de pagamento dos estados, não há como evitar o crescimento desenfreado das despesas regionais – a não ser que os cortes em investimentos e prestação de serviços à população sejam a solução disponível. Não é a desejável.