O IPCA em 2003
O resultado do IPCA de setembro, apurado pelo IBGE, foi de uma alta de 0,54% – um forte repique em relação ao mês anterior e com reflexos claros do efeito da alta do dólar nos preços. Esse desempenho é comparável ao alcançado em 2003, primeiro ano do mandato do ex-presidente Lula. O país se recuperava de uma grave crise de confiança, impulsionada pelo medo da chegada do PT ao poder, o que poderia significar o abandono da política econômica baseada no sistema de metas para inflação, geração de superávits primários e câmbio flutuante.
A crise vivida em 2002 foi aguda e contagiou a economia nos primeiros meses do ano seguinte. Passado o medo e com o compromisso público de Lula de que manteria tudo como estava – e manteve mesmo – o país foi se restabelecendo, se aprumando e se preparando para o melhor período da economia brasileira e mundial em décadas. Vou abusar um pouco dos números para aumentar o escopo de comparação e de visão do quadro geral – não só da economia brasileira, mas também das expectativas e da situação internacional.
Antes de começar, é preciso dizer que aquela batalha era mais fácil e com final previsível para o positivo. E isso não é avaliação de “engenheiro de obra feita” – o caminho estava iluminado e era só uma questão de tempo.
Em janeiro de 2003 a meta de inflação foi ajustada pelo Banco Central para 8,5%, sem bandas de flutuação. Ela fechou em 9,3%. Por ter estourado os limites o BC foi obrigado, ao final daquele ano, a escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda (Antônio Palocci à época) com as explicações para o descumprimento e as estratégias para a retomada do controle dos preços. A carta explicou que 55% de toda inflação acumulada em 2003 se deu nos três primeiros meses do ano. A partir de então, o IPCA caiu com força. O que corroborava a avaliação de que o contágio vindo de 2002 se dissiparia rapidamente.
Diferenças do contexto geral
Em 2003, a política fiscal estava muito apertada, com forte controle sobre os gastos. Para você ter uma ideia, a meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) era de incríveis 4,5% do PIB – e foi mais do que cumprida. Mundo afora, tudo era festa. A China comprava o que estivesse disponível no mercado, os preços das commodities agrícolas subiam às alturas e os países ricos cresciam lindos e felizes. Uma diferença essencial entre lá e hoje: em 2003, o BC tinha o controle das expectativas, o que aumentava a eficácia de suas ações.
Tanto assim que, mesmo partindo de um momento extremamente negativo, as previsões para o crescimento da economia e até mesmo para a inflação do período eram bem positivas. Em 2003 o PIB caiu 0,5%. Em 2004, cresceu 5,2%. E o IPCA? Em 2004, caiu para 7,6%, dentro da meta daquele ano, que era de 5,5%, com bandas de 2,5 pontos percentuais, para cima e para baixo. Está vendo que, mesmo com ambiente mais promissor e um BC com credibilidade, é difícil reverter a trajetória da inflação? Se todo mundo acreditar que a seta apontada pelo governo vai dar no lugar certo, ela cai com mais força.
Na política, Lula tinha apoio até dos adversários. E agora?
Agora temos uma total inversão de cenário. Para começar falando das contas públicas, fechamos 2014 no vermelho e, não valendo milagre, vamos amargar o mesmo resultado este ano. A meta atual para o superávit primário (que foi abandonado nos últimos 3 anos) é de apenas 0,15% do PIB. As despesas do governo cresceram sistematicamente acima da economia nos últimos anos, consumindo competitividade. No caso da inflação, ela está perto de 9,50%, num país em recessão. A diferença essencial aqui: o controle de preços. O governo passou mais de 2 anos controlando preços de carros, produtos da linha branca, passagem de transporte urbano, energia elétrica, gasolina e também do dólar.
Na carta que terá que justificar suas falhas em 2015, Alexandre Tombini e os diretores do Banco Central terão desafio gigantesco para explicar porque diabos foram coniventes com o controle de preços. Afinal, o IPCA de agora é consequência exatamente disso. Vai ter que explicar porque seus instrumentos perderam eficácia e credibilidade. Vai ter que explicar porque não consegue controlar as expectativas dos agentes econômicos. E para falar do futuro? Vamos ter que esperar até início do ano que vem para saber o que estaremos enxergando naquele momento porque, hoje, está tudo nublado.
E na política, temos o governo mais reprovado da democracia e bombardeado pelo Congresso Nacional.
PS: A presidente Dilma Rousseff diz que já “vê luz no fim do túnel”.