Não importa qual seja a decisão do Banco Central sobre a taxa de juros no segundo encontro do Copom em 2016 – a inflação brasileira está imune aos instrumentos disponíveis ao BC. O tema da indexação da economia voltou com força aos debates e não é por menos. Quanto menor for a confiança no controle da inflação futura, mais o sistema se defende das perdas que estão por vir. As empresas, os consumidores, os prestadores de serviços, estão todos de olho na inflação passada para definir o valor de sua produção e trabalho. Taxa de juros, principal ferramenta do BC, não age sobre o passado.

 

Perguntei ao economista Alexandre Schwartsman como o BC pode combater a indexação. “Reduzindo a inflação”, simples assim foi a resposta. Mas isso vai levar tempo, rebati. E enquanto a inflação não baixa, a indexação não vai aumentando? “Sim. Vai. Veja, quanto mais se estende o período de convergência da inflação para a meta, mais as pessoas incorporam a inflação passada no presente. Este comportamento defensivo não é por acaso no Brasil. O BC vem prometendo a convergência para a meta e não cumpre desde 2011. Ao contrário, estende cada vez mais o prazo para chegar lá”, explicou Schwartsman.

 

Se não está nas mãos do BC promover uma desindexação da economia, quem pode resolver isso? “No domínio do BC não tem nada que possa ser feito, a memória inflacionária é alta no Brasil. Por isso é tão importante não perder o controle das expectativas. No âmbito do governo, daria para mexer no cálculo de reajuste do salário mínimo que forçou mais indexação”, disse o economista.

 

Obs: Aprovado em 2009 e renovado em 2015, o sistema de reajuste do salário mínimo no Brasil leva em conta o PIB de dois anos antes e o INPC de um ano antes. No ano passado, o INPC fechou em 11,28%, maior até do que o IPCA, índice oficial de inflação. É indexação na veia... 

 

Sobre a indexação

A indexação é um sistema de reajustes de preços com referência na inflação passada. Ela era disseminada no Brasil na época da hiperinflação já que, de um dia para o outro, o dinheiro perdia valor. Para se defender minimamente da perda contínua do poder de compra, salários e contratos também eram indexados. Era uma corrida em círculos que realimentava a inflação. O Plano Real estancou parte dessa dinâmica, mas não foi capaz de limpar a memória da sociedade da sensação de proteção que a indexação pode gerar.

 

A maior inimiga da indexação é a insegurança, ou a falta de confiança no futuro. O “gatilho”, como era chamada a reposição automática da inflação nos preços, vai ficando mais forte quanto maior for a descrença na estabilidade da moeda, da economia. O choque de realidade vivido pelos brasileiros em 2015 acordou o “gatilho” “aos gritos”. Como não repassar o aumento da conta de luz que chegou a 70% em algumas cidades, por exemplo? Mesmo com a queda no consumo de energia, o contágio foi inevitável. A mesma coisa aconteceu com outras tarifas e preços ligados ao dólar – este então, subiu 49% em 2015!

 

O IPCA, índice calculado pelo IBGE e adotado pelo sistema de metas para inflação, tem uma composição que esclarece o poder da indexação na trajetória dos preços no Brasil. Na largada, o indicador tem cerca de 60% dos preços indexados. Os monitorados, que são regidos por contrato, são o espelho retrovisor da economia, eles têm peso de 30% no IPCA. Os preços ligados ao dólar também, já que dependem da variação da moeda americana – eles são outros 30% do IPCA. Os últimos 40% do índice são de preços livres, ou seja, que respondem ao equilíbrio (ou desequilíbrio) da oferta e da demanda na economia.

 

A indexação alimenta a chamada “inflação inercial”, aquela que vai sendo carregada ao longo do tempo reagindo pouco, ou quase nada, ao que acontece na economia real. Com mais ou menos demanda, por exemplo, tem lá um pedaço da inflação que está conectada ao passado e não vai se mexer facilmente. No Brasil, esta inércia cresceu demais de 2014 para cá. De 2015 para 2016, ela deve dobrar. O próprio BC já mostrou que a contribuição da inércia no IPCA foi de 5% em 2012 e de 11% em 2013 e 2014. Em 2015 ela caiu para um dígito, mas a expectativa é que ela volte com força e dobre em relação aos níveis de 2013 e 2014.

 

“A recessão que o BC precisará fazer terá que ser maior por causa das expectativas estarem fora da meta de inflação, ou seja, é mais custoso perder a credibilidade. Vamos precisar de mais recessão e mais juros para convencer a sociedade de que é para valer, que o BC vai mesmo reduzir a inflação. Até agora, não foi o que ele fez. Ao contrário, na hora “H”, ele tem feito para trás”, arremata Alexandre Swchasrtman, se referindo às mudanças nas mensagens e nas ações dos diretores do Copom sobre sua estratégia de ação.