O IPCA de março confirmou as expectativas e levou a inflação em 12 meses para 8,13%. A barreira psicológica da carestia brasileira continua sendo desafiada, afinal, a discussão já não se dá mais sobre o “limite superior da meta de inflação”, que é de 6,5%. Com a evolução dos preços nestes primeiros três meses do ano fica claro que o IPCA de 2015 caminha para 9%.

A última vez que os preços sofreram choques dessa magnitude foi há 13 anos, em 2002, 2003 e 2004. Naqueles anos, a meta de inflação era de 3,5% 3,5% e 3,75%, respectivamente. Foi um período bastante turbulento, com a crise de confiança aguda pelo receio da chegada do PT ao poder. O IPCA fechou em 12,53%, 9,30% e 7,60% nos três anos. O maior culpado pelo estouro foi o dólar, que sofreu uma maxidesvalorização provocada pela fuga massiva de investidores.

O Brasil ainda era frágil, muito vulnerável. As reservas internacionais à época revelavam o nível da fragilidade do país: terminamos 2002 com US$ 15 bilhões no caixa. Hoje, temos US$ 370 bilhões. Para retomar as rédeas dos fundamentos econômicos, o Banco Central precisou levar os juros a 26,5% em fevereiro de 2003. E para reconquistar a confiança dos investidores, o governo decidiu se “ajustar” à realidade e assumiu que seria impossível cumprir as metas de inflação estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional.

Em janeiro de 2003, primeiro mês de mandato do presidente Lula, Henrique Meirelles, que assumira o comando do BC, anunciou as novas metas de inflação para aquele ano e o seguinte. “A política de juros terá como objetivo atingir uma inflação de 8,5% e 5,5% para este e o próximo ano”. O sistema adotado pelo BC também foi ajustado, elevando o intervalo de tolerância da inflação para 2,5 pontos percentuais para baixo ou para cima das novas metas.

O ‘timing’ das decisões foi decisivo para a virada nas expectativas e da coordenação da política econômica adotada para corrigir os rumos.  Com uma meta de inflação ajustada, o BC conseguiu cumprir sua tarefa e os preços caíram sistematicamente até que a inflação entrasse num período de estabilidade, previsibilidade e convergência com a meta. A confiança dos consumidores, empresários e investidores convergiu positivamente na mesma velocidade.

Voltando para 2015, há diferenças fundamentais nas condições econômicas do país. Já citei o nível das reservas internacionais como uma delas. Mas não fomos só nós que mudamos: há 12 anos, o mundo convivia com taxas de juros mais altas, comércio mundial superaquecido, inflação mais elevada nas economias emergentes. O vento soprava a nosso favor. Hoje, os juros nos países desenvolvidos estão negativos, os europeus enfrentam uma deflação, ou seja, inflação negativa, e no comércio mundial só ficou quem é bastante competitivo. O crescimento, depois de rastejar nos últimos anos, já sinaliza um pulso mais fortalecido.

O Brasil está exatamente na ponta contrária a esse cenário – o vento agora está contra. Outra diferença crucial entre os dois períodos relatados aqui está na causa dos nossos problemas. Há 12 anos, a inflação subiu bruscamente por causa do dólar que refletia a insegurança dos investidores. Atualmente, a inflação estourou seus limites porque criamos um país “sintético” nos últimos 5 anos, em que as decisões foram tomadas por conta e risco do próprio governo, consumindo boa parte da estabilidade alcançada depois da crise da década passada.

O Banco Central continua afirmando que a inflação brasileira vai “convergir para o centro da meta de 4,5%” até o final de 2016. Nada é impossível, mas muita coisa é improvável. Para ser possível e provável, a sociedade precisa acreditar que o objetivo é realista. Nós já perdemos o ‘timing’ favorável - elemento essencial do controle alcançado em 2003. Mas nunca é tarde. E é de choque de confiança que o país precisa agora.

Ser realista vai assustar menos do que ser “sonhador solitário”. Apresentar metas mais condizentes com a realidade atual pode desanuviar o horizonte e prover ao governo algum benefício da dúvida sobre sua competência e capacidade de reverter os maus feitos do passado recente.