Nesta quinta-feira (29) o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação a ser cumprida pelo Banco Central em 2019 e em 2020 - 4,25% e 4,5%, respectivamente. É a primeira vez que há uma redução da meta em 14 anos e é também, pela primeira vez, que o CMN define para três anos seguidos à frente.

Desde que foi adotado o sistema de metas de inflação, em junho 1999, houve apenas 4 momentos em que o CMN optou por uma meta menor do que a anterior em vigor. Isso sem contar os três primeiros anos sob o novo regime, quando o BC teve que trabalhar para entregar um IPCA cada vez mais baixo, já que era um período de adaptação e o país saía de um choque tremendo nos preços, provocado pela maxidesvalorização do real em janeiro de 1999.

Em junho de 2001, o CMN escolheu a menor meta que já tivemos até agora, de 3,25%, a ser cumprida em 2003. Como assessora de imprensa adjunta do BC, eu participava das reuniões do Conselho e pude testemunhar uma discussão interessante sobre se o Brasil estava ou não preparado para assumir tamanho desafio.

Houve muito debate entre os membros do CMN, presidido à época pelo ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, com participação de Martus Tavares, que comandava o Planejamento, Arminio Fraga e seus três diretores da área econômica do BC. A dúvida era se não seria muito arriscado, com tão pouco tempo sob o novo sistema, e a nova política fiscal, assumir um compromisso tão forte, que implicaria um BC mais propenso a subir os juros para segurar os choques inesperados na inflação.

Venceram os defensores da meta menor, mas não sem muita argumentação de todos os lados. Nas reuniões do CMN para definição da meta, fica a cargo dos diretores do BC fazer a "defesa" do voto proposto, com explicações e projeções que possam convencer os membros votantes. Até aquele momento, a trajetória econômica parecia favorável à ousadia. Até que...

Aquele ano de 2001 deve estar entre aqueles em que vivemos uma das maiores frustrações com o futuro. Começamos muito bem, com dólar abaixo de R$ 2, o sistema brasileiro de metas de inflação era um sucesso reconhecido até lá fora, a política fiscal se consolidava com a adoção de superávit primário e a nova Lei de Responsabilidade Fiscal já estava valendo.

No início daquele ano, esperava-se que o PIB cresceria 5%, com chances de ser maior ainda. Até que veio a pior das notícias em meados do primeiro semestre. Os reservatórios das usinas hidrelétricas estavam vazios e o Brasil teria que adotar um racionamento radical no consumo de energia. O Apagão, como ficou conhecido o episódio, derrubou todos os planos de fortalecimento da economia.

A sequência de eventos derrubou qualquer esperança de o país experimentar uma inflação tão baixa. Ainda em 2001, a Argentina decretou sua moratória e quase leva o Brasil junto, já que os estrangeiros enxergavam os dois países como quase-iguais. Em setembro, veio o ataque aos Estados Unidos, o pior ato terrorista da história mundial, o que derrubou os mercados e estabeleceu um clima de aversão ao risco.

Em 2002, com a chance cada vez maior de Luiz Inácio Lula da Silva ser eleito presidente, vivemos mais um choque agudo de confiança. A Carta ao Povo Brasileiro acalmou os mercados, mas a crença de que o Brasil manteria a política econômica de FHC só se fortaleceu em meados de 2003 - ano em que teríamos tido um IPCA inédito de 3,25% - ele ficou em 9,30%. Ainda assim, em junho daquele primeiro ano do PT no poder, o CMN resolveu reduzir a meta para 4,5%. E aí ela está até agora valendo também para 2018.

Quando há redução da meta, como deve ser o caso agora, há de se ponderar as previsões para a economia para dois anos à frente, quando ela será validada. Hoje, o Brasil está vivendo momento peculiar, para dizer o mínimo, na sua conjuntura econômica.

O processo desinflacionário é forte, como nunca visto, o Banco Central está em plena campanha de redução da taxa básica de juros e tudo indica que este movimento veio para ficar, de forma sustentável.

Não há garantias, porém, de que todo resto necessário para suportar a estratégia do BC vá acontecer paralelamente e em tempo de acomodar as mudanças de patamar inflacionário e de juros. As reformas, especialmente da Previdência, que podem garantir a solvência das contas públicas e, consequentemente, ancorar a política monetária, estão cada vez mais distantes de uma aprovação.

Diante de todo esse histórico, ressalvo que o Brasil está mais maduro para ousar. Apesar das crises profundas e agudas que vivemos, o Real sobreviveu e está preservado. Uma das maiores ameaças do passado, que se impôs várias vezes, não está presente agora, qual seja, o desequilibro das contas externas. O câmbio tem hoje menor poder de alimentar a inflação do que há 15 anos.

A grande ameaça da década não vai se dissipar facilmente, a dos gastos públicos e sua estrutura cara e ineficiente. Mas é preciso recolocar o Brasil na trajetória sustentável de juros menores e inflação controlada. A redução da meta de 2019, para 4,25%, pode colaborar com o processo.